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Definições

Criatividade, invenção e inovação

Criatividade, invenção e inovação são palavras vulgares que podem significar muita coisa. É por isso importante estabelecermos claramente qual é o sentido, empregue no âmbito empresarial, que vamos usar neste livro

  • Criatividade é o produto do génio humano, enquanto gerador de novas ideias, conceitos ou teorias. 

  • Invenção é um passo à frente, no qual se delineia um produto, processo ou protótipo resultante da combinação de ideias em que uma, pelo menos, é inteiramente nova, ou em que o modo como essas ideias estão combinadas é totalmente novo, produto da criatividade

  • Inovação é a transformação de ideias e/ou utilização de invenções, de que resultam aplicações úteis conducentes a melhoramentos.

Assim, a criatividade existe no universo das ideias, em que os processos são cognitivos; a invenção, no universo das tecnologias, em que os processos são tecnológicos; e a inovação, no universo dos mercados, em que os processos são empresariais. Uma ideia só se transforma numa invenção se puder gerar algo que funcione; uma invenção só se torna numa inovação se puder ser implementada com sucesso na sociedade.

Fig. 1.1 Conceitos de criatividade, invenção e inovação.

Diz-se, por vezes, que inovação é o processo de transformar boas ideias em bons produtos ou bons negócios. Na verdade, neste processo, muitas ideias, em princípio boas, podem ficar pelo caminho – só aquelas que demonstrarem no seu desenvolvimento que podem efectivamente resultar em bons produtos (ou negócios) chegarão a uma fase final de implementação.

Consequentemente, há muito mais para analisar, sob o tema “inovação”, do que novas tecnologias, enquanto que, por outro lado, pode não haver qualquer nova tecnologia envolvida em inovação. A inovação leva-nos para lá do mundo das tecnologias e volta-nos para o mercado e para as realidades circundantes da empresa.

Não é porque existe uma tecnologia que existe um produto – existe um produto porque existe um mercado disposto a comprá-lo e depois existirá uma tecnologia para o fazer.

Esta afirmação encerra uma importante diferença em relação ao conceito clássico de inovação – em vez de movida pela tecnologia (technology-led), passa a ser movida pelo mercado (market-led).

Vamos analisar esta questão com maior pormenor nos pontos seguintes deste livro, mas chamo, desde já, a atenção para o impacto que esta diferença linguística aparentemente simples vai ter no modo de visualizarmos todo o funcionamento da empresa e a sua abordagem da gestão da inovação.

 

Modelo sociológico

 

As afirmações feitas no ponto anterior podem parecer demasiado cruas, como se o mundo fosse constituído e movido exclusivamente por empresas e negócios com objectivos imediatistas, e não por uma realidade cultural muito complexa onde é mais frequente os negócios resultarem da evolução sócio-cultural que o inverso (embora este também exista). Contudo, de facto, só traduzi o modelo sociológico do papel da criatividade e inovação na evolução da sociedade. Vale a pena atendermos por momentos a esta perspectiva sociológica:

“O que chamamos inovação não é o resultado de um indivíduo isolado mas o produto de 3 forças: um conjunto de estruturas sociais (campo) que, de entre as variações produzidas por indivíduos, selecciona as que devem ser preservadas; um domínio cultural estável que preserva e transmite as ideias seleccionadas às gerações seguintes; o indivíduo, que promove uma mudança no domínio, que o campo aceita como inovadora. A inovação é um fenómeno que resulta da interacção destes 3 sistemas: sem um domínio culturalmente definido onde a criatividade é possível, o indivíduo nem pode começar; sem pares que avaliem e confirmem a adaptabilidade da inovação é impossível diferenciar o que é criativo do que é improvável, bizarro ou aberrante.”

(Csikszentmihalyi, 1988)

Fig. 1.2 Modelo sociológico da inovação.

Nesta definição encontramos os elementos sociológicos básicos: o campo, o domínio e o indivíduo. A inovação bem sucedida (de entre todas as possíveis como resultado da criatividade) provoca uma mudança no domínio que é aceite e reconhecida pelo campo. Assim, ela acabará por ser englobada no domínio e deixará de ser uma inovação (passando a ser uma realidade comum). A função do campo é avaliar e seleccionar, não limitar ou controlar a geração de ideias pelo(s) indivíduo(s). Note-se que só é uma inovação aquilo que sai do domínio – isto é, desconhecer o domínio provoca uma perda de tempo com o proverbial “reinventar da roda” (inventar o que já está inventado).
Estabelecemos assim que a inovação é algo transitório entre a novidade e a tradição: a partir do momento em que uma ideia criativa se transformou numa inovação real, iniciou-se um processo de assimilação da inovação que, com o passar do tempo, se torna de uso corrente e que, eventualmente, poderá mesmo vir a tornar-se obsoleta e a desaparecer. Por exemplo, os dirigíveis Zepellin foram uma inovação nos transportes, resultante da aplicação das invenções dos balões a hidrogénio e dos motores, que uma inovação subsequente (os aviões) tornou obsoleta.

