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O PAPEL DAS TECNOLOGIAS E DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

É quase lugar comum dizer-se hoje que as estratégias de globalização só foram possíveis pela coetaneidade de dois factores determinantes: a evolução tecnológica, com particular relevância para as tecnologias de informação, e a evolução política, cujo marco mais visível é a Queda do Muro de Berlim, que com ela arrastou a generalidade dos regimes económicos de direcção central, abrindo em todo o mundo as portas à preponderância das teses de mercado, ainda por cima sem qualquer contraponto credível.
Deixando de lado a vertente política, aqui invocada apenas para evidenciar a queda das barreiras institucionais que seriam um obstáculo à formação do "plasma" característico da mundialização, designadamente no que toca ao acesso aos factores de produção tradicionalmente considerados "propriedade nacional", centremo-nos, agora no papel crucial da tecnologia.

  P. Krugman (1996) no seu livro Pop Internationalism, designação que ele deriva do que chama teorias da internacionalização "popularuchas" e que estão na base (não científica em seu entender) das grandes contestações à mundialização (a tradução francesa deste livro é mais incisiva quanto ao seu conteúdo e seus objectivos - La Mondialisation n'est pas Coupable) afirma que é o progresso tecnológico que está no coração do problema e não a competição entre países. Contudo, a sua defesa do papel da tecnologia vai muito no sentido da alteração das condições de produção e do aparecimento de rendimentos crescentes conduzindo a estruturas de concorrência imperfeita que obrigam a uma reformulação das teorias clássicas do comércio internacional, sem pôr em causa os méritos do comércio livre, embora impondo-lhe um novo enquadramento.

 

P. Krugman revela, no seu Pop Internationalism, que o conteúdo do livro nasceu de um discurso de John Sculley (ex-CEO da Coca Cola e da Apple) que defendia, com o acordo da generalidade dos presentes, incluindo Bill Clinton, que o mundo era palco de uma competição selvagem envolvendo Estados e empresas.
Krugman considerou essa posição como uma contrafacção da teoria do comércio mundial e escreveu o livro para tentar demonstrá-la.
Deixando de lado o papel dos Estados, parece, no entanto, inquestionável o enorme peso das empresas globais na actividade económica e no comércio mundiais. Assim, Greider refere que entre 1971 e 1991, o volume de negócios das 500 maiores multinacionais cresceu de 721 mil milhões de dólares para 5,2 biliões, com a particularidade de o emprego não ter aumentado. A esse volume de negócio correspondeu uma fatia crescente do comércio mundial: um terço de todas as exportações industriais, três quartos do comércio de produtos primários (commodities) e quatro quintos do comércio de tecnologias e serviços de gestão.
As evoluções mais recentes, com a sua onda de fusões, têm aumentado estas fatias, sendo grande parte deste comércio interior às próprias empresas (estimativas recentes já apontam para que este comércio intra-empresa atinja quase 50% do total). 

 

 

Sem prejuízo de reconhecer o mérito e a novidade dessa abordagem que será retomada aquando da apresentação das teorias do comércio internacional, entendemos ser de salientar o papel das tecnologias e dos sistemas de informação que já levaram ao que hoje é generalizadamente aceite como economia digital e cuja base é, sem dúvida, mundial.
As tecnologias de informação, mais do que mudarem os sistemas de produção, abriram novas perspectivas ao comércio e alteraram radicalmente a natureza rígida dos serviços, exactamente na altura em que eles já eram a parte maioritária dos PIB dos países desenvolvidos. Efectivamente, os serviços eram, na sua maioria, considerados bens não transaccionáveis, isto é, insusceptíveis de trocas comerciais e, por isso mesmo, algo só capturável localmente - um obstáculo claro à mundialização, que é baseada na grande mobilidade. O avanço das tecnologias e dos serviços de informação, essencialmente imateriais, veio dar ao sector não material da economia, no fundamental aos serviços, uma nova perspectiva e uma insuspeitada mobilidade que revolucionou em absoluto as perspectivas do comércio internacional, de que o comércio electrónico é apenas uma expressão de grande potencial futuro.
Don Tapscott (1995), no seu aclamado livro Digital Economy, para além de salientar que a nova economia é digital, evidenciava ainda o seu papel na desintermediação da economia (quanto comércio internacional não era em boa parte intermediação?) e, fundamentalmente, a sua lógica global.
E é exactamente no conteúdo da "globalização" implícito na economia digital que Tapscott comenta e critica P. Krugman a propósito de um seu artigo inserto no número de Julho de 1994 da Fortune. Aí, Krugman afirmava que a economia global era, nada mais nada menos, que o comércio de bens, serviços, capital, trabalho e informação. E acrescentava: 

"Já não há qualquer sentido "místico" na afirmação de que temos uma economia global. Vivemos num mundo que está quase tão integrado, se deixarmos de lado alguns critérios, quanto o estava no final do século XIX."

Tapscott permite-se discordar, defendendo que a "velha" situação é tão diferente da nova quanto o correio electrónico o é da malaposta. Afirma que, tal como caiu a bipolarização geopolítica, dando lugar a um meio mais dinâmico e mais volátil, também as barreiras económicas estão a cair. Assim, a produção pode ser feita numa perspectiva global, explorando as vantagens de custo de factores tais como a mão-de-obra e as matérias-primas. Além disso, com o saber como recurso imaterial chave, apenas há uma economia a nível mundial, mesmo que as unidades individuais operem num contexto local, regional ou nacional.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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