1.1
INTRODUÇÃO

 

O contrato como instrumento privilegiado do comércio internacional 

Tal como sucede no plano interno, é essencialmente através de contratos que se processam as trocas de bens e as prestações de serviços no mercado internacional. Todavia, não se regista unanimidade, tanto entre os autores como nas próprias fontes normativas, acerca do que sejam contratos “internacionais”. Tal sucede porque as noções que se adoptam são tributárias dos objectivos que se têm em vista em cada caso particular.
Para alguns efeitos, a noção que melhor serve os desígnios legislativos é a que assenta na diversidade de localização das partes. Assim, por exemplo, dir-se-á ser internacional o contrato que seja celebrado por agentes económicos estabelecidos (que tenham residência habitual, desenvolvam o seu comércio ou tenham estabelecimento) em países diferentes (cfr. o art. 1.º da Convenção das Nações Unidas sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias). Para outros efeitos, contrato internacional é aquele que apresenta ligações (quer através dos sujeitos que o celebram, quer da localização dos bens que dele constituem objecto, quer do local onde é celebrado ou executado) com mais do que um ordenamento jurídico, podendo, por isso, originar um conflito ou concorrência de leis. Noutros casos, ainda, identifica-se o contrato internacional pela natureza dos interesses que põe em causa: os interesses do comércio internacional. 

dificuldades na negociação e conclusão de contratos internacionais 


É bem sabido que, nos tempos actuais, nem sempre os contratos têm na sua origem um autêntico consenso mútuo, uma vez que este pressupõe uma esclarecida manifestação de vontade de cada um dos contraentes. O fenómeno manifesta-se sobretudo nos chamados “contratos de adesão”,  em que uma das partes se limita a dar o seu assentimento a um programa negocial previamente definido pela outra. Não raro, o aderente nem chega mesmo a aperceber-se de todas as implicações jurídicas e materiais do seu acto. Mas é, também, particularmente evidente nos contratos internacionais, posto que, em muitos deles, estão frente a frente agentes económicos com culturas bem diferenciadas, que se exprimem em línguas diferentes e que estão familiarizados com conceitos e sistemas jurídicos diversos.
São, na verdade, muitas as dificuldades que se suscitam na negociação e na celebração de contratos internacionais.
Desde logo o risco decorrente da diversidade linguística dos potenciais contraentes, poderoso obstáculo à verificação de um autêntico consenso. Mesmo quando este se encontre superado, de uma ou de outra forma – geralmente, através da utilização da moderna língua de negócios: a língua inglesa – outro se ergue de imediato: a diversidade conceptual e semântica, naturalmente associada à multiplicidade de culturas jurídicas.
Assim, por exemplo, vulgarizou-se a celebração, no decurso da fase negociatória tendente à conclusão de um contrato, de alguns tipos de acordos preliminares – como, entre outros, as letter of intent e os heads of agreement. Mas, nem sempre as partes estão verdadeiramente cientes, quer da natureza, quer do alcance de tais acordos preliminares. Sendo, aliás, bem certo que, da análise do conteúdo de dois documentos que identicamente comportem tal designação, muitas vezes resulta que cada um deles tem um sentido muito diverso do outro. Há, até, quem fale, a este respeito, de uma “nebulosa de novas figuras jurídicas ad hoc”. Muitas das quais apresentam natureza muito diversa da figura do “contrato-promessa” do direito português (arts. 410.º e segs. do Código Civil Português), que tantas dificuldades levanta aos juristas anglo-saxónicos, por via da diversidade da própria noção de contrato que lhes é familiar.
Do exposto decorre que serão sempre poucos os cuidados a pôr na celebração de um contrato internacional. Designadamente, deverá sempre procurar-se o conselho de juristas habilitados a prestar a assessoria exigida pelas suas negociação e redacção. Os quais, por sua vez, deverão fazer-se assistir, sempre que necessário, por juristas do país a cuja lei venha a ficar submetido o contrato.
Os problemas que acabamos de referir poderão ser atenuados  pelo emprego de modelos contratuais pré-elaborados aprovados por algumas instâncias internacionais representativas dos comerciantes. Atenuados, mas não inteiramente excluídos, posto que tais modelos contratuais não eliminam, como veremos, a necessidade de submissão do contrato a uma ordem jurídica concreta.
 

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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