1.5
CONCENTRAÇÃO E (SOBRE) CAPITALIZAÇÃO:
O AR DA BOLHA

Temos vindo a assistir a um desenrolar de fusões e aquisições cada vez mais espectaculares que, por via da globalização, mais não são do que movimentações de oportunidade, onde as empresas agem para tomar posições. A nota que aqui nos apraz sublinhar é a que configura uma desenfreada corrida aos conteúdos. 

Senão vejamos, num rápido mergulho que diariamente corre o risco de se desactualizar – tal é o ritmo! – algumas das mais significativas operações ocorridas nesta matéria.

A CAÇA AOS CONTEÚDOS 

“Telefonica compra Endemol”. Em Março, a empresa presidida por Juan Villalonga comprou (100%) a maior produtora de programas de televisão da Europa, a holandesa Endemol, pela milionária soma de 925 mil milhões de pesetas, valor três vezes superior ao seu valor real, segundo os especialistas. Com esta operação a Telefónica desfez quaisquer dúvidas quanto às suas ambições, que passam por lançar-se abertamente no negócio dos conteúdos, muito mais do que ser um mero fornecedor de acessos telefónicos. A voracidade que as empresas de telecomunicações (gigantes empresariais que “engordaram” enquanto empresas públicas) vêm demonstrando um pouco por todo o mundo cifra-se no país vizinho, por exemplo, pelo sólido pacote com que a Telefonica Media prevê apresentar-se em Bolsa a curto prazo. Esta divisão possui 48% da Via Digital (TV por satélite), 100% da cadeia de rádios Onda Cero, 95% do grupo Recoletos (editor dos diários Expansión e Marca), 47% da Antena3 TV, uma participação significativa no importante diário El Mundo e 5% do grupo britânico Pearson.

SONY JUNTA-SE À BERELSMAN

Outra nova aliança que veio marcar o sector da música foi a das secções musicais do grupo Sony e do grupo Bertelsman, tendo este último anunciado ainda a sua intenção de se aliar ao império canadiano Seagram Universal Music Group, que detém actualmente 21% do mercado musical, contra os 17% controlados pela Sony Music e os 11% do grupo Bertelsman. Paradigmática neste caso foi a importância da informação para efeitos de capitalização bolsista das empresas: assim que correu o rumor que anunciava a aliança, os títulos da Sony começaram o dia a 879 ienes (1681 escudos) e a meio da sessão saltaram para os 28 000 ienes (53 200 escudos).

ALIANÇA ENTRE A REUTERS, MULTEX E AETHER SYSTEMS

No panorama mundial dos conteúdos, entre as várias movimentações dos grupos de media destacou-se o salto qualitativo do grupo britânico Reuters, que anunciou em Fevereiro o investimento de 500 milhões de libras (820 milhões de euros) para desenvolver nos próximos quatro anos a comercialização dos seus conteúdos na Internet. No mesmo comunicado[7] o grupo adiantava ainda a introdução em bolsa da Internet, a sua filial de corretagem electrónica, e da Greenhouse, o seu fundo especializado em novas tecnologias, além da aliança com as sociedades americanas Multex (a operar na área da Internet) e Aether Systems (voltada para o negócio das telecomunicações móveis). Na corrida ao on-line, ninguém no mundo quer ficar para tio… Só o anúncio deste tipo de aposta é uma valorização do capital destas empresas, como vimos, o que é já dizer muito.

AOL e TIME-WARNER O NEGÓCIO DO SÉCULO

A mais espectacular das fusões, pela dimensão e pelo carácter exemplar que encerra foi, no entanto, a da America Online (AOL) e Time-Warner. Ao 10º dia do ano 2000 as duas empresas criaram o que foi chamado pelo mundo inteiro “o negócio do século”, protagonizando a maior operação da história da bolsa. O caso não é para menos, uma vez que tinha todos os ingredientes que vão dominar os próximos anos: informação, tecnologia, entretenimento e dimensão global. Juntas numa colossal entidade que controla todo o processo de produção e difusão dos seus conteúdos do princípio ao fim. Vale a pena perceber o que estava em jogo:

Fig. 1.1 – Os números da AOL e TIME WARNER (valores em milhões de dólares).
(Fonte: Reuters securities 3000)

“Quando o maior fornecedor mundial de acesso à Internet e o maior grupo de media, líder na produção de conteúdos informativos e de entretenimento, fundem as suas já imensas actividades numa única empresa, estão a confirmar-nos que as apostas feitas na última década na economia digital são irreversíveis”[8], escrevia – acertadamente – no dia seguinte o Diário Económico. Analistas citados pelo Financial Times acreditaram de imediato no novo gigante. Peter Kreisky, director de media no Mercer Management Consulting não hesitou ao afirmar que “Isto vai deixar todos os outros para trás”, acrescentando ser impossível encontrar duas empresas com a mesma força noutras actividades. À semelhança do que se passara pouco antes na área financeira, com a fusão em 1999 entre a Citicorp e a Travelers Group, prevê-se a criação de uma grande quantidade de marcas e sistemas de distribuição, tentando cada uma das partes utilizar o novo cenário para ganhar mais clientes de cada um dos serviços.

