Levando em linha de conta as condições que apontam para a possibilidade de forte instabilidade nas taxas de câmbio, nomeadamente em consequência do enorme número de combinações bilaterais de moedas nacionais, temos que nos perguntar se o valor das taxas de câmbio é deixado integralmente ao funcionamento do mercado, ou se há alguns mecanismos de coordenação internacional em ordem a garantir alguma estabilidade.
Neste ponto procuramos dar uma perspectiva resumida da evolução dos esforços de coordenação ao longo do tempo (e, portanto, a resposta à nossa interrogação anterior é a da existência de mecanismos de coordenação), ao mesmo tempo que introduzimos a terminologia típica destes acordos e dos conceitos monetários que lhe subjazem, para que o leitor fique apto a aprofundar este problema se o desejar.
Como é óbvio, as propostas e as concretizações desses mecanismos de coordenação dependem muito das teorias dominantes sobre as taxas de câmbio, existindo, naturalmente, pontos de vista divergentes que, aliás, se vão alterando ao longo dos tempos. A breve digressão histórica que apresentamos, iniciando-se no final do século XIX (sem embargo de se reconhecer que já existiam anteriormente alguns mecanismos com este objectivo), pretende dar conta dessas posições e da sua evolução.
O primeiro grande mecanismo de coordenação foi o
padrão-ouro, que vigorou até ao início da 1ª Guerra Mundial, segundo o qual
as moedas tinham um valor fixado em termos de uma dada massa de ouro. Por isso, todas as moedas estavam transitivamente ligadas por taxas de câmbio fixas através da relação entre a massa de ouro que cada uma representava. Assim, se uma moeda valia uma onça de ouro e outra meia onça, a
taxa de câmbio prevalecente entre elas era de duas unidades da segunda moeda por cada unidade da primeira.
O padrão-ouro é um caso particular de padrão de um bem-moeda, já que se pode admitir que a referência do sistema poderia ser outro bem que não o ouro. Aliás, em épocas anteriores a este período, a prata "concorreu" com o ouro como referência-padrão.
A escolha do ouro resultou das suas características físicas e económicas, designadamente a grande homogeneidade, a fácil armazenagem, o fácil manuseamento e a divisibilidade em pequenas unidades. Além disso, é um bem muito escasso, com grandes custos de produção, que a generalidade dos governos não pode manipular a seu bel-prazer, o que lhe confere grande estabilidade e consequente credibilidade. Aliás, estas só se concretizarão se os países envolvidos aceitarem jogar as regras que o padrão impõe, a mais relevante das quais é a de estarem dispostos a comprar ou a vender (conforme as necessidade de estabilização do sistema) ouro ao preço fixado.
Um dos aspectos relevantes deste padrão, que lança as bases da sua estabilidade, é que a oferta de moeda fica restringida pela oferta de ouro. Se é certo que os preços podem subir ou descer com a produção mundial do ouro e o crescimento económico, o facto é que esse período foi de grande estabilidade de preços e de grande crescimento económico, sendo este muito estimulado por um aumento enorme das trocas internacionais. Estas características deste período têm levado muitos a defender, sobretudo nas alturas das grandes crises internacionais, o regresso ao padrão-ouro.
Sendo verdade que não foi o padrão-ouro o único responsável por esta época de grande progresso económico e de incremento das relações internacionais, não há também qualquer dúvida de que a estabilidade monetária e de câmbios que o padrão assegurou esteve na base da segurança e da confiança que regeram as trocas internacionais. Aliás, este valor da estabilidade tem sido permanentemente relevado a propósito da criação do
Euro.
Uma outra característica emergiu também nessa altura: embora os desequilíbrios das Balanças de Pagamentos devessem ser regulados através de fluxos de ouro, uma boa parte deles era regulado através da "primeira moeda mundial", considerada de algum modo "equivalente" ao ouro pela confiança que inspirava. Como Londres era a grande praça financeira mundial e a Inglaterra a potência dominante, a libra inglesa servia internacionalmente como moeda mundial, sendo, aliás, a moeda em que se estabeleciam contratos que nem sequer passavam por Inglaterra. Facilmente reconhecemos que um papel do mesmo tipo é hoje desempenhado pelo
dólar dos EUA.
Esta substituição da moeda mundial foi originada pelo fim do padrão-ouro com a eclosão da 2ª Grande Guerra. Não é difícil perceber que a manutenção dos esforços de guerra, os apelos a um patriotismo exacerbado gerador de desconfianças face aos estrangeiros e o desmantelamento ou, pelo menos, a alteração dos aparelhos produtivos fizeram ruir toda a estabilidade de preços e toda a confiança que estavam na base do padrão. Por isso mesmo, no fim da 1ª Guerra não foi possível regressar aos valores de paridade antigos, tendo emergido o dólar dos EUA como a moeda de referência, dado o facto de a
economia americana nesse período ter acelerado fortemente, sem grande inflação, o que lhe permitiu restaurar a paridade assumida no padrão-ouro.
Contudo, as dificuldades da recuperação das economias europeias, a pressão feita sobre o dólar ao qual era "exigida" a convertibilidade em ouro, a Grande Depressão entretanto ocorrida e a emergência da 2ª Grande Guerra ditaram uma constante "guerra económica e financeira" que configura um dos períodos mais críticos da história económica mundial.
É por isso sem surpresa que, perto do final da 2ª Grande Guerra, surge a
Conferência de Bretton Woods, no Estado de New Hampshire, visando reformar o que restava do sistema monetário internacional e estabelecer um outro fundado na cooperação mútua e em moedas livremente convertíveis.
