Deixamos ao leitor uma investigação mais aprofundada
das razões destes autores, não sem chamar a atenção para algumas contradições
potenciais sugeridas pela comparação entre os argumentos retidos no primeiro
crivo e os que por ele passaram e para a posição que consideramos de algum
modo preconceituosa relativamente à avaliação da eficiência das medidas de
política comercial.
No que toca às primeiras, como é possível rejeitar de
ânimo leve o chamado“dumping
ecológico” e aceitar a defesa do ambiente? Não se trata de não
reconhecer que o “dumping ecológico”
é, por vezes, abusivamente usado para justificar uma protecção doméstica,
mas tão somente que, do ponto de vista conceptual, pode mesmo haver esse dumping
e ser uma ameaça à preservação do ambiente. Continuamos a achar pertinente o
que já escevemos há anos (J. Amado da Silva, 1991):
“(…)
se
todas as empresas de um país, até pela força da legislação (forem)
obrigadas a incorrer nestes custos (os de abate da poluição), perderão
capacidade competitiva face às empresas dos países que o não imponham,
correndo-se o risco (…) de os
produtos das empresas poluidoras deslocarem os das mais “limpas”, num
perigoso sucedâneo da lei de Gresham, que não pode deixar de ser evidenciado,
já que revela a legitimidade de, pelo menos, nos perguntarmos se não será de
opor obstáculos ao comércio livre de produtos nestas condições. É que, no
fundo, corre-se o risco de a “má” capacidade deslocar a “boa”
capacidade.”
Por outro lado, que sentido faz rejeitar o argumento do
emprego e preocupar-nos com a distribuição do rendimento? Quando é que se
entende que “produtor” e “consumidor” não são duas “pessoas”
diferentes, mas apenas duas “funções” diferentes da mesma pessoa, que não
poderá duravelmente exercer a segunda função se não exercer a primeira, a
menos que admitamos que seja permanentemente alvo de transferências? Aliás, os
próprios autores reconhecem este aspecto redistributivo da protecção quando
afirmam que é mais provável que a protecção sirva para redistribuir emprego
que para o criar. Mesmo que admitamos que possam estar certos, é isso mau do
ponto de vista social (uma vez que admitem a legitimidade da protecção por
outros fins que não os estritamente económicos)? E, como o exige o critério
científico, tem-se em atenção o que acontece ao emprego se não houver protecção?
Será que não se perde? Em desfavor de quem?
E é nestas relativas incongruências metodológicas que
radica a nossa convicção de algum preconceito face à protecção, pois
afirmam, sem o demonstrar cabalmente, que ela nunca é a política mais
eficiente. É que por detrás está a ideia de eficiência decorrente da concorrência
perfeita e do equilíbrio geral, cujos critérios não podem ser invocados
cegamente neste contexto.
Defendendo os méritos do comércio livre como paradigma
pelo qual se devem aferir os efeitos da política comercial, Krugman e Obstfeld,
que reconhecem que, na prática, esta política é dominada por considerações
ligadas à distribuição de rendimento, fazem uma extensa apreciação destas
medidas de política, evidenciando os diferentes efeitos sobre variados grupos
de pessoas e tipos de países. Aconselha-se vivamente o leitor mais interessado
nesta discussão à leitura dos capítulos 9, 10 e 11. Não que partilhemos
todos os pontos de vista expressos, mas pela metodologia de investigação que
lhe está subjacente e que terá levado Krugman, muito recentemente (1999),
perante o que designa por “Economia de Depressão”, a defender que:
“um dos obstáculos
a uma acção sensível é o preconceito – que eu designo como a adesão de
pessoas demasiado influentes a visões ortodoxas acerca da política económica
que já não são relevantes para o nosso mundo mudado.”
E, antes disso, já fora muito claro sobre o que a mudança
vem ensinando:
“Não gosto da
ideia de que os países terão necessidade de interferir nos mercados – que
terão de limitar o mercado livre com o fim de o salvar. Mas é difícil ver
como é que alguém que tenha estado atento ao que vem acontecendo possa ainda
insistir que nada necessita ser feito, que os mercados financeiros sempre
premiarão a virtude e punirão o vício.”
Mas se é asssim para os mercados financeiros e estes
estão profundamente imbricados nos mercados dos produtos, não é de admitir,
pelo menos em princípio, que também estes últimos necessitem de alguma
intervenção, no mínimo indirectamente decorrente das ligações àqueles?
Por outro lado, se se contesta menos a defesa dos
direitos de propriedade, com base numa visão normativa de barreiras
à entrada no
mercado do produto proposta por C. von Weizsäcker (1980), segundo a qual não
se considera a existência de barreiras como obstáculo à competição se daí
advier aumento de bem-estar social, porque não admitir também a hipótese de
alguns obstáculos no mercado geográfico terem igual tratamento, se se
reconhece que alguns instrumentos melhoram esse bem-estar?
Finalmente, há
que ajuizar a política
comercial no seu completo enquadramento, porque ela não pode ser desligada das
outras políticas: como referem P. Buigues et al. (1995), todas as autoridades públicas devem estar preocupadas com a
coerência das suas políticas, sendo ela particularmente preocupante, no âmbito
da União Europeia, na busca da conciliação entre as políticas comercial,
industrial e de concorrência. Em particular, defendem que há diferentes graus
de clarificação nos objectivos e nos instrumentos destas três políticas. A
de concorrência é clara e consistente, a industrial não é clara e é
fragmentada e a comercial, além de não ser clara, é parcialmente
inconsistente. Em sua opinião, isto poderia ser mitigado se houvesse uma só
entidade encarregada de reconciliar os objectivos destas três políticas.
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