Apesar de o negócio ser apresentado como uma parceria entre iguais, a história não é bem essa, sendo o primeiro elemento de espanto a proporção do acordo. Senão tracemos um breve retrato das duas corporações.

A Time Inc. começou com papel impresso e cresceu para o audiovisual em duas fusões distintas; para a indústria cinematográfica (com a compra da Warner Bros, um dos mais poderosos estúdios de Hollywood, em Março de 1989) e para a televisão (com a absorção da Turner Broadcasting Systems, o que inclui a CNN de Ted Turner, segundo maior operador da rede de cabo dos Estados Unidos da América, em Agosto de 1995). É uma vetusta corporação com 77 anos, cujas origens remontam à incontornável revista Time. Emprega 70 mil pessoas, realiza um volume de negócios de 2,8 mil milhões de contos e lucros na casa dos 91 milhões de contos, com uma capitalização na bolsa em Janeiro de 2000 de 18,9 milhões de contos.

A America Online, por seu turno, nascida apenas em 1985, tem aos 15 anos 12 100 empregados, um volume de negócios de 602 milhões de contos, chegando a uma capitalização bolsista de… 32 milhões de contos (é um contraste ainda mais radical que o existente entre as supra-citadas Barnes&Noble versus Amazon.com). Tem 22 milhões de assinantes (a Time Warner tem 73 milhões) e, graças a uma estrutura ágil e tecnologicamente muito avançada – além das aquisições estratégicas da Compuserve, seu principal concorrente com 2,2 milhões de assinantes, em 1998, e depois da Netscape –, estendeu os seus “tentáculos” por todo o mundo, da China à Europa passando pelo Brasil.

Em toda a operação, um “pequeno” e singular pormenor: é a AOL a liderar o negócio, absorvendo o maior com 55% do novo grupo. O negócio envolveu a quantia de 350 milhões de dólares (68 mil milhões de contos/340 mil milhões de euros) e veio alterar decisivamente as regras do jogo. Esquematicamente, algumas lições que este consórcio veio dar ao mundo:

 

  •            Uma empresa “caloira” operando exclusivamente no mundo “virtual” adquiriu a maior empresa mediática do mundo. À época da fusão, a Time Warner trocou os seus 55% por 45% da AOL, embora apresentasse receitas cinco vezes superiores. O que pode explicar tamanha enormidade? Que este é um combate pelo futuro. A motivação do negócio foi o medo, principalmente do gigante “tradicional” que assim assegurou não perder esse comboio e a capitalização bolsista da AOL.

 

  •       Cada um dos originários vai potenciar os seus serviços através de sinergias intergrupais, com vantagens e um potencial de negócio incalculáveis. Para a AOL: a TW tem conteúdos, muitos e variados; os fornecedores de acesso à Internet estão cada vez mais confrontados com o défice de conteúdos. E são estes que motivam os consumidores; reduz a sua dependência das linhas telefónicas para passar a beneficiar das redes de cabo da Time Warner, o que acelera e melhora notavelmente a navegação dos seus clientes. Para a Time Warner: rentabiliza a produção corrente e o seu valiosíssimo arquivo através dos novos tipos de distribuição e comercialização potenciados pelos novos media: portas abertas para novos públicos e horizontes ainda por estimar.

 

  •       Ao nível dos conteúdos, estamos em presença da maior mistura de famílias e valores do mundo. O portfólio emparceira o Super-Homem, Batman, Bugs Bunny com Madonna, R.E.M, Beatles, Rolling Stones e Sinatra, “Serviço de Urgência”, “Casablanca” e “Matrix”, ou ainda, Amália Rodrigues, Marco Paulo, Madredeus e Rui Veloso. A música é talvez o mais exemplar beneficiado – com o negócio ulterior entre a TW e a EMI – mercê do pânico generalizado causado pela facilidade de cópia na Internet (através do MP3), a que as editoras tardam em dar resposta com o SDMI.

 

  •       É o primeiro teste (prova?) para saber se uma empresa de Internet pode prosperar no “mundo real” (tradicional) dos negócios. É também um voto de confiança da economia tradicional no poder dos novos media.

