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As TAXAS DE CÂMBIO

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Como vimos no ponto precedente, o conceito de taxa de câmbio é inseparável do problema da Balança de Pagamentos e, com maior generalidade, de tudo o que se refira a trocas internacionais.

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Taxa de câmbio é o preço de uma moeda em termos de uma outra.

Se a definição é clara, as trocas efectivas das moedas estão longe de o ser, levantando-se uma série de complicados problemas que não é possível abarcar num manual com o alcance deste. Importa, pois, atacar os fundamentos desses problemas, deixando pistas abertas para futura investigação do leitor interessado.

Em primeiro lugar, entendemos ser imperioso encontrar as origens desses problemas. Essas origens são de duas naturezas: a moeda e a troca de duas moedas.
A moeda, se concebida como mero processo de medida e de mediação da troca entre bens, não constitui qualquer espécie de problema pois não teria valor intrínseco, designadamente dentro de um país que definiu essa "medida". Na mediação da troca internacional surgiria o problema do "reconhecimento" dessa medida e da busca da "taxa de conversão" de uma medida na outra, tal como se converte a jarda em metros. A conversão não seria obviamente tão simples (e aqui teríamos o primeiro problema, porque em jogo estão medições de valor claramente menos objectivas que as de uma distância física), mas não se estaria a discutir o valor intrínseco de cada uma das moedas, pois ele seria nulo.
Ora é bem sabido que uma moeda nacional é hoje muito mais do que isso. É um activo e como tal deve ser tratado. É também uma garantia de liquidez com funções económicas e financeiras.
Tudo isto significa que a moeda vale por si e que quando estamos a falar de taxa de câmbio estamos a tratar de uma troca entre dois valores, isto é, de uma operação de compra/venda, que, naturalmente, se compagina com a existência de um mercado específico: o mercado das taxas de câmbio ou mercado de divisas.
A discussão do valor intrínseco da moeda é matéria específica de conhecimento que não tem cabimento num manual de Economia Internacional. Em contrapartida, os problemas inerentes à troca internacional e os que resultam dessa troca sobre o valor de cada uma das moedas domésticas, isto é, os problemas da taxa de câmbio, são o nosso objecto de avaliação.
Entendemos, em linha com o assumido por Krugman e Obstfeld, que o facto de uma taxa de câmbio (enquanto relação entre moedas que são valores) ser também o preço de um activo, os princípios económicos e financeiros que regem o mercado dos preços dos outros activos devem também reger o comportamento das taxas de câmbio.
Neste sentido, como activo que é, o valor da taxa de câmbio assume-se como uma forma de riqueza, isto é, um stock de valor que é um modo de transferir o poder de compra do presente para o futuro. Isto significa que o preço de um activo no momento presente está directamente ligado à expectativa que os compradores têm sobre a capacidade de aquisição de bens e serviços que esse activo proporcionará no futuro. Então, neste momento, como em cada momento, a taxa de câmbio, por exemplo, do Euro em relação ao dólar dos EUA está estritamente ligada às expectativas das pessoas sobre o seu valor futuro.

Partindo desta concepção, importa agora conhecer alguns dos aspectos mais representativos do mercado de divisas ou de câmbios.
Desde logo se nos apresentam duas situações relevantes: 

  • a diferente valorização da taxa de câmbio entre quem compra e quem vende uma mesma moeda "pagando" com outra;

  • a valorização diferenciada da taxa em consequência de diferente calendarização das transacções de moeda.

O primeiro caso está bem ilustrado na aplicação aqui desenvolvida a partir das taxas de câmbio relativas ao escudo, obrigando à definição dessa diferença de cotação entre a venda e a compra de cada moeda que se designa por spread. Esta diferença, mais que o pagamento por um custo de transacção, depende do risco que os mediadores financeiros atribuem à estabilidade da moeda transaccionada. Este risco depende, por sua vez, das condições económicas esperadas para o país que emite a moeda, do montante e diversificação das transacções em moeda da entidade mediadora e fundamentalmente do volume e do número de transacções relativas a essa moeda. Quanto menor o volume de transacções, maior o risco e, portanto, maior o spread.
É claro que o risco está associado às possibilidades de alteração da taxa de câmbio, em particular de
depreciação, isto é, de perda de valor da moeda relativamente a outras, em regime de câmbios flutuantes.
 

As cotações de compra e venda diversas moedas (não se incluem as dos países do Euro porque trata-se de uma taxa de conversão fixa) em 15\07\99 eram as seguintes:

Embora se trate do câmbio relativo a notas, onde os spreads são naturalmente mais elevados, é manifesta a diferença entre os diversos países, em resultado não só dos volumes de transacções subjacentes a cada moeda, mas sobretudo devido ao risco que a elas está associado, sendo este em boa parte determinado pelas expectativas das suas evoluções macroeconómicas.
 


