1.1
TENDÊNCIAS DE EVOLUÇÃO NOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO

A evolução verificada ao nível dos sistemas de produção, em particular no que concerne a aspectos de organização, tem sido acompanhada por novos processos de planeamento e controlo essencialmente orientados para o interior da organização. Actualmente, as principais tendências na organização dos sistemas de produção obrigam a uma nova identificação de requisitos para os sistemas de informação no sentido de suportarem a cooperação e a coordenação, de forma optimizada, das novas estruturas organizacionais. 

A especificidade de cada ambiente de produção tem naturalmente de ser tomada em consideração, aquando do desenho e da implementação de sistemas de planeamento e controlo de produção (Higgins et al., 1996).

Se, no passado, as ferramentas de planeamento tratavam essencialmente do planeamento de materiais, actualmente a atenção centra-se em torno do consumidor final, dando assim origem aos sistemas de produção orientados para o cliente.

A tendência continuada de redução de lotes de fabrico e, simultaneamente, a elevada personalização dos produtos, são factores que, no limite, conduzirão à produção “unitária” ou individualizada. A par desta realidade, está igualmente o facto de se assistir quer à fragmentação, quer à globalização dos mercados, e, ao mesmo tempo, se verificar uma tendência contínua de crescimento ao nível do consumo. A conjugação de todos estes factores promove a mudança inevitável do paradigma da produção em massa para um novo paradigma que se poderia talvez designar por “personalização em massa” (mass customisation) e está associado à produção unitária (ver figura 1.1).

   

Fig. 1.1  Tendência dos sistemas de produção.

No passado, a preocupação dos sistemas produtivos prendia-se essencialmente com o abastecimento de armazéns de produtos finais. O cliente não exercia qualquer pressão significativa sobre o produtor. A tendência actual, emergente, é a integração do cliente final com o produtor, para satisfazer as novas exigências ao nível de prazos de entrega e especificidade dos produtos solicitados. A   procura ilustrar a evolução verificada na interacção cliente / produtor (unidade de produção).

  

 Fig. 1.2  Evolução da interacção cliente/produtor.

Em síntese, pode-se afirmar que actualmente as empresas actuam num ambiente caracterizado por:

  • redução drástica do ciclo de vida dos produtos;
  • elevadas diversidade e sofisticação (complexidade) dos produtos;
  • elevada personalização dos produtos;
  • procura imprevisível e de grande variabilidade;
  • reduzidos prazos de entrega ao cliente.

 

A INDÚSTRIA DOS SEMICONDUTORES

A indústria dos semicondutores constitui, na nossa opinião, um exemplo paradigmático do novo ambiente empresarial com que as empresas e organizações se debatem nos nossos dias, ficando, consequentemente, sujeita a todos os desafios daí resultantes.

Na verdade, trata-se de uma das indústrias mais avançadas tecnologicamente, apresentando uma das mais rápidas evoluções, e sendo de grande exigência em questões de planeamento e de gestão da produção.

As empresas de semicondutores, estando inseridas em mercados de produção globais, e envolvendo geralmente diversas unidades de produção, de logística, de armazenamento e de serviços, distribuídas por diferentes países, assim como recorrendo permanentemente a entidades externas em regime de subcontratação, podem ser naturalmente conceptualizadas, no âmbito dos  novos paradigmas organizacionais, como empresas virtuais. Para além do conjunto dos aspectos estruturais referidos, as empresas de semicondutores, da área de negócios orientada para o mercado de “Circuitos Integrados para Aplicação Específica” (ASIC), fabricam produtos à medida do cliente, estando, por isso, sujeitas a uma imprevisibilidade constante e significativa da procura, para além de terem de suportar todas as dificuldades inerentes a ciclos de vida de produtos extremamente curtos.

Pelo facto de esta indústria envolver elevadíssimos investimentos e estar inserida num mercado de grande imprevisibilidade, os processos de aceitação de encomendas (order promising) e de planeamento e gestão da produção desempenham um papel fundamental, segundo duas perspectivas. Por um lado, a viabilidade do investimento passa pela necessidade de se garantir elevadas taxas de utilização dos recursos produtivos; por outro lado, exige-se resposta rápida e fiável às solicitações do mercado, nomeadamente ao nível de novos produtos.