 

  •       O montante do negócio significa que o valor da Internet é real, e não apenas virtual. Os novos media definitivamente cresceram.

 

  •       Diminui significativamente a distância entre empresas de entretenimento e de comunicação.

 

  •       A liderança da AOL no mega-grupo coloca a questão: supremacia da nova sobre a velha economia? Ou, pelo contrário, prova de que o caminho é a aliança certeira entre as duas? Com o anúncio da fusão, as acções da Time Warner subiram 39% e as da AOL caíram 2,71%. O que significa? A nosso ver, que este é provavelmente o casamento perfeito, que dá ainda mais confiança aos que têm acções na bolsa (e são 44% dos americanos que as têm). As empresas que só operam no virtual são candidatas ao estouro da “bolha”, as que têm um pé nos dois sítios possuem uma maior oportunidade de enfrentar reveses futuros.

O caso paradigmático da fusão AOL-Time Warner dá-se no momento em que as grandes empresas de comunicação procuram o seu lugar na Internet e as empresas on-line procuram incluir nos seus portais novos conteúdos, como o entretenimento e a informação, vitais para atrair clientes. Esta é uma das razões que explica a corrida aos conteúdos a que assistimos. Além disso, conclui-se, sem margem para dúvidas, que o conhecimento vale dinheiro, dólares a sério.

Nos EUA, para o bem e para o mal a bitola do que se vai passando nesta matéria, as actividades ligadas à Internet ultrapassam já o volume de negócios dos sectores das telecomunicações. Ou dos transportes aéreos, por exemplo. A sobrecapitalização deste tipo de jovens empresas, paradoxal relativamente aos seus volumes de negócios e rentabilidade, baseia-se na valorização do conhecimento. Além dos exemplos atrás referidos, vejamos ainda o caso do maior banco virtual do mundo, o Softbanco, que, com apenas 1000 funcionários vale 10 vezes mais que o maior banco do Brasil, o Bradesco, com 64 000 empregados. O certo é que a Internet e a vigorosa saúde da economia norte-americana são indissociáveis (107 meses seguidos de crescimento económico, assinalados em Fevereiro). Os decanos da “velha economia” argumentam que a economia americana está a ser propulsionada por uma gigantesca “bolha” que embriaga Wall Street, e insistem que a riqueza é apenas aparente e resulta da convicção generalizada de que as acções das empresas ligadas às novas tecnologias de informação estão sobrevalorizadas em relação ao que de facto valem. Segundo esta tese, um dia esta bolha rebenta e… salve-se quem puder. O pânico de um crash milhares de vezes superior ao de 1929 não parece, no entanto, tirar o sono aos grandes senhores dos media mundiais e a constituição do super grupo AOL/Time Warner é um argumento mais para lhes confortar as expectativas.

Nas palavras de um guru da “nova economia”, Paul Romer[9]:

(...) Pode parecer heresia, mas eu olho para este negócio mais como uma afirmação do ego de Steve Case. Há 15 anos atrás ele desenhava para a Pizza Hut, agora é o patrão da Time Magazine e da CNN. Espantoso, sem dúvida! Mas qual é a lógica do negócio? Se a AOL estava apenas à procura de acesso para uma rede de cabo, bastar-lhe-ia ter negociado um acordo de distribuição. A AOL teve a sorte de a sua alta capitalização de mercado, antes do negócio, lhe ter permitido ganhar o controlo maioritário da Time Warner. Em última instância, e dito a cru, o negócio deu-se porque a AOL tinha massa disponível. Mas eu duvido que vá haver grandes ganhos – os problemas de gestão para pôr empresas destas a funcionar em conjunto são ciclópicos!

 

CONTEÚDOS PORTUGUESES

Em Portugal o panorama caminha nesta direcção, embora a passo mais lento. O state of the art pode ser aferido por um primeiro critério que é o número de empresas da área multimédia inscritas no serviço de apontadores mais popular em Portugal, o Sapo. Eram 60 (!), em Fevereiro de 2000, o que está de acordo com os dados da APMP (www.apmp.pt) para as empresas de produção Multimédia [10]. Se utilizarmos como critério de pesquisa no Sapo “empresas catalogadas como design e publicidade – design e comunicação” o número atinge as 231. Note-se que algumas destas empresas desenvolvem software (software houses), outras são produtoras de conteúdos tradicionais (audiovisual, animação), mas os grupos media que continuam a ser os grandes produtores dos conteúdos actualmente on-line não aparecem incluídos nestes directórios. Podemos assim dizer que existem algumas dezenas (poucas) de novas empresas em Portugal a operar exclusivamente na área dos novos media.

