4.5
ARGUMENTOS PROTECCIONISTAS 
E
POLÍTICA COMERCIAL

O conjunto de entraves descritos nos pontos anteriores são, pois, instrumentos potenciais de política comercial, cuja base de argumentação assenta na legitimidade da protecção, tendo em conta os efeitos alegadamente produzidos na ausência dessa protecção, sem prejuízo de outros lhes virem acrescentados.

A avaliação da “bondade” desses efeitos impõe-se, então, a partir de dois “crivos” sequenciais

  • o primeiro para julgar a legitimidade dos argumentos para a protecção (e, portanto dos instrumentos de política comercial);

  • o segundo, a aplicar aos que passem o primeiro “crivo”, para ajuizar a eficiência das medidas proteccionistas (e, portanto, da política comercial).

No que diz respeito ao primeiro “crivo”, por exemplo, Husted e Melvin fazem a seguinte avaliação dos argumentos usados para justificar medidas proteccionistas:

Os argumentos proteccionistas para Husted e Melvin.

Deixamos ao leitor uma investigação mais aprofundada das razões destes autores, não sem chamar a atenção para algumas contradições potenciais sugeridas pela comparação entre os argumentos retidos no primeiro crivo e os que por ele passaram e para a posição que consideramos de algum modo preconceituosa relativamente à avaliação da eficiência das medidas de política comercial.
No que toca às primeiras, como é possível rejeitar de ânimo leve o chamado“dumping ecológico” e aceitar a defesa do ambiente? Não se trata de não reconhecer que o “dumping ecológico” é, por vezes, abusivamente usado para justificar uma protecção doméstica, mas tão somente que, do ponto de vista conceptual, pode mesmo haver esse dumping e ser uma ameaça à preservação do ambiente. Continuamos a achar pertinente o que já escevemos há anos (J. Amado da Silva, 1991):

“(…) se todas as empresas de um país, até pela força da legislação (forem) obrigadas a incorrer nestes custos (os de abate da poluição), perderão capacidade competitiva face às empresas dos países que o não imponham, correndo-se o risco (…) de os produtos das empresas poluidoras deslocarem os das mais “limpas”, num perigoso sucedâneo da lei de Gresham, que não pode deixar de ser evidenciado, já que revela a legitimidade de, pelo menos, nos perguntarmos se não será de opor obstáculos ao comércio livre de produtos nestas condições. É que, no fundo, corre-se o risco de a “má” capacidade deslocar a “boa” capacidade.”

Por outro lado, que sentido faz rejeitar o argumento do emprego e preocupar-nos com a distribuição do rendimento? Quando é que se entende que “produtor” e “consumidor” não são duas “pessoas” diferentes, mas apenas duas “funções” diferentes da mesma pessoa, que não poderá duravelmente exercer a segunda função se não exercer a primeira, a menos que admitamos que seja permanentemente alvo de transferências? Aliás, os próprios autores reconhecem este aspecto redistributivo da protecção quando afirmam que é mais provável que a protecção sirva para redistribuir emprego que para o criar. Mesmo que admitamos que possam estar certos, é isso mau do ponto de vista social (uma vez que admitem a legitimidade da protecção por outros fins que não os estritamente económicos)? E, como o exige o critério científico, tem-se em atenção o que acontece ao emprego se não houver protecção? Será que não se perde? Em desfavor de quem?
E é nestas relativas incongruências metodológicas que radica a nossa convicção de algum preconceito face à protecção, pois afirmam, sem o demonstrar cabalmente, que ela nunca é a política mais eficiente. É que por detrás está a ideia de eficiência decorrente da concorrência perfeita e do equilíbrio geral, cujos critérios não podem ser invocados cegamente neste contexto.
Defendendo os méritos do comércio livre como paradigma pelo qual se devem aferir os efeitos da política comercial, Krugman e Obstfeld, que reconhecem que, na prática, esta política é dominada por considerações ligadas à distribuição de rendimento, fazem uma extensa apreciação destas medidas de política, evidenciando os diferentes efeitos sobre variados grupos de pessoas e tipos de países. Aconselha-se vivamente o leitor mais interessado nesta discussão à leitura dos capítulos 9, 10 e 11. Não que partilhemos todos os pontos de vista expressos, mas pela metodologia de investigação que lhe está subjacente e que terá levado Krugman, muito recentemente (1999), perante o que designa por “Economia de Depressão”, a defender que:

“um dos obstáculos a uma acção sensível é o preconceito – que eu designo como a adesão de pessoas demasiado influentes a visões ortodoxas acerca da política económica que já não são relevantes para o nosso mundo mudado.”

E, antes disso, já fora muito claro sobre o que a mudança vem ensinando:

“Não gosto da ideia de que os países terão necessidade de interferir nos mercados – que terão de limitar o mercado livre com o fim de o salvar. Mas é difícil ver como é que alguém que tenha estado atento ao que vem acontecendo possa ainda insistir que nada necessita ser feito, que os mercados financeiros sempre premiarão a virtude e punirão o vício.”

Mas se é asssim para os mercados financeiros e estes estão profundamente imbricados nos mercados dos produtos, não é de admitir, pelo menos em princípio, que também estes últimos necessitem de alguma intervenção, no mínimo indirectamente decorrente das ligações àqueles?
Por outro lado, se se contesta menos a defesa dos direitos de propriedade, com base numa visão normativa de barreiras à entrada  no mercado do produto proposta por C. von Weizsäcker (1980), segundo a qual não se considera a existência de barreiras como obstáculo à competição se daí advier aumento de bem-estar social, porque não admitir também a hipótese de alguns obstáculos no mercado geográfico terem igual tratamento, se se reconhece que alguns instrumentos melhoram esse bem-estar?
Finalmente, há que ajuizar a política comercial no seu completo enquadramento, porque ela não pode ser desligada das outras políticas: como referem P. Buigues et al. (1995), todas as autoridades públicas devem estar preocupadas com a coerência das suas políticas, sendo ela particularmente preocupante, no âmbito da União Europeia, na busca da conciliação entre as políticas comercial, industrial e de concorrência. Em particular, defendem que há diferentes graus de clarificação nos objectivos e nos instrumentos destas três políticas. A de concorrência é clara e consistente, a industrial não é clara e é fragmentada e a comercial, além de não ser clara, é parcialmente inconsistente. Em sua opinião, isto poderia ser mitigado se houvesse uma só entidade encarregada de reconciliar os objectivos destas três políticas.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.