Estas duas perspectivas são antagónicas ao nível operacional, o que dificulta profundamente o planeamento das unidades produtivas. A procura de maior flexibilidade e produtividade tem conduzido as empresas à exploração de novos modelos de negócio e de novas formas de organização, nomeadamente através da criação de redes de empresas.

A orientação para o cliente e as limitações dos sistemas actuais

A produção orientada para o cliente é, cada vez mais, uma questão central do novo ambiente empresarial. A tendência continuada de redução dos lotes de fabrico e do ciclo de vida associado aos produtos, a imprevisibilidade da procura e a grande variedade dos produtos, bem como a sua cada vez maior personalização, são factores que, no limite, levarão as empresas a aproximarem-se do paradigma da produção unitária. Naturalmente que esta tendência impõe grandes desafios às empresas industriais, ao nível da organização do processo produtivo e ao nível dos sistemas e processos de planeamento, de gestão e de controlo da produção.

Por outro lado, uma cada vez maior interacção entre cliente e fornecedor (produtor) e a tendência crescente para que um eventual “ponto de desacoplamento”1 se desloque para montante colocam igualmente fortes requisitos aos sistemas de planeamento.

A tendência da produção orientada para o cliente, e consequentemente a maior interacção entre os sistemas de produção e o cliente, criam grandes desafios e a necessidade de soluções inovadoras, quer ao nível da organização do processo produtivo e das tecnologias utilizadas, quer ao nível dos sistemas e processos de planeamento e controlo da produção.

Cada vez mais, o planeamento da produção tem de ser baseado nas encomendas dos clientes e menos em previsões. Os sistemas actuais de planeamento (por exemplo, sistemas ERP e MRP-II) não se adequam cabalmente a esta nova realidade. Na verdade, não suportam o carácter distribuído do processo produtivo inerente às novas formas de organização, não admitem situações frequentes de replaneamento, decorrentes das necessidades de planear novas encomendas, e não fazem uma avaliação real da capacidade produtiva (naturalmente difícil de calcular em sistemas complexos e distribuídos). Além disso, o processo de negociação/aceitação de novas encomendas (order promising) é baseado exclusivamente em informação de ATP (Available-To-Promise), calculada a partir de planos de produção rígidos, não permitindo, dessa forma, a inclusão de novas encomendas com verificação de capacidades.

Em síntese, a tendência de orientação para o cliente dos sistemas de fabrico, e portanto a produção unitária, impõem grandes desafios nas empresas, conduzindo à adopção de várias práticas, sumariadas nos pontos seguintes (Wortmann et al., 1997) :

  •                      obrigatoriedade de fazer “bem” à primeira, tanto o projecto como o fabrico;

  •                      necessidade de intervenção e integração do cliente em todas as fases do ciclo de vida do produto;

  •                      recursos produtivos universais e flexíveis;

  •                      descentralização dos meios de produção;

  •                      cooperação intra-organização e interorganizações;

  •                      conceitos, estratégias e ferramentas para manipular a incerteza;

  •                      descentralização da “engenharia” e da gestão de informação;

  •                      reutilização sistemática da experiência, da informação e do conhecimento;

  •                      grau elevado de engenharia concorrente;

  •                      recurso intensivo a tecnologias e estratégias de prototipagem rápida;

  •                      colaboradores de elevada qualidade, criatividade e produtividade intelectual.

 

Tipologias dos sistemas de produção

A classificação dos processos produtivos em diferentes tipos permite, naturalmente, estruturar e inferir muitos aspectos relativos às suas características funcionais e comportamentais. Basicamente, a organização dos sistemas de produção depende da natureza e do volume de produtos que o sistema deve produzir (tipo de produto, características, sazonalidade do produto, etc.), assim como da tecnologia associada ao processo de fabrico (manuseamento do produto, grau de normalização possível, especificidades de materiais e processos, etc.).

A selecção de uma determinada configuração para o processo produtivo tem variadas implicações para a empresa, em termos da satisfação dos clientes, das características e capacidades da produção, do grau de investimento a realizar, dos custos de produção e exploração envolvidos, e do tipo de planeamento, controlo e gestão a adoptar.

