1.2
A emergência de novos paradigmas

A história da organização e da gestão empresariais mostra de uma forma clara que as empresas têm sempre procedido a mudanças organizacionais por forma a responderem mais adequadamente às tendências e solicitações dos mercados, e a satisfazerem um conjunto cada vez mais exigente de requisitos.

 

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

As questões organizacionais nunca foram objecto de tanta divulgação e tanta especulação como nos nossos dias. Se, no período posterior à II Guerra Mundial, a competitividade empresarial assentava em factores de produção fundamentalmente de natureza tangível, na última década do século, em resultado de uma continuada profusão de tecnologias por todos os sectores da actividade económica, os principais factores diferenciadores são essencialmente intangíveis, passando cada vez mais por questões organizacionais e de coordenação entre as entidades envolvidas em complexos processos de cooperação.

As últimas três ou quatro décadas foram particularmente profícuas no aparecimento de novas estratégias de produção e organização. Na origem destas novas lógicas produtivas e organizacionais estão as limitações de um quadro-tipo dominado pela doutrina da administração científica do trabalho (Frederick Taylor) e da estrutura organizacional (Henri Fayol e Max Weber), implementado em larga escala na primeira metade do século, com a preocupação única de se conseguir uma cada vez maior eficiência produtiva.

A segunda metade do século transmite-nos uma ideia clara de mudança, em que a nova lógica dominante é a competição e o desenvolvimento económico das nações industrializadas. De uma época, a dos anos 50/60, em que o ênfase da competitividade se centrava nos custos de produção, passou-se para uma fase em que a saturação do mercado conduziu a uma inflexão para as questões de marketing e, posteriormente, para factores tais como a qualidade e a fiabilidade dos produtos. A década de 90 assistiu a uma nova mudança, de acordo com a qual a vantagem competitiva é marcada pela ideia-chave de resposta rápida às solicitações do mercado (time to market). Assim, emergiram novos conceitos, tais como: supply chain management, lean production, world class manufacturing e agile manufacturing  (Jagdev e Browne, 1998) .

Para se manterem competitivas, as empresas tendem a evoluir progressivamente para formas de organização mais globais, com uma especial preocupação no que respeita à maior variabilidade da procura, à proliferação de novas tecnologias (que permitem reduzir substancialmente os tempos de desenvolvimento e produção de novos produtos, cada vez mais complexos), às novas exigências no tempo de resposta às solicitações dos clientes e ao aumento substancial da qualidade.

A continuada proliferação de tecnologias de informação em todos os sectores de actividade económica permitiu a transição de uma competitividade centrada em factores de natureza tangível para uma competitividade em que a ênfase é colocada nas questões organizacionais e de coordenação e cooperação.

Este quadro geral conduziu naturalmente a novos paradigmas organizacionais, caracterizados por uma maior concentração das empresas nas suas competências e actividades principais (core competencies) e pelo estabelecimento de redes de cooperação com entidades externas3, desde fornecedores a clientes, em que as actividades de coordenação e colaboração assumem naturalmente uma enorme importância, conduzindo consequentemente a desafios de grande complexidade.

  

Fig. 1.8  A globalização da economia e a consequente desintegração vertical.

Esta tendência de desintegração vertical, ou de “desagregação”, de competências, visando uma maior adaptação a um mercado cada vez maior e simultaneamente mais disperso, tem sido objecto de alargada investigação nas últimas duas décadas. A figura 1.8 ilustra a tendência de desagregação vertical, como consequência da globalização da economia e da emergência de novas formas de organização. A teoria económica neoliberal prefere, por isso, a cooperação à competição, quer entre empresas, quer, a um nível mais alargado, entre nações, considerando essa opção mais vantajosa e mais promissora em qualquer cenário económico (Pontrandolfo e Okogbaa, 1999) .

A exploração e a intensificação da cooperação, nomeadamente através de modelos de negócio baseados em redes de empresas, surge como resposta das organizações aos novos fenómenos que promovem e intensificam a competitividade.

