2.2.
NÍVEIS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS


A distinção entre internacionalização "activa" e "passiva" feita no Capítulo 1 apenas tem sentido quando nos fixamos numa dada empresa. É em relação a ela que a internacionalização é activa (sendo ela o sujeito) ou passiva (sendo ela o objecto alvo).
Globalmente, contudo, é óbvio que, em termos de fontes de internacionalização, só a activa tem sentido, já que a passiva mais não é que um reflexo de uma prévia estratégia activa, não tendo existência autónoma.
É por isso que todos os estudos de internacionalização se centram quase exclusivamente nas estratégias activas (autónomas), o que significa estudarem-se muito mais as causas, motivações e incentivos para a internacionalização do que as suas consequências ou reflexos (um dos quais é a internacionalização "passiva" ).
No entanto, esses estudos têm sido mais fruto das preocupações empíricas dos "práticos" que de investigações planeadas e profundas do ponto de vista teórico, designadamente no campo do marketing internacional.
O. Andersen (1993) faz uma excelente análise crítica dos trabalhos e modelos desenvolvidos, de entre os quais escolheremos dois tipos dos mais conhecidos, apesar de se considerar que a sua aderência à realidade é ainda insatisfatória.


Modelos do Instituto de Upsala (U)

São modelos baseados na hipótese de que a internacionalização de uma empresa se desenvolve em quatro estádios, hipótese essa originalmente apoiada pela evidência fornecida por "estudos de casos" de quatro empresas suecas.
Esses quatro estádios são os seguintes:

Estádio 1: não há quaisquer actividades regulares de exportação.
Estádio 2: as exportações processam-se através de representantes independentes (agentes).
Estádio 3: a empresa abre no estrangeiro um estabelecimento de vendas.
Estádio 4: a empresa estabelece no estrangeiro unidades de produção próprias.

Como é evidente, os Estádios estão apresentados por ordem crescente relativamente ao grau de envolvimento internacional, desde o isolamento completo até à integração total na actividade de transformação de um país estrangeiro, num processo que vai da simples movimentação dos seus produtos até à mobilidade de factores de produção e contratação de factores estrangeiros para levar a cabo as suas transformações.
Esta cadeia de estádios não esgota todas as modalidades de envolvimento internacional, fixando-se unicamente nas estratégias individuais, não cooperativas, das empresas, bem como em movimentos estritos entre o país de origem da empresa em internacionalização e um só país destino.
Na tentativa de explicar a internacionalização para mais de um país, admitiu-se que as empresas em internacionalização entrariam em novos mercados em círculos concêntricos de distanciamento físico crescente. Este ponto de vista materializa-se hoje na defesa da lógica dos mercados regionais, admitindo-se até que os hiatos geográficos de expansão natural das empresas são expressão da perversão da estratégia natural em resultado de enviesamentos políticos: a formação da União Europeia, da NAFTA, do MERCOSUL e dos emergentes mercados regionais asiáticos são evidência empírica assinalável.
Na base do desenvolvimento destes modelos estão dois conceitos:

  • "conhecimento do mercado" (market knowledge). Este apresenta, ainda, duas variantes de grau diferente de profundidade: o conhecimento geral e o conhecimento específico.
    Considera-se que o geral decorre do domínio das características globais da procura do produto em causa, que têm grande universalidade, enquanto o específico é mais exigente, pois releva as idiossincrasias locais e a influência destas sobre os padrões (os que decorreriam das características universais);

  • "compromisso com o mercado" (market commitment). Em contrapartida, este conceito é bem mais do que um conhecimento do mesmo:

"compromisso com o mercado" é o investimento de recursos visíveis no mercado externo, sendo a estratégia subjacente tanto mais credível quanto mais irreversível for o tipo de investimentos realizados.