Se o sistema é concebido para produzir um reduzido número de produtos em volumes muito elevados, então é de esperar uma forte sistematização das operações envolvidas, devendo ser dada especial atenção à sincronização das diferentes actividades, assim como ao nivelamento das cargas resultantes. Este contexto (cada vez menos frequente) será normalmente caracterizado por elevada especialização do equipamento produtivo, baixa qualificação dos operadores, elevada produtividade, reduzida complexidade ao nível da gestão fabril e, possivelmente, reduzida flexibilidade.

Se, pelo contrário, o sistema é concebido para responder a uma grande diversidade de produtos em volumes reduzidos, então verificar-se-á, relativamente à situação anterior, a inversão das características apresentadas, devendo o processo produtivo ser flexível e orientado para satisfazer encomendas com um elevado grau de especificação por parte do cliente.

Numa outra perspectiva, pode-se considerar dois modelos extremos de produção: produção contínua ou em fluxo, e produção discreta ou intermitente. Associados às especificidades dos produtos e dos mercados, e até do tipo de investimentos e de custos, considera-se habitualmente uma maior variedade de modelos intermédios, que graficamente estão esquematizados na figura 1.3.

 

Fig. 1.3  Diferentes modos de produção.

 Geralmente, à evolução da produção discreta para a produção contínua está associado um aumento da complexidade tecnológica do equipamento, com uma maior repetitividade das operações, um aumento do volume de produtos produzidos e uma diminuição significativa da sua variedade. A figura 1.3 evidencia igualmente a relação existente entre os volumes de produção e a “continuidade” do processo.

A taxonomia dos sistemas de produção pode, por exemplo, ser estabelecida em função dos seguintes critérios (Roldão, 1995) :

  •                      quantidades fabricadas e repetitividade;

  •                      grau de continuidade do processo;

  •                      implantação física do processo produtivo;

  •                      tipologia da estrutura dos produtos; 

  •                      relação com os clientes.

A classificação por quantidade e repetitividade considera no essencial três grandes tipos de produção: unitária, por lotes e em massa.

A classificação dos sistemas de produção segundo o grau de continuidade de processo origina basicamente três ambientes produtivos: produção contínua (flow shop), produção descontínua (job shop) e produção mista. A “produção contínua” (mais tradicional) está usualmente associada a elevados volumes de produção, com uma implantação física em linha, tornando linear o fluxo de produção. A “produção descontínua” caracteriza-se por processar volumes relativamente baixos de variados produtos, em implantações organizadas funcionalmente. O número de operações a realizar por tarefa, a sua afectação aos recursos produtivos e a sua sequência de processamento são variáveis, mas conhecidas antecipadamente. No ambiente de “produção mista” coexistem os dois modos de produção anteriormente descritos.

Do ponto de vista de implantação física (layout), considera-se em geral uma classificação que descreve no essencial a disposição e o agrupamento dos recursos produtivos. Podemos, nesta perspectiva, considerar basicamente três modelos organizacionais: modelo “funcional” ou “orientado por processo”, modelo “em linha” ou “orientado por produto” e modelo “de implantação celular”. Numa disposição funcional, os recursos que realizam o mesmo tipo de operações são agrupados fisicamente. A implantação em linha consiste em organizar consecutivamente todas as operações de produção relacionadas com um determinado produto. A implantação celular associada à tecnologia de grupo reúne os recursos em pequenos grupos, por forma a obter um compromisso entre uma implantação funcional e uma implantação em linha ou por produto.

Um outro aspecto importante tem a ver com as diferentes estruturas dos produtos, que naturalmente condicionam a especificidade dos sistemas de produção. Identifica-se geralmente duas estruturas principais:

  •                      estruturas convergentes, caracterizadas por incorporação de uma grande variedade de
               componentes numa reduzida gama de produtos finais;

  •                      estruturas divergentes, onde um reduzido número de matérias-primas origina uma grande variedade
               de produtos finais.

 Na classificação, consoante a relação com o cliente, e apesar de se encontrar modos de produção híbridos, é habitual considerar a seguinte tipologia:

  •                      engenharia por encomenda;

  •                      produção por encomenda;

  •                      montagem por encomenda;

  •                      produção para stock.

