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Logística: percepcionar a evolução

Neste subcapítulo exploram-se os meandros do conceito de logística e sua evolução. Evidenciam-se os cortes com um passado valioso, conquanto redutor, para se poder apresentar o conceito hoje, na óptica de sistema (ou conjunto de sistemas/network logística) de actividades integradas, pelo qual fluem produtos e informação, desde a origem até ao ponto de consumo (e vice-versa, na óptica da reverse logistics), sustentado por factores que determinam a vertente de disponibilização da organização, isto é, um sistema capaz de responder no tempo certo, com a quantidade correcta e que se conecte aos locais mais apropriados. Tudo isto com a preocupação do mais baixo custo. 

Logística é conceito em permanente evolução. Tem origem remota, é um facto, contudo projecta-se sempre além do que somos hoje capazes de percepcionar. Para muitos, entre os quais nós mesmos, existe a convicção de que Logística tem, e terá, um carácter intemporal. Assim vejamos.

O desenvolvimento e a aplicação moderna do termo Logística no mundo empresarial estão longe dos primeiros usos dados ao vocábulo pelos filósofos gregos da antiguidade, nomeadamente os da escola aristotélica. Estes faziam a distinção entre o raciocínio correcto determinado pela dedução e analogia, utilizando como instrumento as palavras e frases, a que chamavam lógica, e o raciocínio do mesmo tipo mas baseado em algarismos e símbolos matemáticos, a que chamavam logística. 

Conquanto se trate, então, de um termo vulgar em relação ao mundo empresarial, uma vez que o seu “reaparecimento”, neste contexto, se deu há mais de cem anos para exprimir uma função da organização, relativa ao abastecimento e à formação de stock, muito embora com origem exclusivamente militar, a utilização que se lhe dá no âmbito da gestão actual situa-nos sempre a jusante das suas aplicações mais remotas. 

A verdade é que muito antes de o homem de negócios se aperceber da dimensão e centralidade da logística no mundo empresarial já o estratego militar a usava para movimentar exércitos, travar batalhas e averbar vitórias.

Efectivamente, e em várias ocasiões, os grandes homens da guerra deram provas inequívocas de mestria e engenho na forma como foram tirando partido da logística, movendo-se pelos seus meandros com a agilidade própria de quem sabe bem como usar uma “arma letal”. 

Muito embora tal se tenha verificado durante séculos, apenas em 1837, e pela mão de Jomini, surgia a questão tão desejada: “será a logística, unicamente, uma “ciência” de pormenor? Ou será uma “ciência” geral, formando uma das partes mais essenciais da arte da guerra?” Foi a partir de então que o conceito se começou a apresentar de forma estruturada e abrangente.

E mesmo sem os poderosos sistemas de informação que acompanham hoje os grandes exércitos do mundo, tornou-se evidente, ao longo da história da guerra, que “é a ‘inteligência’ que vence as batalhas, sempre as venceu e sempre as vencerá” (Charles Ardant du Picq). Muito embora a constatação pareça óbvia, menos óbvia não será outra que subscrevemos inteiramente: “A inteligência, [é certo], reúne as variáveis, estuda-as, ordena-as, prepara a concepção, mas não dá à luz [...]” (Charles De Gaulle). 

Que o mesmo é dizer que aquela de nada serve se não existirem meios para passar da concepção à acção. Ou seja, associada à “inteligência” (a que chamamos, em sentido lato, sabedoria) existe pelo menos um outro factor de igual importância - a capacidade, que se tem ou não - e que está ligado à prossecução de determinado fim. Como é evidente, muito embora possamos pensar em separar os factores, eles condicionam-se mutuamente, pelo que não parece ajustado avançar num sem ter em conta o outro, e vice-versa.

Querendo tornar-nos mais pragmáticos, podemos afirmar que a logística, pela sua abrangência, determina toda e qualquer manobra militar. Não se pode, por isso mesmo, iludir o inimigo quanto às intenções (veja-se, por exemplo, a suposta fraqueza das tropas de Napoleão em Austerlitz), pensar em astúcias e estratagemas (como o famoso Cavalo de Tróia) ou em novas formas de “fazer guerra” (de que são exemplo as unidades blindadas apoiadas por uma aviação de combate, utilizadas pelos alemães na II Grande Guerra, dando origem ao ataque relâmpago ou blitzkrieg), sem que haja uma capacidade que permita acompanhar um hipotético “brilhantismo” da manobra.

A célebre boutade de Napoleão, “qu'on ne me parle pas de vivres”, ficou definitivamente enterrada com a campanha da Rússia, ante a inconsistência da sua manobra (logística). O General, ao reconhecer o erro, passou a fazer uso da fórmula: “Os soldados marcham com o estômago”. 

Logística, antes demais, em evidência absoluta. 

Se pensarmos na empresa, e se recuarmos uma centena de anos, vamos encontrar, em 1901, um texto de John Crowell que, curiosamente, versava, de forma precursora, a temática dos custos e de outros factores que afectavam a distribuição de produtos farmacêuticos.

