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BALANÇA DE PAGAMENTOS

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Em termos gerais, a Balança de Pagamentos de um país regista todas as suas transacções económicas e financeiras com o Resto do Mundo através de um sistema típico de entradas e saídas de fluxos, correspondendo o sinal “+” a uma entrada de fluxo financeiro e o sinal “–” a uma saída de fluxo financeiro. Assim, por exemplo, a uma exportação é atribuído um sinal positivo, enquanto a uma importação é atribuído um sinal negativo. Como é natural, quando as exportações não cobrem as importações, somos confrontados com um défice, correspondendo a um sinal negativo do saldo entre exportações e importações.
Dada a natureza da Balança de Pagamentos, e contrariamente à linguagem corrente, ela nunca apresenta qualquer défice  nem qualquer excedente já que as entradas são sempre compensadas por saídas em termos financeiros.
Como a Balança de Pagamentos regista os fluxos relativos a um dado período (um ano, por exemplo, embora a aceleração do ritmo negocial internacional tenha vindo a suscitar a necessidade de contabilizações no mínimo trimestrais), o que ela revela é a alteração da posição do país face ao Resto do Mundo, tendo em atenção as modificações que as trocas do período a que se refere impuseram à situação consolidada existente no início desse período. Assim, o saldo geral de operações registado no período em análise é compensado com uma rubrica que assume o valor simétrico desse saldo, designada por variação das reservas oficiais líquidas que traduz, efectivamente, a alteração da posição acumulada do país relativamente ao “exterior”.

É óbvio que esta “identidade” de fluxos que entram e que saem no conjunto da Balança de Pagamentos esconde potenciais desequilíbrios entre algumas rubricas que é mister descodificar. É, exactamente, essa preocupação de descodificação que conduz à classificação de outras Balanças que são, no fundo, seus subconjuntos. É o caso  da Balança de Transacções Correntes  e, dentro dela, da Balança de Bens e Serviços que já discutimos no Capítulo 1 a propósito das definições do PIB e do PNB.
Ora o “subconjunto complementar” da Balança de Transacções Correntes relativamente à Balança de Pagamentos é exactamente constituído pelas operações que descrevem as relações financeiras e monetárias com o Resto do Mundo. A maioria delas é agrupada sob a designação de Balança de Capitais não Oficiais e incorpora, nomeadamente, os Investimentos Directos e os Investimentos de Carteira de e no Estrangeiro, os Créditos Externos (recebidos e concedidos), bem como outras operações genéricas, com particular significado para os Depósitos.
Para além destas rubricas, incorpora ainda as variações da posição externa dos Bancos, que têm a ver com desfasamentos temporais na liquidação de operações de mercadorias e discrepâncias ao nível dos sistemas de recolha estatística, discrepâncias essas também assinaladas para outras operações. A soma algébrica dos saldos das Balanças de Transacções Correntes e de Capitais não Oficiais, corrigida pelas operações em fase de classificação, representa o saldo global de todos os fluxos (incluindo correcções estatísticas) trocados com o Resto do Mundo, que é exactamente o simétrico das variações das reservas oficiais líquidas que asseguram o equilíbrio da Balança de Pagamentos
É claro que, no fundo, essa variação de reservas é aquilo a que a linguagem comum designa por défice da Balança de Pagamentos (se positiva) ou excedente (se negativa). Um “défice da Balança de Pagamentos” neste sentido vulgar pode ser indiciador de uma crise, nomeadamente se for crónico ou de valor apreciável, já que, como bem referem Krugman e Obstfeld, isso revela que o país está a drenar os seus activos de reserva ou a incorrer em débitos significativos perante autoridades monetárias estrangeiras.
Obviamente que há que ter cuidado com estas interpretações, já que os défices devem ser lidos tendo em atenção a dimensão da economia do país e, consequentemente, a sua capacidade de pagamento das dívidas contraídas. É que ter débitos (não “vencidos” entenda-se) significa ter crédito, isto é, capacidade de endividamento que resulta da confiança do emprestador na economia do devedor, podendo (e devendo) esses empréstimos ser utilizados para criar investimentos rendáveis capazes de gerar fundos mais que suficientes para satisfazer o serviço da dívida contraída. Veja-se como os EUA são o maior devedor mundial e continuam a não ter qualquer dificuldade (antes pelo contrário) em conseguir atrair fluxos de capital do Resto do Mundo.