 Ao longo deste texto serão considerados, para a tipologia apresentada, os acrónimos derivados das designações anglo-saxónicas referidas vulgarmente na literatura da área. Assim, designaremos por ETO (Engineer-To-Order) as indústrias de engenharia por encomenda, por MTO (Make-To-Order) as indústrias de produção por encomenda, por ATO (Assembly-To-Order) as indústrias de montagem por encomenda e, finalmente, MTS (Make-To-Stock) as indústrias de produção para stock.

Note-se que diferentes tipos de relações com o cliente originam diferentes tempos de ciclo ou de resposta na entrega do produto encomendado. Por outro lado, verifica-se igualmente um posicionamento diferente do “ponto de desacoplamento” no sistema de produção. O “ponto de desacoplamento” representa conceptualmente, ao nível da produção, a charneira entre a produção para stock (a montante) e a produção por encomenda (a jusante). No caso da produção para stock, o processo de planeamento considera essencialmente informação previsional da procura. A partir do “ponto de desacoplamento” para jusante, o processo de planeamento é baseado essencialmente em encomendas firmes.

Por outro lado, quanto maior a interacção do processo produtivo com o cliente (por exemplo, no caso MTO), maior é o deslocamento para montante do “ponto de desacoplamento”. Quanto menor a interacção (por exemplo, no caso MTS), maior é o deslocamento para jusante.

O posicionamento deste ponto estratégico no sistema de produção permite, em primeira instância, definir o valor do tempo mínimo (lead-time) para a satisfação de um novo pedido de um cliente. Quanto mais se encontrar posicionado para jusante, mais rápida é a resposta ao cliente, mas, em contrapartida, maior é o risco de obsolescência dos produtos produzidos a partir de planos de produção baseados essencialmente em previsões. Existe, por isso, um compromisso no posicionamento deste ponto no sistema de produção, associado naturalmente a diferentes “atitudes” e organizações do processo produtivo.

A figura 1.4 ilustra a tendência de deslocamento do “ponto de desacoplamento” para montante, associada a uma maior interacção com o cliente.

 

  

Fig. 1.4  Posicionamento do ponto de desacoplamento no processo produtivo.

 

Níveis de planeamento

O planeamento da produção envolve decisões complexas, com objectivos múltiplos e, normalmente, contraditórios. Em última análise, o que se pretende é garantir que o fornecimento de produtos finais é feito nas quantidades adequadas, nas datas devidas, com a qualidade necessária e a um custo razoável. Naturalmente que, conforme a organização da empresa e o tipo de produtos e de mercado envolvidos, o processo de planeamento da produção resulta mais ou menos complexo.

A maioria dos sistemas de planeamento é estruturada em diferentes níveis hierárquicos, correspondendo igualmente a diferentes níveis de agregação, ao nível da informação envolvida. Na literatura das ciências económicas e da investigação operacional, podem, entre outras, ser identificadas duas abordagens fundamentais à modelação dos problemas de tomada de decisões no âmbito do planeamento da produção: abordagem monolítica e abordagem hierárquica (Bitran e Hax, 1977) .

A abordagem monolítica procura descrever completamente o problema da tomada de decisões num único modelo. São consideradas de forma detalhada todas as variáveis de decisão, assim como as suas relações. O modelo resultante é em geral de grandes dimensão e complexidade (tipicamente de Programação Inteira Mista).

A abordagem hierárquica decompõe o problema num certo número de níveis de decisão. As decisões de um determinado nível determinam o conjunto de soluções admissíveis (ou seja, constituem restrições) do nível imediatamente inferior.

A aproximação aos problemas de produção por um único modelo (abordagem monolítica) é, na prática, impossível, devido essencialmente à enorme complexidade que resulta de se ter de considerar objectivos múltiplos e vários níveis organizacionais. Além disso, a abordagem monolítica ao planeamento da produção dificilmente traduziria as características “intrinsecamente” hierárquicas da organização (Carravilla, 1996) .