É evidente que os dois tipos de conhecimento estão necessariamente interligados, em princípio com o primeiro a preceder o segundo, sem prejuízo de, em sentido dinâmico, poder haver um efeito de realimentação (feed-back) em que o segundo tipo venha a incrementar também o primeiro.
É que não tem sentido criar um grande compromisso com o mercado se não houver previamente um bom conhecimento geral e específico do mesmo, já que esse compromisso, sobretudo se irreversível, representa um risco marcadamente acrescido.
Nesse sentido, podemos dizer que os estádios apresentados representam, em simultâneo, conhecimentos crescentes a que vão correspondendo compromissos crescentes em quantidade e em qualidade (maior grau de irreversibilidade), funcionando os estádios sucessivos como experiências e antecâmaras preparatórias para os estudos posteriores, se os conhecimentos específicos adquiridos a isso incentivarem.
Contudo, e porque o conhecimento específico vem da experiência vivida e esta é tanto maior quanto o empenhamento e o risco associado, é plausível que o compromisso crescente arraste consigo maior conhecimento (no já referido efeito multiplicador de realimentação) que, por sua vez, pode levar a um incremento desse compromisso ou até à sua ruptura e, no limite, ao seu abandono no caso de o conhecimento aprofundado ter revelado perspectivas negativas até aí não identificadas.
E nem se pense que este desenvolvimento dinâmico é hipótese sem sentido, reveladora eventualmente de um errado conhecimento nos primeiros estádios: é que os conhecimentos desses primeiros estádios estão de início ligados, no essencial, à procura que, no fundo, justifica a experiência de entrada num mercado através de agente. A passagem ao compromisso comercial local vai possibilitar um conhecimento específico pela vivência do contacto dos consumidores e um primeiro conhecimento "por contacto" com as características da oferta (ainda não "vivida") pelos sinais da concorrência imposta pelos outros produtores presentes no mercado. É esse conhecimento que, se der sinais favoráveis, incitará ao compromisso de produção local. Só então se vai ter, de forma "vivida", um verdadeiro conhecimento específico das condições locais de oferta, podendo-se encontrar "novidades" dissuasoras.
É por isso que, numa tentativa de diminuir o risco, os compromissos devem ser tão graduais e tão reversíveis quanto as condições de entrada no mercado o permitam.


Modelos de Internacionalização como Inovação

A base destes modelos é a consideração do movimento de internacionalização como uma inovação por parte da empresa
A perspectiva é sequencial, num processo nitidamente semelhante à adopção de uma inovação. A diferença é que enquanto esta se situa ao nível do processo de transformação ou ao nível do novo produto, a internacionalização está ligada a uma adopção de um novo mercado geográfico. Assim, 

se a inovação é um processo de aprendizagem - a adopção no mercado do produto (ou no mercado da tecnologia) - a internacionalização também o é - a adopção numa nova área geográfica.

Curiosamente, a maioria destes modelos foi desenvolvida e testada para PME, nas quais este processo de aprendizagem, mesmo dos conhecimentos gerais, é mais relevante, apresentando-se sempre passos cautelosos de expansão ligados à exportação e raramente se caindo na decisão de essas PME se lançarem em produções noutros países que não o de origem.
Em termos empíricos, os estudos realizados têm tido uma natureza que obnubila os movimentos de uma empresa específica entre um estádio e outro, já que para estabelecer a cadeia de opção seria necessário um teste longitudinal.
Assim, não é possível predizer os movimentos de passagem de um estádio para outro, mas apenas caracterizar as empresas que estão classificadas nos diferentes estádios.
Isto significa que conseguimos confirmar a existência dos vários níveis de internacionalização mas escapam-nos as motivações para os movimentos e, sobretudo, a sua sequência, o seu ritmo e até as suas consequências, o que exige o desenvolvimento de modelos dinâmicos.
É certo que o estudo de casos poderá ser um bom ponto de partida para identificar hipóteses minimamente consistentes que permitam desenhar esses modelos, mas tal só acontecerá se o seu número for razoável e se existirem, sobretudo a partir de certa altura, linhas de observação bem definidas.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.