Segundo o “Relatório do Banco de Portugal 1997”, a estimativa da Balança de Pagamentos para 1997 é, em termos de saldos, a seguinte (em milhões de contos):

 

Globalmente, verificou-se uma diminuição líquida de disponibilidades de Portugal face ao Resto do Mundo de 69 milhões de contos, já que a variação das reservas é simétrica do conjunto de todos os saldos que, assim, foi negativo. É de registar o valor positivo da Balança de Capitais não Oficiais que quase compensa o crónico défice da Balança de Transacções Correntes . Saliência ainda para o facto de neste ano de 1997 ter havido um grande equilíbrio entre o investimento directo português líquido no Resto do Mundo e o investimento directo estrangeiro líquido em Portugal.
 


De qualquer modo, persiste sempre o incómodo e o perigo dos défices que são, afinal, a principal razão para o desenho de teorias que procuram justificar e alterar as evoluções negativas da Balança de Pagamentos de um país.
O leitor mais interessado poderá encontrar em Husted e Melvin um adequado desenvolvimento destas teorias, designadamente:

  • da abordagem com base na elasticidade da procura externa relativamente aos preços dos bens domésticos (e também da elasticidade da procura interna relativamente ao preço dos bens estrangeiros);

  • da abordagem da capacidade de absorção da economia;

  • e, mais recentemente, da abordagem monetária da Balança de Pagamentos.

 Sinteticamente, há que salientar que as duas primeiras abordagens, que têm algo de complementar, estão dirigidas fundamentalmente à Balança de Bens e Serviços (em boa verdade, ainda mais especificamente à Balança de Mercadorias, dada a natureza dos serviços e a época em que essas abordagens foram desenvolvidas), enquanto a última se centra verdadeiramente no conjunto de toda a Balança de Pagamentos , pois, ao contrário das outras duas, põe forte ênfase nos seus aspectos monetários.
As duas primeiras, contudo, em particular a primeira, não estão desligadas dos aspectos monetários, já que a taxa de câmbio , que vamos tratar no ponto seguinte, é conceito central do desenvolvimento dessas abordagens.

Assim, a primeira abordagem, tendo em atenção a possibilidade de alterar os preços relativos dos bens e serviços domésticos através da alteração da taxa de câmbio , propõe a melhoria da situação de uma Balança em crise, através da desvalorização da moeda que torna os seus produtos mais baratos e, portanto, mais “competitivos” no mercado mundial. É óbvio que o “remédio” apresentado está longe de ser garantia de “cura” certa, já que a evolução das receitas adicionais esperadas por essa decisão de desvalorização dependem muito das elasticidades já referidas, não sendo por acaso que a evidência empírica em relação aos efeitos das desvalorizações não mostra qualquer padrão consistente. Do que não parece haver dúvidas é que os efeitos imediatos sobre a Balança podem ser muito significativos se o volume de contratos prévio à desvalorização for elevado. É que esses contratos foram feitos com base no valor da moeda previamente à desvalorização e, quando se concretizarem os pagamentos, as variações supervenientes vão depender decisivamente da moedas em que os contratos foram assinados, podendo, portanto, repercutir-se positiva ou negativamente sobre a Balança. Estes efeitos são frequentemente esquecidos, porque o que se espera da desvalorização são os efeitos positivos após os ajustamentos dos preços domésticos e dos estrangeiros à desvalorização. Só que são exactamente estes efeitos que dependem crucialmente das elasticidades já referidas. Este conjunto de efeitos esperados da desvalorização é conhecido pelo efeito da curva em J, que descreve a evolução esperada ao longo do tempo, evidenciando inicialmente  um decréscimo na Balança, devido à inflexibilidade das elasticidades no curto prazo, e uma melhoria sensível posteriormente, com as adaptações à desvalorização concretizadas.