Note-se que a decomposição hierárquica assume diferentes significados consoante o contexto considerado. Contudo, subjacente a esta abordagem está sempre a decomposição ou a partição do problema global em subproblemas que são resolvidos sequencial ou simultaneamente, de forma coordenada (Nagi, 1991) . As vantagens fundamentais das abordagens hierárquicas são a redução de complexidade e a agregação progressiva de informação dos níveis inferiores para os superiores. Em cada nível hierárquico, as decisões são tomadas com a finalidade de optimizar o modelo considerado nesse nível e tendo em conta as decisões tomadas nos níveis superiores. No nível mais elevado, trabalha-se com entidades muito agregadas, reduzindo-se dessa forma a dimensão do problema.

Existem na literatura inúmeros trabalhos no campo do planeamento hierárquico da produção. A investigação nesta área iniciou-se com os trabalhos publicados por Bitran, Meal e Hax (Hax e Meal, 1975) e, desde então, surgiram inúmeros artigos com aplicações práticas desta abordagem. Em Bukh (1994 ) é feita uma apresentação extensa da bibliografia sobre planeamento hierárquico da produção.

Ainda assim, parece ser interessante apresentar o quadro conceptual tradicionalmente referido na literatura que, apesar de bastante genérico, se tem revelado útil num grande número de situações práticas. Assim, de acordo com o enquadramento proposto, pode-se classificar as decisões relativas à produção em três níveis hierárquicos distintos: planeamento estratégico, planeamento táctico e planeamento operacional.

 

Planeamento estratégico

O “planeamento estratégico” tem por objectivo principal situar o sistema de produção no seu ambiente económico global. A partir de estimativas da evolução da procura e considerando um horizonte de planeamento de longo prazo, procura-se adaptar a capacidade global do sistema produtivo às tendências do mercado. Entre as decisões mais importantes a tomar neste nível incluem-se: a fixação dos objectivos a atingir; a implantação de novos sistemas de produção assim como dos meios de distribuição; o “redesenho” dos sistemas produtivos já existentes; o desenvolvimento de novos produtos; a adopção de novos sistemas de transporte e movimentação, etc. As decisões estratégicas são naturalmente de vital importância na definição competitiva da empresa pelo facto de serem estruturantes e de os seus efeitos se fazerem sentir a longo prazo.

 

Planeamento táctico

O “planeamento táctico” tem por objectivo gerir o sistema de produção num horizonte temporal de médio prazo. Procura-se, a este nível, afectar de forma eficaz os recursos disponíveis, a fim de satisfazer a procura e as necessidades tecnológicas. O horizonte de planeamento é dividido em diferentes períodos, com uma agregação significativa da informação disponível. Decisões típicas tomadas a este nível são, por exemplo, o recurso a horas extraordinárias e/ou a subcontratação, a alocação de capacidade agregada às famílias de produtos, a constituição de stocks sazonais para absorver variações da procura, ou a selecção de alternativas de transporte.

 

Planeamento operacional

Por último, o “planeamento operacional” tem por objectivo a programação das operações ao nível dos recursos elementares do sistema de produção. Após a desagregação da informação proveniente do nível superior, procura-se sequenciar (escalonar) e lançar as diferentes actividades atribuindo-lhes os recursos disponíveis. O horizonte temporal é curto (dependendo do tipo de sistema de produção e do tempo de produção envolvidos) e normalmente são consideradas, neste nível, decisões como o sequenciamento e a calendarização das operações, a definição do tamanho dos lotes e volumes de produção, e a gestão de stocks.

 

O problema da avaliação da capacidade

No novo ambiente competitivo com que as empresas se defrontam, é fundamental dispor de meios que permitam a obtenção de respostas fiáveis e em tempo útil, por exemplo, aquando do processo de negociação de datas e de quantidades pretendidas pelos clientes. Neste contexto, a problemática da avaliação da capacidade produtiva revela-se crítica na obtenção de resultados satisfatórios do ponto de vista da fiabilidade.

Todos os sistemas de produção têm naturalmente capacidades limitadas. No caso de modelos de negócios baseados em estruturas produtivas distribuídas, o problema da avaliação da capacidade é ainda mais complexo e crítico em virtude, fundamentalmente, da heterogeneidade de cada elemento produtivo (fábricas de diferentes características e modos de operação) e da necessária coordenação da logística externa entre as diferentes entidades.

O crescente interesse pelos métodos e abordagens associados à avaliação de capacidades decorre da inevitável interligação entre o processo de planeamento e o efeito do plano nos recursos envolvidos, normalmente escassos e caros.