A principal conclusão de um estudo apresentado pela Augusto Mateus & Associados por ocasião do Dia Nacional do Multimédia 2000, promovido pela Associação para a Promoção do Multimédia em Portugal, é a seguinte: “Apesar de apresentar um franco crescimento nos últimos anos, o sector do multimédia em Portugal continua bastante aquém das expectativas”. O principal factor desta estagnação apontada pelo ex-ministro Augusto Mateus “é a escassez de técnicos especializados nomeadamente em negócios relacionados com a Internet e que afectam o crescimento sustentado do sector”.

Prosseguir com novas políticas governamentais na área da educação, formação, ciência, tecnologia e inovação são as soluções propostas pelo estudo, que refere a globalização e as tecnologias de informação como uma ameaça e oportunidade simultânea: “A globalização gera a especialização” e esta deverá ser claramente a aposta de Portugal para desenvolver este sector da “nova economia”. O mesmo trabalho estima ainda que o comércio electrónico irá aumentar exponencialmente nos próximos três anos: o valor estimado para 1999 era de 22,5 milhões de contos, prevendo-se em 2003 um fluxo de 600 milhões de contos só em Portugal.

 

PORTUGAL, A PREDEDORA PT

A Portugal Telecom é de longe o maior player português, através da criação da PT Multimedia e da PT Conteúdos, a acrescentar à sua posição de liderança no sector das comunicações. A entrada em 2000 trouxe a notícia de várias parcerias estratégicas da operadora que reflectem este posicionamento. Além de comprar (quase) tudo o que mexia, como start-ups (a compra do Sapo por meio milhão de contos, ou a aliança com a Nordica, empresa líder no mercado de videojogos em Portugal), são particularmente significativas as parcerias que levou a cabo com o grupo Lusomundo (um dos mais fortes do país, detentor de jornais e rádios de referência – DN, JN, TSF – e a maior rede de distribuição de filmes), e com a SIC, a primeira estação de televisão do país (através da TV CABO, com vista a desenvolver os canais Sic Gold e Sic Notícias pela incorporação do falhado CNL ).

No primeiro semestre de 2000 praticamente todos os media de dimensão nacional passaram a estar na Internet. A Media Capital lançou o portal www.iol.pt e a Abril ControlJornal (ACJ) o www.directo.co.pt. Estes portais competem assim directamente com os conteúdos do Sapo e do Netc, com a vantagem de terem os conteúdos, notoriedade de marca e leitores assíduos, ou seja, uma estratégia multicanal.

Além da indústria do multimédia propriamente dita, é importante referir o contributo para o seu desenvolvimento dado por algumas das mais importantes indústrias de conteúdos tradicionais. A indústria do Livro contribui para uma presença cada vez mais forte no ciberespaço, com cerca de 110 endereços na entrada “editores e livrarias” (pesquisa no directório Sapo).

O panorama das editoras de livros portuguesas pode ser aferido pela presença da Editorial Verbo (www.editorialverbo.pt) e da Porto Editora (www.portoeditora.pt) na Internet. A Editorial Verbo utiliza o seu site como mais um canal promocional para os livros em papel. Nota-se uma clara aposta desta editora no público jovem, tendo investido na criação do Clube Verbo, também acessível no Portal Clix (www.clix.pt). Trata-se de um espaço de convívio com excertos de livros, notícias, correspondência, brindes e concursos cujos prémios são livros. A “correspondência” é essencialmente um conjunto de forae temáticos (literatura, arte e cultura) mas em que as discussões giram à volta do Dragon Ball, dos Pokémon e de fazer amigos. Um espaço interessante para os mais jovens, sem dúvida, que convida à leitura e à escrita.

A Porto Editora utiliza os seus dicionários como principal mecanismo de atracção de visitantes (no site e no Netc www.netc.pt) e dispõe de um portal especializado para educadores, com canais específicos para professores.

Os e-books ainda não constituíam uma aposta para as nossas editoras, quando efectuámos esta análise (Fevereiro de 2000). Como exemplo de uma livraria nacional exclusivamente virtual, a que mais se destaca é a Mediabooks (www.mediabooks.pt), pela sua associação ao portal Sapo. Sempre que um utilizador do Sapo faz uma pesquisa, é-lhe sugerida a pesquisa na Mediabooks. Contudo, a ideia é apenas interessante se existirem sempre livros em catálogo que possam ser relacionados com o teor da pesquisa, como acontece na Amazon.com. Caso contrário, será difícil converter cliques em transacções comerciais.

 
© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.