Daí nasceu o
gold exchange standard, que tem profundas semelhanças com o padrão-ouro, uma vez que todas as moedas dos países que aderiram ao acordo estavam ligadas entre si e que cada um desses países fixava o valor da sua moeda também em termos do ouro equivalente. O dólar dos EUA passou a ser a "moeda-chave" do sistema.
A diferença essencial estava nos mecanismos de ajustamento. Assim, os países aderentes comprometiam-se a manter a paridade do valor da sua moeda dentro de um intervalo de variação de + ou - 1% do seu valor de referência, utilizando a compra e a venda da sua moeda (e já não do ouro, e daí o sistema ser de troca com referência ao ouro e não troca de ouro) no mercado de câmbios.
Reconheceu-se, contudo, haver situações em que os países teriam dificuldades enormes em restabelecer o equilíbrio da sua Balança através desse mecanismo, tendo sido criado no âmbito dos Acordos de Bretton Woods o
Fundo Monetário Internacional
(FMI) com o objectivo de ajudar a superar essas crises e, se possível, preveni-las.
O FMI surgiu com o desígnio genérico de supervisionar as práticas cambiais dos aderentes ao sistema, mas rapidamente estendeu as suas actividades (que ainda mantém hoje) que, em resumo, são as seguintes:
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supervisionar as políticas cambiais;
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monitorizar os desequilíbrios dos pagamentos internacionais;
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proporcionar empréstimos temporários para financiar a resolução de situações ligadas a problemas com a
Balança de Pagamentos.
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Contudo, esta intervenção exige comportamentos restritivos por parte do país apoiado.
Finalmente, a última diferença entre os dois sistemas reside na aceitação de que, quando se tornava visível que os problemas com a
Balança de Pagamentos não eram transitórios, se permitia ao país em causa alterar a sua
taxa de câmbio, fixando uma outra paridade, expectavelmente permanente.
O sistema funcionou muito bem durante cerca de duas décadas, mas, como é natural, a moeda dominante abusou do seu domínio. Como resultado, foram-se acumulando dólares nos bancos centrais de outros países, fazendo uma enorme pressão sobre a convertibilidade do dólar em ouro, com reflexos sobre o mercado deste metal. Uma vez que não foi possível realinhar as paridades, que apontariam para uma revalorização da moeda japonesa e da generalidade das europeias, a pressão sobre o dólar acentuou-se, tendo tido como consequência que as responsabilidades em dólares perante o estrangeiro excediam claramente o
stock de ouro dos EUA. Em Agosto de 1971, o então Presidente dos EUA, Richard Nixon, não teve outra solução que declarar a inconvertibilidade do dólar dos EUA, pondo fim ao
gold exchange standard.
Seguiu-se-lhe um período de natural conturbação e adaptação às novas condições do mercado cambial, coetâneo, ainda por cima, da primeira crise do petróleo, apesar de uma primeira tentativa de acordo logo em Dezembro de 1971, pelo qual o dólar se desvalorizou face ao ouro. Todavia, a pressão sobre o dólar persistiu de tal modo que no início de 1973 se entrou no regime que a nível mundial ainda prevalece:
o de taxas de câmbio flutuantes.
Poderá parecer que isto significa que as taxas de câmbio são determinadas pelo mero jogo do mercado, mas o sistema continua a ser de algum modo gerido através das intervenções dos bancos centrais, sem embargo de se reconhecer que não há nenhum padrão comum de comportamento, optando os diversos países por assumir "gestões" bem diferentes das suas moedas. Assim, enquanto os EUA deixam flutuar livremente o seu dólar, outros ligam a sua moeda a uma outra de referência (ou a um "cesto" delas) e seguem os seus movimentos ou depreciam-se (ou apreciam-se) relativamente a essa moeda, enquanto outros ainda optam pela flexibilidade limitada relativamente a uma moeda ou um "cesto de moedas".
Como exemplo de moedas ligadas ao dólar aparecem a maioria dos pequenos países da Antilhas, a Argentina, a Nigéria e alguns dos países do Médio Oriente, dada a enorme influência do dólar dos EUA nas suas relações económicas internacionais. Outras, cujas economias permanecem fortemente vinculadas à antiga potência colonial, ligam a sua moeda à moeda dessa potência, como é o caso da
zona do franco que inclui a generalidade dos países africanos francófonos. Já a ex-Checoslováquia é um excelente exemplo de ligação da moeda a um "cesto" de moedas cujos pesos relativos eram determinados pela composição da sua
Balança de Bens e Serviços.
Como exemplo da opção pela flexibilidade limitada relativamente a uma só moeda temos alguns países da Península Arábica, com destaque para a Arábia Saudita, obviamente com o dólar como moeda de referência. O exemplo mais relevante da flexibilidade limitada relativamente a um grupo de moedas é o
SME (Sistema Monetário Europeu), embora com a característica de ser um acordo cooperativo: ou seja, não se trata de um país ter a sua moeda referida a outros que dele evoluem independentemente, mas de um conjunto de países que coordenam a evolução das suas moedas, tornando-as interdependentes e de câmbios relativos quase fixos. Foi do SME que emergiu a
UEM (União Económica e Monetária), com a criação da moeda única, o
Euro, mantendo-se a sua lógica integral para os quatro países que não aderiram à UEM.
Há ainda situações híbridas muito interessantes, como é o caso de alguns países (Líbia, por exemplo) que referenciaram a moeda aos
DES (Direitos Especiais de Saque), que são uma "espécie de moeda" ligada a uma reserva internacional criada no âmbito do
FMI, definida a partir dos pesos dos diversos países nos fundos dessa organização.
Alguns países optaram por um sistema híbrido entre a flutuação livre e a ligação a uma referência, criando a
desvalorização deslizante (crawling
peg), como foi o caso do Chile e também o de Portugal no final da década de oitenta e antes da adesão ao
SME.
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