Uma questão fundamental no desenvolvimento de metodologias de planeamento ou de avaliação de planos é sem dúvida o nível de detalhe aplicável, assim como a granularidade do plano e o horizonte temporal considerados. Independentemente da forma de organização do processo produtivo, na gestão de produção o plano director de produção (PDP) revela-se um elemento fundamental na coordenação entre o cálculo das necessidades de materiais e dos recursos fabris a curto e a médio prazo, e na articulação com a função comercial nos processos de negociação de novas encomendas. Se o PDP constitui uma referência para a função produção, disponibiliza igualmente a informação necessária ao processo de negociação e aceitação de pedidos (potenciais encomendas) provenientes dos clientes.

Idealmente, o PDP deveria ser a base para a negociação de encomendas, já que reflecte a resposta do sistema de produção à procura prevista (Higgins et al., 1996) . Tradicionalmente, a negociação de encomendas (quantidades e datas), apoiada pelos sistemas de informação de gestão, decorre segundo uma lógica de cálculo, rígida e com base no conceito de “Disponível-para-Venda” ou, usando a terminologia anglo-saxónica, quantidade ATP (acrónimo de Available-to-Promise). O conhecimento dos valores de ATP permite que o processo de negociação de quantidades e datas de entrega decorra dentro de limites temporais de disponibilidade impostos pelo próprio PDP. Isto é, a informação de ATP impõe a “folga” possível na possibilidade de aceitação de uma nova encomenda, sem provocar qualquer alteração do plano actual.

Da análise dos sistemas de informação actualmente disponíveis comercialmente constata-se que o processo de order promising necessita de ser complementado por um mecanismo expedito de avaliação real de capacidades, por forma a assegurar a eficácia do processo de aceitação e negociação de encomendas, quando não existe quantidade suficiente disponível para satisfazer, na data pretendida, a quantidade solicitada pelo cliente. Além disso, e como consequência da evolução das organizações para formas de cooperação cada vez mais complexas e dinâmicas, o processo de negociação/aceitação tem de suportar o carácter distribuído subjacente a estas novas formas de organização baseadas em redes de empresas.

 

Planeamento de capacidades

A figura 1.5 apresenta a segmentação hierárquica do planeamento da produção, usualmente referida nas metodologias de planeamento tipo MRP-II e de acordo com o apresentado anteriormente. Esta figura permite evidenciar simultaneamente a interacção existente entre o planeamento da produção propriamente dito e o planeamento de capacidades.

Por razões de sistematização, entende-se ser útil considerar um modelo genérico de planeamento da produção. Neste modelo conceptual identifica-se basicamente quatro entidades directamente intervenientes:

  •                      encomendas – conjunto de encomendas firmes e previsionais de produtos finais;

  •                      recursos – conjunto de todos os meios produtivos disponíveis;

  •                      metodologia de planeamento – define e implementa o método de afectação das tarefas aos
               recursos (plano);

  •                      modelo de capacidades – avalia o efeito do plano no conjunto dos recursos disponíveis.

 

Fig. 1.5  Interacção entre o planeamento de capacidades e o planeamento da produção (adaptado de Higgins et al., 1996) .

 

  

Fig. 1.6  Modelo conceptual para o planeamento da produção.

A figura 1.6 ilustra o modelo conceptual considerado, salientando a interligação entre as diferentes entidades. Este modelo conceptualiza a divisão de um processo de planeamento de produção segundo dois pontos de vista complementares:

  •                   a afectação de tarefas, decorrentes da existência de encomendas, a recursos;

  •                   a avaliação da exequibilidade dessa afectação, assim como o efeito resultante nos recursos envolvidos 

O fluxo bidireccional, ilustrado na figura 1.6, associado à interacção entre o algoritmo de planeamento e o modelo de capacidades, nem sempre é encontrado nos sistemas de planeamento. Assim, por exemplo, no caso do MRP-II, apesar de se tratar de uma metodologia de planeamento em anel fechado, não se verifica de forma autónoma e implícita uma interacção entre o modelo de capacidades e o algoritmo de planeamento. Na verdade, a realimentação é conseguida unicamente com a interacção do planeador, nomeadamente procedendo à mudança de quantidades e datas de início ou de conclusão associadas às encomendas.