Neste contexto, o aparecimento de novos factores, de âmbito quer externo, quer interno, tais como a globalização dos mercados, o lançamento de novos produtos em escalas temporais cada vez menores e a proliferação tecnológica em áreas de grande heterogeneidade, tem provocado alterações profundas nas organizações no sentido de estas continuarem competitivas.

  

 Fig. 1.9 A emergência de novas formas organizacionais.

 Estas alterações compreendem, entre outros aspectos, a adopção de estratégias de inovação, o aumento da produtividade e a potenciação das capacidades humanas (figura 1.9). Um dos resultados destas alterações profundas é a exploração de novas formas de organização, em particular através da criação de redes de empresas e da formação de organizações virtuais e, consequentemente, de empresas virtuais. A cooperação, através de modelos de negócio baseados em redes de empresas, com estruturas dinâmicas e de duração variável, perfilha-se, assim, como um elemento fundamental para garantir e sustentar a competitividade.

A emergência, nestes últimos anos, de novos paradigmas organizacionais dominados por características tais como a adaptabilidade, a flexibilidade, a criatividade, a agilidade, mostram bem o quanto a evolução das tecnologias da informação está relacionada com a globalização dos mercados e com a sua dinâmica de mudança.

A flexibilidade organizacional das estruturas empresariais, aliada a uma contínua evolução do seu nível tecnológico, será cada vez mais, no futuro, a fonte de vantagem competitiva por detrás das suas core competencies. A empresa tenderá no futuro a ser heterogénea nas partes que a constituem, muito mais do que uniforme, rígida e hierárquica como aconteceu até há pouco tempo. Em Warnecke (1993 ) é identificada como característica comum a todas as revoluções industriais a tendência de progressão de soluções centralizadas para soluções descentralizadas.

Dinâmica e complexidade são dois desafios que reflectem as características centrais dos futuros mercados (Eversheim et al., 1997) . Esta constatação tem conduzido as empresas a procurarem e incrementarem a criação de valor mediante o estabelecimento de redes de cooperação não permanentes, isto é, temporárias, envolvendo entidades independentes de forma a garantirem vantagens mútuas. A imparável dinâmica de competição e a complexidade dos sistemas de produção estão naturalmente associadas à emergência da criação de valor cooperativo (figura 1.10).

  

Fig. 1.10 A emergência da criação de valor cooperativo (adaptado de Eversheim et al., 1997 ).

Por outro lado, o aumento da complexidade dos serviços (independentemente do tipo) e o recurso a redes de cooperação estabelecidas entre várias entidades implicam não só o desenvolvimento de sistemas organizacionais flexíveis e reconfiguráveis, como, fundamentalmente, um incremento significativo do esforço de coordenação.

Assim, nos últimos anos, têm sido propostos novos conceitos e ideias no âmbito da organização dos sistemas de manufactura, com a finalidade de suportarem de forma efectiva os requisitos e tendências emergentes, nomeadamente a globalização da competitividade, a constante diminuição do ciclo de vida dos produtos, a contínua melhoria da qualidade e da fiabilidade, a concepção e a produção de produtos cada vez mais complexos, etc. Exemplos de novas ideias e conceitos incluem: a empresa fractal, os sistemas de fabrico holónicos, os sistemas de fabrico biológicos e os sistemas de fabrico ágeis (Gindy, 1999) . Para uma apresentação e uma comparação destes conceitos, sugere-se a leitura de Tharumarajah (1996) . Alguns autores consideram que a maior parte destes conceitos será a base de novos paradigmas organizacionais que permitirão suportar, de forma adequada, a cada vez maior imprevisibilidade nas condições de mercado.

Refira-se finalmente que nos últimos anos têm sido lançados diversos programas e projectos de investigação, com o objectivo de formalizar e desenvolver metodologias de modelação adequadas aos novos paradigmas organizacionais, nomeadamente às organizações ágeis, virtuais ou operantes em estruturas cooperativas complexas. A Secção 1.4 apresenta de forma sucinta alguns dos projectos mais significativos lançados, nos últimos anos, nesta área.