Entre 1916 e 1927 deram à estampa, pelo menos, quatro textos relacionados, directa ou indirectamente, com a temática logística. Prenúncios, no mínimo, do que viria a ser a logística empresarial de hoje. Tinham a chancela de Arch Shaw (1916), L. D. H. Weld (1916), Fred E. Clark (1922) e Ralph Borsodi (1927), este último muito próximo, mesmo, do conceito de logística empregue actualmente no universo empresarial. ([2])

Passado o período da segunda Grande Guerra, e com a evolução conseguida  pela vertente militar, e do posterior boom do marketing, o primeiro grande   marco da logística empresarial  vem a dar-se com o lançamento do artigo de Peter Drucker, ([3]) “The Economy´s Dark Continent”, ao referir a logística (na altura ainda só distribuição física) como a face obscura da economia, verdadeiro território por explorar, e a última fronteira da gestão. Estávamos no ano da graça de 1962. 

 

Um ano mais tarde viria a ser criado nos Estados Unidos da América aquele que assume actualmente a designação de U. S. Council of Logistics Management, a primeira organização que reunia todos os profissionais ligados à logística com o propósito da divulgação e ensino empresariais de tão importante domínio do saber  (vide www.clm1.org).

Tudo tem, obviamente, a sua história e a sua própria evolução. Não vai ser explorada aqui e agora,. Retiramos esse enquadramento e passamos, antes, a enquadrar a Logística nos dias de hoje. Cada vez mais ligada à estratégia e, cada vez menos, uma mera disciplina operacional.

Torna-se pertinente, à medida que os tempos passam e se multiplicam os mais diversos casos empresariais, a ligação entre estratégia global de negócio (análise, planeamento e gestão) e sistemas logísticos empresariais, uma vez que estes últimos requerem intervenção estratégica para a sua condução. Fortifica-se e sedimenta-se, dia após dia, uma relação crítica entre Logística e Desempenho da Organização, a todos os níveis.

A logística é, hoje, traduzida de forma abrangente. Cortou as suas raízes com um passado valioso, conquanto redutor, para se apresentar como um sistema (um conjunto de sistemas ou uma network) de actividades integradas, pelo qual fluem produtos e informação, desde a origem ao ponto de consumo (e vice-versa, na óptica da reverse logistics), sustentado por factores que determinam a vertente de disponibilização da organização, isto é, um sistema capaz de responder no tempo certo, com a quantidade correcta e que se conecte aos locais mais apropriados. 

E, muito embora seja esta a óptica de serviço total, deve estar implícita a busca de um ponto de equilíbrio óptimo para a organização, em termos de custo. 

Para chegar até aqui, porém, um árduo e penoso caminho foi percorrido em relativamente poucos anos. Repare-se que uma das faces mais invisíveis da organização está precisamente na logística. E é contra esta falta de visibilidade que se têm debatido os profissionais e os investigadores desta área e se irão certamente continuar a debater.

É que é fácil reconhecer quando algo relacionado com a logística  funciona mal, porque leva a frequentes rupturas de stock, a ordens de encomenda desencontradas, a baixos níveis de serviço e produtividades, a disponibilizações erradas de produtos ou serviços, com colocações fora de tempo, em locais incorrectos ou em quantidades pouco indicadas. Mas, tradicionalmente, quando funciona bem, entre as causas de sucesso divulgadas para o exterior não figura a logística, quando deveria ter lugar obrigatório.

Quanto a nós, o seu carácter menos visível tem desiludido muitos dos entusiastas iniciais, constituindo mesmo factor essencial, em falta, para que seja facto assente o seu merecido reconhecimento. Para além disto, há que perceber que a Logística, associada a muito trabalho, 24 horas por dia e 365 dias por ano, é tradicionalmente mal paga (conquanto possa não ser hoje a realidade, o estigma, esse, persiste). No entanto, por esse mundo fora existem numerosas empresas cujo sucesso se radica, quase só, no potencial dos sistemas logísticos associados. Um caso a pensar.

No e-business, por exemplo, é hoje de aceitação corrente e unânime a criticidade logística. A componente física, falando de produtos ou serviços, tornou-se um quebra-cabeças para a economia virtual. Quem diria que tal viria a suceder? Quando toda esta febre da “nova economia” começou, provavelmente ninguém. Hoje só se recusa a aceitar tal facto quem está mal informado. Defeito, ainda assim, dos demasiadamente optimistas. 

Como não seria de estranhar, alguns autores de ponta nesta área - que, diga-se, não são muito numerosos, sobretudo se comparados com  os  de outras áreas do desenvolvimento empresarial - e o U.S. Council of Logistics Management adoptam hoje uma definição mais ou menos formal e oficial de logística, como sendo: 

o processo estratégico (porque acrescenta valor, permite diferenciação, cria vantagem competitiva, aumenta a produtividade e rendibiliza a organização) de planeamento, implementação e controlo dos fluxos de produtos, serviços e informação relacionada, desde o ponto de origem até ao de consumo (e vice-versa, na reverse logístics ou logística inversa), de acordo com as necessidades dos elementos a serem servidos pelo sistema logístico em causa. ([4]

Eis, então, a sua definição mais actual, mais abrangente e melhor aceite pelos diversos autores, investigadores e profissionais da área.

Desta forma, será fácil constatar que logística hoje é mais do que apenas distribuição física, como o foi no passado. É mais do que simples gestão de materiais, como se julgou vir a ser. É mais do que simples (re)abastecimento. É tudo isso e mais toda a informação. Para integrar ambos os fluxos, físicos e informacionais.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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