As limitações identificadas nos sistemas tradicionais de planeamento, decorrentes de pressupostos cada vez menos válidos nos actuais contextos produtivos, têm conduzido nos últimos anos ao desenvolvimento de abundante investigação neste domínio (ver, por exemplo, Artiba e Elmaghraby, 1997 e Zweben e Fox, 1994). Igualmente significativo tem sido o aparecimento de técnicas de optimização baseadas em estratégias evolutivas e em algoritmos de pesquisa local, originando comercialmente diversos sistemas de planeamento “acoplados” de forma estreita aos sistemas tradicionais de planeamento. Estes novos sistemas, referidos muitas vezes por “optimizadores”, procuram “corrigir” ou “reparar” os planos de produção gerados pelas metodologias tradicionais, de acordo com algoritmos de optimização e modelos de dados específicos.

Ao nível dos modelos de capacidades, verifica-se que a investigação efectuada tem sido pontual e direccionada para áreas muito específicas. Esta realidade parece decorrer do facto de que os algoritmos e metodologias de planeamento podem ter uma grande abrangência, em oposição aos modelos de capacidade, que dependem fortemente das especificidades da unidade produtiva.

 

Definição de “capacidade”

Uma questão fundamental quando se fala de planeamento de capacidades é precisamente a definição a adoptar para o conceito de “capacidade”. Tradicionalmente, a definição de capacidade está associada à quantidade de saída que pode ser obtida num processo, num determinado período (APICS, 1995) , (Vollmann et al., 1997) . Uma segunda atitude, mais consentânea com a realidade, consistiria em definir a capacidade produtiva como a aptidão de um sistema para produzir uma determinada quantidade de produtos diferentes (mix de produtos) a uma determinada taxa de produção e num determinado período.

A definição tradicional de “capacidade” é adequada a ambientes produtivos repetitivos, com reduzida variabilidade de produtos e com tempos de produção reduzidos. Em casos de processos produtivos complexos, nomeadamente com situações constantes de fluxos reentrantes, simultaneidade de produtos diferentes e longos tempos de produção, a concepção clássica de “capacidade” revela-se claramente insuficiente, sendo mais adequado considerar a segunda das definições apresentadas (X-CITTIC, 1997) .

No âmbito do projecto MIMAC2 foi estudada pormenorizadamente a temática da capacidade produtiva, tendo sido identificados os factores que originam “perda” de capacidade, isto é, aqueles que fazem com que a capacidade real disponível seja inferior à capacidade teórica possível. Além disso, este projecto, envolvendo diversas empresas industriais, permitiu constatar que o método mais frequente para avaliação da capacidade produtiva se baseia na medida do tempo médio de ciclo (lead time) e na sua relação não linear com a taxa de produção. Ou seja, verificou-se na prática que a definição clássica de “capacidade” é, em certo sentido, desadequada e irrealista, constituindo a segunda “definição” apresentada o fundamento do método habitual considerado em processos produtivos de grande complexidade (como, por exemplo, o processo de fabrico de semicondutores).

A figura 1.7 ilustra a evolução, observada nos últimos anos, do conceito de capacidade de um recurso ou processo produtivo. A relação não linear entre o lead-time, ou nível de WIP, e a taxa de utilização dos equipamentos produtivos, ou taxa de produção, está dependente, em primeira instância, do mix de produtos em produção. Em termos práticos, é desejável garantir um determinado valor máximo para o lead-time. A imposição deste valor máximo define o nível máximo de utilização para os equipamentos, isto é, restringe a capacidade produtiva disponível. Desta forma, a maneira usual de garantir os tempos de ciclo desejados é precisamente através do controlo do nível de utilização (ou nível de produção) dos equipamentos.

 

Fig. 1.7  A nova “visão” de capacidade produtiva (fonte: X-CITTIC, 1997) .