Saber por que razão se aprecia ou se deprecia uma moeda é então curial para estimar o risco de câmbio de uma moeda e isso prende-se, naturalmente, com o funcionamento do mercado de câmbios.
Centremo-nos então neste mercado que vai determinar as taxas de câmbio. Os principais participantes nesse mercado são:

  • os bancos comerciais;

  • as instituições financeiras não bancárias;

  • as empresas;

  • os bancos centrais.

É claro que também pessoas individuais, normalmente no seu papel de turistas, actuam neste mercado, mas com montantes que são relativamente insignificantes face ao volume de transacções dos outros actores no mercado. Além disso, utilizam ainda notas e moedas nas suas transacções, em nítido contraste com os outros participantes cujas transacções nesse mercado se processam por via de transferências, crescentemente electrónicas e digitais com a evolução das tecnologias de informação.
Os bancos comerciais têm sido até agora os actores principais (no que toca à quota do volume de transacções, porque os bancos centrais, com actuações de menor dimensão, têm influências pontuais mais decisivas), pois a grande maioria das transacções internacionais envolve a troca de depósitos bancários em diferentes moedas. Por outro lado, os bancos também estão atentos ao mercado de câmbios, aí actuando autonomamente, a ponto de o comércio de divisas entre bancos - o comércio interbancário - assumir a maior expressão relativa no mercado de câmbios.
As instituições financeiras não bancárias estiveram sempre presentes neste mercado, mas a sua presença tem aumentado significativamente com a liberalização e desregulação de muitos mercados financeiros nacionais, com relevo para as grandes economias como os EUA e o Japão. Estas instituições têm alargado o âmbito dos serviços prestados aos seus clientes, até aí limitados por regulações estritas que impediam a sua operação nesses mercados. Destaque especial vai, naturalmente, para os investidores institucionais, designadamente os fundos de pensões, sempre ávidos de aplicação dos seus capitais em mercados diversificados e de bom retorno, como tem sido o caso do mercado de câmbios. 
Há que salientar, contudo, que esta separação entre entidade financeiras bancárias e não bancárias tende a diluir-se em consequência da desregulação e com a formação de grandes grupos financeiros, mesmo que subsistam as separações em termos formais.
Obviamente, as empresas, com destaque para as multinacionais e transnacionais dada a natureza das suas operações, são também figuras de cartaz deste mercado sobretudo pelo volume de transacções que provocam com as suas trocas internacionais. Como é evidente, essas empresas podem ter ganhos ou perdas não despiciendos através de uma gestão eficiente ou ineficiente das moedas em que firmam os seus contratos.
Finalmente, os bancos centrais intervêm nos mercados de câmbios, como já referimos a propósito da abordagem monetária da Balança de Pagamentos a propósito da flutuação controlada das taxas de câmbio. Com efeito, em cada país, é ao Banco Central que é cometida a tarefa de velar pela sua posição face ao Resto do Mundo, buscando a estabilidade macroeconómica e o controlo da inflação. Os bancos centrais executam essa tarefa comprando ou vendendo moeda no mercado internacional de câmbios. Com isso injectam moeda na economia ou retiram parte dela da circulação, afectando as condições macroeconómicas. É por esse motivo que, embora o seu volume de transacções neste mercado seja baixo em termos relativos, é pontualmente concentrado e tem um impacte visível, até por funcionar como acto de sinalização das possíveis políticas macroeconómicas que, como já vimos, afectam sensivelmente o mercado de câmbios.

Descritos os actores principais neste mercado, estamos em condições de fazer uma breve abordagem ao seu funcionamento, tendo em atenção a diferenciação temporal dos "negócios" já anteriormente referida.
Neste ponto há que distinguir duas situações polares:

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O mercado spot é o mercado "instantâneo", isto é, aquele em que as moedas são transaccionadas para entrega imediata.

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O mercado de futuros é aquele em que as moedas são compradas e vendidas para entrega num período futuro.

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Como é evidente, o mercado spot está subjacente à generalidade das transacções "reais" que as empresas efectuam na perspectiva internacional. Todavia, não se fique com a ideia de que o "instantâneo" pode ser tomado rigorosamente à letra. De facto, tendo em atenção que a maioria destas operações se faz através de bancos, a data valor para uma compra/venda spot acaba por ser dois dias depois daquele em que o negócio foi feito. Parece-nos, contudo, que a crescente difusão e aceitação dos processos electrónicos de transferência e acreditação permitirá que, cada vez mais, este mercado faça jus ao seu nome.
Apesar da integração crescente dos mercados financeiros e monetários internacionais, designadamente através das grandes "praças financeiras", a expressão das taxas de câmbio continua a ser bilateral, ainda que envolvida numa perspectiva de equilíbrio multilateral. Não sendo a integração mundial perfeita, é de admitir a possibilidade de ausência de transitividade destes câmbios, o que pode ser outra fonte de negócio neste mercado através de uma arbitragem
Suponhamos que em Londres a taxa de câmbio Libra inglesa/Dólar EUA é de 1,567 e que em Nova Iorque a taxa de câmbio Dólar EUA/Marco alemão é de 1,902. Se houvesse um equilíbrio perfeito, a transitividade imporia que a taxa de câmbio Libra inglesa/ Marco alemão fosse de:

1,567 x 1,902 = 2,980
(Libra inglesa/Dólar EUA) x (Dólar EUA/Marco alemão) = Libra inglesa/Marco alemão) 

Se nalguma praça o câmbio que vigora for diferente deste, há um estímulo a adquirir a moeda que está relativamente mais "barata", vendendo-a onde ela está mais "cara". É evidente que este processo de arbitragem contribui fortemente para a aproximação do equilíbrio das taxas de câmbio e contém em si mesmo o princípio da sua auto-destruição, pela informação que veicula e que deixa de ser integralmente apropriável.
Em bom rigor, qualquer transacção monetária que não seja spot, isto é, cuja data valor seja fixada a mais de dois dias de distância do dia em que o contrato foi firmado, pode ser considerada uma transacção no mercado de futuros, estando-lhe associado um risco resultante da variação potencial da taxa de câmbio nesse intervalo de tempo. Contudo, o mercado típico de contratos futuros engloba intervalos de tempo bem maiores: 30, 60, 90 dias e mesmo mais. 
A lógica subjacente a estes contratos, como de um modo geral a todo o tipo de contratos futuros, é a tentativa de diminuição do risco, neste caso de apreciação ou depreciação de uma dada moeda. Associados a estes mercados e à inerente lógica de risco aparecem os conceitos de prémio futuro e de desconto futuro, traduzindo as expectativas que os negociantes de uma dada moeda têm quando fazem um contrato de futuros.
Além disso, aplicam-se a este mercado todas as outras operações típicas dos mercados de futuros, designadamente as opções como sejam as opções de compra (call options) e as opções de venda (put options)

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Uma opção no mercado de câmbios é um contrato que confere o direito de comprar ou vender um dado montante de moeda a uma taxa de câmbio fixada (nalguns casos, como nos EUA, a opção pode ser exercida mesmo antes da maturidade).

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Estando em causa o risco de câmbio, existe uma modalidade que, de algum modo, é uma mistura de spot e de futuros, preferencialmente utilizada pelos bancos comerciais - os contratos swap.

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Um swap é um contrato de comércio de moeda numa data, com reversão do sentido do comércio em data posterior. É um contrato que combina um spot com um "futuros", podendo mesmo combinar dois "futuros".

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Um swap serve, pois, como uma operação de concessão e de pedido de um empréstimo num só contrato. Os termos do negócio são basicamente regulados pelas condições prevalecentes no mercado de futuros, embora em geral as taxas de spot e de futuros andem bastante próximas e tenham tendência a variar no mesmo sentido, com excepção de períodos relativamente curtos, na sequência de crises inesperadas e profundas como a que ocorreu recentemente em certas economias da Ásia.

Tendo referido os principais actores no mercado e os principais tipos de operações, falta uma palavra sobre as condições de equilíbrio neste mercado. O ponto de partida radica na hipótese que fizemos inicialmente de que a moeda é um activo (para abordagem das teorias acerca das taxas de câmbio o leitor pode consultar Husted e Melvin, Capítulo18) e que os depósitos em moeda devem gerar retorno.
É neste pressuposto que entronca a condição básica de equilíbrio neste mercado, definida como paridade do juro.

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Paridade do juro: o mercado de câmbios está em equilíbrio quando os depósitos de todas as moedas têm a mesma taxa de juro esperada.

O princípio é razoavelmente intuitivo. Admitamos, por exemplo, que em dado momento o rendimento esperado em marcos de um depósito em libras é superior ao esperado de um depósito em marcos. A lógica do estabelecimento do equilíbrio no mercado aponta, de imediato, para uma depreciação do marco em relação à libra, já que, ceteris paribus, uma depreciação do marco reduz o rendimento esperado em marcos (porque diminui o montante de "libras equivalentes" que constituem a base do rendimento), reduzindo, do mesmo passo, a expectativa de depreciação futura do marco face à libra.
Em resumo, não havendo quaisquer alterações em qualquer das outras condições relevantes, a subida da taxa de juro de uma moeda origina a sua apreciação relativamente às outras.
Todavia, esta condição não conta a história toda, já que, como activo que é, a moeda sofre forte influência das condições expectáveis para o futuro, para além das suas relações com a taxa de juro. Por isso, mesmo sem haver modificação das taxas de juro actuais, uma moeda pode apreciar-se face a outra se, por quaisquer razões plausíveis, se antecipar que há condições para ela vir a apreciar-se no futuro.
Por outras palavras, uma expectativa de subida da taxa de juro no futuro arrasta uma subida dessa taxa no momento actual, dando-se o inverso no caso da expectativa ser de descida.

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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