Como já referimos, a segunda abordagem é de algum modo complementar da primeira. Efectivamente, admitamos que se confirmam as expectativas positivas geradas por uma desvalorização . Isso significará um aumento de exportações e uma diminuição de importações, com o consequente estímulo ao aumento da produção doméstica de bens e serviços. Mas estará o aparelho produtivo doméstico em condições de responder a este desafio?
É esta a questão central da abordagem da absorção, teoria acerca da Balança de Bens e Serviços que põe ênfase no modo como o consumo de bens domésticos varia relativamente à sua produção. Assim, designando por absorção o total da despesa doméstica (soma dos consumos público e privado com o investimento), a única maneira de se responder positivamente ao desafio enunciado é que a absorção seja inferior ao produto gerado internamente, evidenciando, de facto, um excedente da Balança. Portanto, a concretização deste efeito vai depender da situação da economia no momento da desvalorização : se estiver numa situação próxima do pleno emprego dos seus recursos, só se conseguirá um excedente com a diminuição da absorção, ao contrário do que sucederia se houvesse recursos por empregar que poderiam ser usados (se adequados, uma condição esquecida nos estudos macroeconómicos que olham para os produtos e para os factores como homogéneos, “aptos para todo o serviço”) para responder ao estímulo.

É óbvio, de novo, que esta abordagem ignora em absoluto o papel dos fluxos de capital (que alteram a dotação doméstica de recursos), ao contrário do que sucede com a terceira abordagem – a monetária – ao problema da Balança.
Esta olha para o conjunto da Balança de Pagamentos , analisando-a, bem como às taxas de câmbio, em termos de procura e de oferta de moeda, apontando mecanismos de ajustamento diferenciados, consoante as condições prevalecentes no domínio das taxas de câmbio:

  • se as taxas de câmbio estão fixas, a oferta de moeda ajusta-se à sua procura através de movimentos internacionais das reservas dos países;

  • se as taxas de câmbio são flutuantes, é o próprio mecanismo intrínseco do mercado monetário que conduz ao ajustamento, através de mudanças nas taxas de câmbio;

  • se se optar por uma flutuação controlada, isto é uma situação em que há taxas de câmbio flutuantes, mas os bancos centrais intervêm para manter as taxas de câmbio em níveis desejados, o ajustamento é feito à custa de movimentos quer de capitais internacionais, quer de variações de taxas de câmbio.

Como é evidente, esta é uma abordagem rigorosamente monetarista, que defende que os desequilíbrios da Balança de Pagamentos são no fundamental um fenómeno monetário, daí decorrendo propostas de políticas de correcção radicalmente fundadas em movimentos ou em decisões do exclusivo foro monetário, como aliás é bem visível na descrição dos mecanismos de ajustamento. Há, pois, uma completa ausência do papel das trocas de bens e serviços (“a economia real” por oposição à “economia monetária”) nestes mecanismos de ajustamento, ausência essa que decorre da hipótese fundamental desta abordagem: a de uma procura estabilizada de moeda. Isto é, admite-se que a relação entre a procura de moeda, o rendimento e os preços não mudam significativamente ao longo do tempo.
Como facilmente se entende, esta hipótese é fortíssima e a sua confrontação com a realidade impõe-nos que não nos fixemos só nesta abordagem para resolver crises da Balança de Pagamentos . No fundo, se as duas primeiras abordagens alienavam os problemas monetários e financeiros, esta última aliena os “reais”, sendo importante integrar elementos de todas estas abordagens na tentativa de resolução de qualquer crise da Balança de Pagamentos.

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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