 

A Empresa ágil

Numa economia global, apoiada por tecnologias de informação e comunicação avançadas, competir à escala mundial significa satisfazer clientes cada vez mais exigentes e em mercados cada vez mais fragmentados. São estes mercados que exigem respostas inovadoras por parte dos sistemas de produção. A “massificação da personalização dos produtos” (mass customisation), a redução dos prazos de entrega, a redução do ciclo de vida, a entrega pontual, a qualidade e o preço tornam-se assim factores essenciais de sobrevivência e de sucesso das empresas.

Ao longo dos anos, a base dos processos de fabrico progrediu desde um ambiente artesanal, através da produção em massa, até à denominada produção “magra” (lean) e flexível, e presentemente continua a sua evolução a um ritmo crescente, dando origem ao que é já um novo paradigma organizacional: a “empresa ágil”.

 

Agilidade vs. leaness

A expressão agile manufacturing teve a sua origem nos Estados Unidos e resultou de um estudo efectuado por uma equipa de investigação envolvendo empresas industriais, agências governamentais e organismos públicos, acerca da competitividade das empresas americanas num mercado global (Nagel e Dove, 1991) . Uma das conclusões deste estudo foi que a melhoria do desempenho dos sistemas de produção em série não traria competitividade para as empresas a operarem num mercado global. Em vez disso, seria necessário adoptar e estimular novas formas de trabalho, nomeadamente através de “empresas ágeis”. Segundo o mesmo relatório, a “agilidade” requer a integração de vários factores: tecnologias flexíveis de produção; uma força de trabalho competente; conhecimento; e estruturas organizacionais de gestão que promovam e estimulem iniciativas cooperativas entre as empresas (Jagdev e Browne, 1998) . Um aspecto igualmente importante do agile manufacturing é a capacidade para desenvolver relações estratégicas entre clientes e fornecedores.

Ser “ágil” significa literalmente mover-se com facilidade. Aplicado a uma organização produtiva, ser ágil é responder rapidamente aos requisitos de um mercado em constante mudança.

A empresa, para ser ágil num contexto global, tem de ter a capacidade de introduzir rapidamente no mercado produtos inovadores; e igualmente de ser capaz de dar uma resposta rápida ao mercado e aos clientes, quanto a novos produtos; além disso, deve operar com um sistema produtivo reconfigurável e continuamente em mudança para se adaptar à própria dinâmica do mercado.

A “empresa ágil”, como novo paradigma organizacional, baseia-se em três características fundamentais: a dinâmica de mudança, a resposta rápida e a noção de qualidade total (Warnecke, 1993) .

Uma empresa ágil encontra-se necessariamente em constante mudança, nunca atingindo um estado estável, e adaptando-se constantemente a um conjunto de circunstâncias imprevisíveis. A capacidade para responder rapidamente apenas pode ser conseguida através de processos de cooperação internos e externos à própria empresa. A cooperação pressupõe um elevado grau de confiança entre parceiros, e uma partilha igualmente segura do conhecimento e da informação. Por último, a qualidade não pode ser unicamente uma característica do “produto” em si, deve antes ser estendida a todo o relacionamento existente entre o cliente e o fornecedor.

Note-se que a literatura propõe diferentes perspectivas e visões acerca do conceito de “agilidade”. Contudo, todas elas, de uma ou outra maneira, têm na base um outro conceito ou paradigma proposto no início da década de 90 por Womack, Jones e Roos com o livro The Machine that Changed the World (Womack et al., 1990) . O conceito de “produção magra” (lean production), desenvolvido a partir de então, foi inspirado no modelo de produção desenvolvido pela Toyota. A evolução/extensão do conceito de “produção magra” para “empresa magra” defende a eliminação de desperdícios a todo o nível e em toda a cadeia de valor (Womack e Jones, 1994) .

