Na introdução deste subcapítulo já se enumeraram
algumas práticas que configuram manifestamente restrições ao comércio
internacional, sendo o seu argumentário centrado no fundamental na defesa dos
produtores locais contra práticas alegadamente anti-competitivas (e, como já
vimos, alguns situariam aqui as medidas “anti-dumping”,
enquanto outros as olham como barreiras ilegítimas ao comércio), ou mesmo na
defesa dos consumidores, como é o caso de medidas de higiene e segurança.
Sem qualquer preocupação de generalidade, iremos
descrever de forma sucinta as mais comuns intervenções dos Governos que
constituem, objectivamente, barreiras ao comércio
internacional,
independentemente do julgamento dos seus efeitos.
Subsídios à exportação
Tendo em mente que importação e exportação são duas
faces da mesma moeda, é fácil ver que a motivação para um subsídio à
exportação é do mesmo tipo que a de uma tarifa sobre as importações, pois
ambas as práticas diminuem o preço relativo do produto doméstico, aumentando
a sua competitividade. Só que enquanto a tarifa é vista como uma penalização
dos competidores externos, o subsídio à exportação “passa” por ser uma
medida mais “branda” e menos agressiva, uma vez que é muitas vezes
apresentada como uma política de promoção da competitividade, invocando-se
mesmo que repõe condições de partida equitativas para as empresas domésticas.
Muitos dos Programas de Incentivo recentemente desenvolvidos no âmbito dos
Quadros Comunitários de Apoio incorporam, directa ou indirectamente, medidas
deste tipo, designadamente nas chamadas acções de apoio à internacionalização.
Compras públicas
Constitui prática corrente,
por vezes até fundada em medidas legislativas, a aquisição por parte do
Estado de produtos de origem doméstica em desfavor de produtos estrangeiros,
mesmo mais baratos, situação facilitada pela natureza destas compras, em
muitos casos de grande volume e concretizadas através de concursos e não de
leilões em mercado aberto. É comum referir-se que nestes grandes contratos os
Governos protegem aqueles que são designados por “campeões nacionais”,
isto é, as empresas domésticas de maior dimensão e prestígio interno. No âmbito
da União Europeia, a Comissão tem procurado lutar contra estas práticas,
reclamando transparência nestes concursos públicos, mas há que reconhecer que
a própria opinião pública de cada país também reage negativamente se as
empresas domésticas forem preteridas, embora este sentimento se esteja a
atenuar. Aliás, no interior da União Europeia, a defesa de um Mercado
Único, sem qualquer discriminação entre produtos e serviços comunitários,
levou à proibição de uma campanha publicitária baseada na defesa do
preenchimento das prateleiras das áreas de distribuição por produtos
portugueses.
Normas de higiene e segurança
São regras estabelecidas a nível nacional ou
internacional, alegadamente para protecção dos consumidores, conduzindo, por
vezes a embargos de produtos. Os problemas com a “doença da vacas loucas”,
com “os frangos belgas com dioxinas”, muito recentemente, e com a recorrente
“peste suína africana” são exemplos bem conhecidos, sugerindo-se amiúde
que há exagero na difusão das notícias para proteger produtores concorrentes
e não necessariamente os consumidores. Sob esta epígrafe podemos considerar
ainda os designados problemas de “dumping
ambiental” e de “dumping social”.
O primeiro alega que alguns produtos são mais baratos porque não respeitam na
sua produção nos países de origem as normas de protecção ambiental que os
produtos concorrentes têm de respeitar – como que os obrigando a
“importar” poluição (o que nem sempre é verdade) –, reclamando por isso
medidas restritivas a importações desse tipo. O segundo alega que
alguns produtos são mais competitivos porque no local de produção não são
obrigados a respeitar normas de segurança dos trabalhadores nem de higiene e
salubridade, conseguindo assim preços mais baixos de uma maneira “desleal”.
Consideram que, de certo modo, há uma “importação” de “insegurança e
insalubridade”, pois para manterem a competitividade podem ser alegadamente
impelidos a criar as mesmas condições de trabalho. Para obstar a esta solução
reclamam a aplicação de restrições ao comércio de produtos fabricados
nessas condições. De certa forma, a própria reacção à utilização de trabalho
infantil pode cair aqui.
Normas técnicas
De algum modo, estas são uma
generalização das anteriores aos processos específicos de tecnologia e às
características dos produtos e serviços, sendo que a maioria dos exemplos
dados no ponto anterior também poderia caber aqui. Em boa verdade, as normas técnicas
constituem um entrave ao comércio se forem discricionária e deliberadamente
estabelecidas para proteger alguns produtos, sem que se reconheça
universalmente razões objectivas para a sua imposição. Um dos exemplos mais
gritantes foi o relativo a normas de definição das características dos
produtos de cutelaria em Espanha, designadamente de garfos, visando impedir a
concorrência triunfante da cutelaria portuguesa. De facto, não se conheciam
características somáticas particulares aos habitantes de Espanha, nem qualquer
ameaça específica à segurança de quem usava a cutelaria portuguesa, mas as
normas impediram durante algum tempo as nossas exportações. Isso foi alterado,
mas perderam-se oportunidades e deu-se tempo à reconfiguração da indústria
espanhola.
Protecção dos direitos de propriedade
A violação dos direitos
conferidos pelas patentes e pelas marcas
é uma das razões crescentemente invocadas para o estabelecimento de entraves
ao comércio. De facto, assiste-se a um progressivo aumento de “cópias
piratas”, isto é, que iludem a protecção das patentes, e de “contrafacções”,
ou seja, de produtos semelhantes a marcas registadas, quando não mesmo
assumindo-se como produtos dessas marcas. Esta preocupação é tanto mais
relevante quanto é certo que a economia se desmaterializa progresivamente, com
os serviços a tornarem-se a actividade dominante e a fonte de criação da
riqueza a concentrar-se na inovação, no saber e na capacidade de atracção da
atenção dos consumidores. Este conjunto de activos intangíveis exige direitos
de propriedade muito bem definidos e protegidos, de modo a que se possa de facto
remunerar quem cria a riqueza, bem como incentivar essa criação. As
dificuldades surgem porque, por um lado, os sistemas legais de direitos de
propriedade não são iguais, permitindo-se uma exploração dessa diferença em
detrimento dos criadores. Por outro lado, nem mesmo os sistemas existentes são
implantados, havendo um grande laxismo na sua aplicação até pelas vantagens
que decorrem para as empresas dos países que permitem ou, pelo menos, não
reprimem convenientemente essas práticas ilegítimas. Em consequência,
reclama-se o impedimento da circulação de produtos que violem os direitos de
propriedade.
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