Para ter a perspectiva empresarial que usei no início, experimente trocar as palavras “campo” por “mercado”, “domínio” por “sistema científico-tecnológico” e “indivíduo” por “recursos humanos da empresa” e leia novamente a descrição do modelo sociológico.

 

Uma nova dimensão na inovação empresarial
 

A inovação acelerou dramaticamente com a revolução industrial, há mais de duzentos anos. Todas as empresas foram criadas como resultado de uma grande inovação: aproveitar uma oportunidade de negócio, materializando todas as estruturas humanas e tecnológicas necessárias para a sua exploração. Muitas tiveram também momentos de autêntica re-criação. A inovação é, portanto, algo que existe e sempre existiu nas empresas. O que há, então, de diferente hoje em dia? Por que é que se começa a falar tanto em “inovação” como se de um objectivo novo para as empresas se tratasse? O que é novo não é a inovação, mas sim:

·         o motivo por que ela é feita;

·         os objectivos que tem;

·         a intensidade que requer;

·         a forma como é gerida e

·         o modo como envolve todos os níveis da empresa.

 Porquê? Se recordar o que leu na definição de inovação dada logo no início, já identificou uma importante razão: a inovação de que falamos hoje é provocada pelo mercado, mais que pelas tecnologias.   Por outras palavras, no modelo clássico da inovação, alguém inventa algo que permite obter um novo produto, e que pode mesmo revolucionar hábitos de vida (por exemplo, o avião). Embora esta realidade continue sempre a ser possível, não é com ela que me quero preocupar neste livro, mas com a inovação movida pelo mercado.

Fig. 1.3 Inovação movida pela tecnologia e movida pelo mercado.

Esta nova perspectiva resulta de mutações significativas no modo de vida e atitude dos consumidores e na abertura dos mercados e aumento da concorrência.

É já um lugar comum falar-se na abertura dos mercados mundiais, e é também já um lugar comum falar da sofisticação dos mercados e da importância da qualidade nos mercados mais desenvolvidos.

Os dois fenómenos estão, de facto, interligados. Sem o factor qualidade, a capacidade competitiva dos produtos assentaria só no preço. Aí, as economias designadas ocidentais deixariam de ter qualquer capacidade de competir com as asiáticas (e outras), em que os custos de mão-de-obra e as políticas sociais (ou sua ausência) permitem reduzir os custos de produção a níveis impossíveis na Europa / Estados Unidos / Japão, apesar do aumento da sofisticação tecnológica. Assim, a produção em massa, generalizada e sem diferenciação, desloca-se progressivamente para as economias ditas emergentes, deixando a Europa e os Estados Unidos de ser grandes produtores dos bens genéricos/correntes. Evidentemente, se não houvesse possibilidade de contrapeso, os mercados fechar-se-iam em medidas proteccionistas que defendessem as economias internas. A globalização da economia pressupõe portanto que a capacidade produtiva dos países ditos mais industrializados se desloca progressivamente para produtos de maior valor acrescentado.

A qualidade, num sentido abrangente do termo, é o factor-chave para criar uma diferenciação que permite competir com um preço mais elevado.

Qualidade é a capacidade de igualar ou mesmo ultrapassar as expectativas do cliente/consumidor.

Então, com um conhecimento mais objectivo e sofisticado das expectativas do cliente (que passa, em primeiro lugar, por reconhecer que não há um tipo único e que o mercado deve ser bem segmentado), pode-se conceder aos produtos esta capacidade de satisfazer melhor (cada vez melhor) as expectativas do mercado. Este é um exercício que envolverá eventualmente aspectos intangíveis: por exemplo, o valor da marca, cuja importância nunca é demais realçar sobretudo para produtos que se destinam ao consumidor final, apesar dos seus custos (em relação aos custos de marca, ver o texto interessante de Freemand e Soete, 1997).

Na espiral da qualidade, em que as expectativas que são hoje criadas se tornam nas expectativas de base que o consumidor tem amanhã, a inovação é o motor central. A qualidade de um produto reconhecida pelo cliente/consumidor confere-lhe um importante elemento de diferenciação, mas com o tempo as suas vantagens comparativas esbatem-se pelo desenvolvimento dos mercados e a actividade da concorrência. Temos de questionar continuamente o modo como a empresa vê o seu futuro. Como podemos fazer melhor aquilo que fazemos hoje? Que novas expectativas aparecem com alterações sócio-demográficas e com mudanças de atitudes, crenças e valores? Que novos segmentos de mercado se perfilam no horizonte? Como os satisfazer? Como oferecer aos clientes produtos que tenham um maior valor pelo qual eles estejam dispostos a pagar?

Estes “valores acrescentados” definem os contornos da palavra “qualidade” no produto em questão: garantia de qualidade, facilidade de utilização, satisfação de mais necessidades, expectativa de saúde e bem-estar, custos da utilização subsequente, etc.

Deste modo, definimos uma nova dimensão da inovação empresarial: a constante procura das mutações nos mercados, nos fornecedores e no sistema científico-tecnológico e a continuada busca de novas ideias que permitam conceber produtos cada vez melhores, processos cada vez mais eficientes e organizações cada vez mais capazes de tirar melhor e mais rápido partido das oportunidades.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.