Naylor et al.  (1999) separam, de forma clara, os conceitos de “ágil” e de lean, para os quais propõem as seguintes formulações:

Agilidade pressupõe usar o conhecimento do mercado e recorrer a organizações virtuais para explorar as oportunidades de negócio em mercados voláteis.

Leaness pressupõe o desenvolvimento de um sistema de valor fluido eliminando o desperdício, incluindo o tempo, e assegurando um nível estável de execução.

Basicamente, a agilidade enfatiza a ideia de adequação a mercados voláteis e instáveis, isto é, a mercados em constante mudança. Por seu lado, o conceito de lean enfatiza a ideia de estabilidade e previsibilidade. Apesar de apresentarem conceitos distintos, os autores defendem a sua integração/fusão na aplicação a cadeias logísticas complexas.

Christopher et al.  (1999), com base num programa de investigação sobre agilidade e o seu nível de implementação em empresas europeias, caracterizaram a agilidade por confrontação directa com as ideias subjacentes a ambientes lean. A tabela 1.1 apresenta, em termos comparativos e resumidamente, as principais características identificadas.

Tabela 1.1Agile versus lean.

Numa perspectiva de cadeia de fornecimento, pode-se caracterizar uma estrutura lean como sendo um processo “fisicamente eficiente”, isto é, optimizado para o fornecimento de “produtos funcionais” (normalizados) em que a procura é de certa forma estável. Por outro lado, uma estrutura agile é capaz de responder adequadamente às solicitações do mercado para produtos inovadores, para os quais a procura é instável e imprevisível.

Assim, o conceito de lean está, em certo sentido, associado à eficiência de toda a estrutura produtiva, e o conceito de agile à “responsividade” da mesma. Esta associação foi originalmente apresentada por Fisher (1997) sob a forma de uma matriz em que é ilustrada a estreita relação entre estruturas produtivas eficientes e produtos “funcionais” e estruturas produtivas “responsivas” e produtos inovadores (figura 1.11).

  

Fig 1.11  Matriz de Fisher (adaptado de Christopher et al., 1999) .

 O autor defende que os conceitos de lean e agile não são antagónicos, mas antes e fundamentalmente complementares, podendo portanto coexistir, quer ao nível de uma entidade própria (autónoma), quer ao nível de uma organização complexa constituída por diversas entidades eventualmente independentes. A figura 1.12 procura ilustrar a coexistência destes dois conceitos através de um ponto de interacção que coincide com a ideia de ponto de desacoplamento, no processo de produção e de planeamento anteriormente já referido.

Uma abordagem à empresa ágil, numa perspectiva essencialmente intra-empresa e direccionada para a utilização e a adaptação dos sistemas de informação a um ambiente “ágil”, pode ser encontrada em Maskell (1994) .

    

Fig. 1.12  Coexistência dos conceitos agile e lean .

Refira-se, no entanto, que o âmbito aqui considerado, para os conceitos associados à agilidade empresarial, pressupõe não só uma perspectiva intra-empresa, como fundamentalmente uma perspectiva interempresas, isto é, estendida a toda uma organização “virtual”.

O pressuposto é de que a transição para a “agilidade” contempla a remodelação total da organização, dos pontos de vista quer da produção, quer dos processos de gestão, originando consequentemente novas formas de organização.

Responder rapidamente ao mercado com novos e mais complexos produtos é, naturalmente, uma vantagem competitiva das empresas. De acordo com este paradigma organizacional, a introdução de novos produtos assenta na formação de estruturas organizacionais envolvendo recursos de diferentes entidades numa única entidade de negócio e enquanto prevalecer a oportunidade de mercado. Inerente a esta forma de organização encontra-se assim a noção de empresa virtual, conceito a ser caracterizado no capítulo seguinte. De facto, a noção de empresa virtual parece estar subjacente ao paradigma do agile manufacturing, constituindo o factor diferenciador fundamental relativamente ao paradigma da lean production.

 
© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.