Diferentes definições e perspectivas acerca do conceito de capacidade produtiva podem ser encontradas em Elmaghraby, 1991. Neste artigo, o autor analisa com profundidade o conceito de capacidade produtiva e identifica diversos tipos de capacidade (nominal, operacional, etc.), propondo abordagens diferenciadas em função de cada tipo. Ainda no mesmo artigo são identificadas e exploradas as principais causas de inexactidão, associadas à quantificação da capacidade, nomeadamente:

  • variabilidade, ao longo do tempo, do número de produtos que estão a ser produzidos ao mesmo                    tempo, isto é, a capacidade varia com o mix de produtos; além disso, os “estrangulamentos” não são              necessariamente os mesmos para todos os produtos;

  • tempos de preparação (set-up time);

  • variação da eficiência do processo, com o tipo de produto produzido;

  • utilização de subcontratação em partes do processo;

  • desperdícios e rejeitados;

  • questões sociológicas, culturais e económicas.

 

Requisitos para os modelos de capacidade

Na prática, o planeamento da produção num ambiente que seja distribuído quer geograficamente, quer em termos de controlo (por exemplo, em redes de empresas), impõe um conjunto de requisitos à avaliação da capacidade, geralmente não contemplados pelos sistemas tradicionais.

Por um lado, ao nível global e táctico, é necessário um mecanismo que assegure respostas fiáveis e atempadas aos pedidos dos clientes. Além disso, procura-se, a este nível, a optimização do fluxo produtivo e a coordenação das unidades envolvidas.

Por outro lado, e ao nível local, são necessários modelos de capacidades precisos e fiáveis, já que os compromissos com os clientes, estabelecidos ao nível global, se baseiam nos resultados destes modelos. Além disso, a interdependência entre os diferentes nós da rede de produção requer que os planos locais apresentem um grau de precisão elevado, sob pena de comprometerem as decisões, quer a montante, quer a jusante.

Um outro requisito, determinante no desenvolvimento destes modelos de capacidades, está associado à sua eficiência computacional. Deve-se naturalmente procurar um compromisso entre a qualidade das soluções e o tempo de execução dos algoritmos, que tenha em conta as exigências do processo de planeamento, em termos de tempo de resposta.

Outra característica não menos importante é a actualização dinâmica do próprio modelo. Isto é, o modelo deve ser dinâmico, no sentido de que os seus parâmetros possam ser modificados como consequência da ocorrência de alterações, quer dos recursos disponíveis (falhas de equipamento, etc.), quer das condições actuais de fabrico, nomeadamente mix de produtos, nível de WIP, dependência do lead-time e do WIP em relação ao grau de utilização do equipamento, etc.

 

 Novas exigências no processo de planeamento

Nas empresas industriais, ao nível da produção, uma consequência imediata do estabelecimento de modelos de negócio baseados em  estruturas produtivas em rede, fortemente distribuídas e integradas em cadeias logísticas complexas, é a alteração nos processos de planeamento, de um âmbito estritamente local e centralizado para um âmbito mais abrangente, no qual os aspectos de mediação e de coordenação assumem grande importância. Assim, numa perspectiva essencialmente de produção, as tecnologias de informação devem permitir aos decisores gerir dinamicamente as capacidades dos diferentes intervenientes, apoiando, por um lado, todo o processo de negociação e aceitação de encomendas e, por outro, o planeamento das unidades produtivas.

Existe, portanto, ao nível do planeamento, uma forte necessidade de dispor de soluções que, de forma eficiente, produzam planos realistas e estejam adaptadas às novas características do mercado e das estruturas produtivas. Particularmente importantes são os instrumentos que possibilitem, de forma eficiente e em tempo real, apoiar todo o processo de negociação e aceitação de encomendas. O planeamento e a avaliação da capacidade produtiva, à escala de toda a cadeia de fornecimento, revela-se igualmente um instrumento decisivo para o sucesso da “empresa virtual”  (conceito a ser caracterizado no capítulo seguinte).

Os mecanismos de negociação e, num âmbito mais restrito, o planeamento colaborativo em tempo real, a coordenação necessária entre entidades independentes e a disponibilização e a gestão de informação global, constituem, na nossa opinião, pilares fundamentais para as funcionalidades que os sistemas de informação de apoio às novas estruturas organizacionais, resultantes do estabelecimento de novos modelos de negócio, devem suportar. Igualmente importantes serão os aspectos de configuração e reconfiguração (da rede de empresas) e, em particular, a forma como serão conceptualizadas e modeladas, nos sistemas de informação, as entidades que compõem as organizações.

 
© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.