O estudo da evolução das teorias ligadas à economia internacional revela uma constante preocupação por uma adaptação às condições diferenciadas que as relações económicas internacionais vão evidenciando.
Assim, se por um lado se verifica um arrastamento da teoria pela realidade, impedindo aquela de fornecer uma visão prospectiva, por outro há que louvar a preocupação de realismo, ou seja, a permanente adaptação de modelos às novas situações por incorporação de novos aspectos que, a um tempo, os complicam mas também lhes conferem maior capacidade explicativa.
Contudo, há que reconhecer que a "velha economia entre nações" - que fundamenta alguma autonomia metodológica da disciplina de Economia Internacional, com base nas trocas entre nações assumidas como entidades económicas independentes e com discricionariedade de decisão - já não retrata a situação actual das trocas internacionais, como a discussão dos conceitos de globalização e mundialização feita no Capítulo 2 amplamente demonstrou.
O primeiro "salto metodológico", ainda incompletamente digerido, foi o da incorporação dos movimentos de factores, que rompeu com a clássica visão de dotação radicada de recursos em cada país, com trocas de bens, já que os serviços, dada a sua natureza "instantânea" e não armazenável, eram considerados "não transaccionáveis" e, portanto, "propriedade" das empresas localizadas junto dos consumidores desses serviços.
É evidente que esse movimento de factores, mais visível do lado dos capitais dado o maior enraizamento do factor trabalho, foi, como já mostrámos, facilitado e estimulado pela alteração política a nível mundial, sobretudo pelas possibilidades abertas pelas Tecnologias e Sistemas de Informação (TSI).
O que é curioso é que as TSI alteraram também radicalmente a mobilidade relativa entre bens e serviços, devido ao elevado conteúdo de informação destes últimos. De repente, é possível colocar instantaneamente relatórios escritos em qualquer parte do mundo, tal como é possível trocar densas bases de dados entre dois pontos do
globo, permitindo trabalhar num mesmo estudo em simultâneo em várias partes do mundo e sem interrupções, aproveitando as diferenças horárias.
Os serviços financeiros sofrem um impacte impensável até há pouco tempo, tornando-se possível em grande parte do mundo aceder à nossa conta bancária e usar as suas disponibilidades "em tempo real".
Quer isto dizer que, quase em simultâneo com o desafio da movimentação de factores (pelo menos daquela cuja fonte inibidora não eram as condições políticas), boa parte dos serviços passa não só a ser transaccionável mas ainda mais móvel que os próprios bens, que sempre estiveram no âmago da teoria do comércio internacional, ela mesma central, se não exclusiva, na definição do objecto da
Economia Internacional.
De um modo quase surpreendente, os países vêem-se confrontados com a realidade de, por um lado, não poderem decidir livremente sobre a afectação dos seus próprios recursos, por outro, perderem a produção local dos serviços, ainda por cima na altura em que eles se perfilam como a parte da
economia em maior crescimento.
Este "sentimento" quase ofusca as possibilidades óbvias de também aceder à utilização dos recursos dos outros e de lhes prestar serviços, sendo certo, no entanto, que estas possibilidades não estão igualmente repartidas entre as nações, quanto mais não seja por evidentes assimetrias entre as capacidades de domínio das TSI que lhes estão subjacentes.
Então, a uma bem conhecida assimetria de disponibilidade de recursos e de capacidade de os utilizar eficientemente, que já era causa de profundas desigualdades entre nações, junta-se agora uma nova assimetria que pode reforçar as desigualdades já existentes, ameaçando um crescimento ainda mais desequilibrado, consequência do aprofundamento das relações económicas mundiais.
Abordar esta nova problemática no contexto dos modelos desenvolvidos no âmbito da Economia Internacional não se nos afigura tarefa fácil sem modificações profundas que há que explorar desde já. Por um lado, a teoria económica tem tido, em geral, grandes dificuldades (ou, pelo menos, tem demorado demasiado tempo) em incorporar as características dos serviços nas suas modelizações, mais adaptadas à produção e distribuição de bens, tal como as tem tido na assunção eficaz de que o valor económico provém fundamentalmente do saber e do
"capital humano", em prevalência face aos capitais físico e financeiro.
Por outro lado, há que reconhecer que a maioria das nações não tem grande discricionaridade sobre as produções que nelas são feitas nem sobre as transacções que as atravessam. É que os novos actores são as grandes empresas transnacionais, num crescente processo de consolidação que aumenta a concentração do poder, previsivelmente agravada em futuro próximo por toda a espécie de poderosas alianças empresariais que se esboçam (e algumas já se concretizam) e que esvaziam o poder económico da generalidade dos Estados-nação.
Sendo este o cenário actual da economia mundial - que só terá tendência a aprofundar-se se as tendências de liberdade de circulação continuarem a ser privilegiadas -, então as teorias da Economia Industrial que estudámos, sem deixarem de ser importantes em termos de formação de raciocínio económico e de explicação das trocas internacionais, em particular de bens, não conseguem por si sós resolver os problemas que a mundialização apresenta.
Assim, a título de exemplo, já se começam a levantar vozes, insuspeitas de não serem adeptas dos méritos do comércio internacional, sobre a necessidade de se estudar a possibilidade e o mérito do estabelecimento de controlos aos movimentos de capitais, para já não falar de regulações internacionais relativas a problemas ambientais e mesmo à legitimidade de "drenagem de cérebros", estando subjacente a este último uma inevitável discussão dos
direitos de propriedade.
Por isso, parece-nos fundamental uma nova e mais ampla visão dos problemas da Economia Internacional que incorpore, para além do regresso da Geografia Económica e da Teoria de Localização que já referimos oportunamente, a abordagem dos fundamentos da designada
Economia Digital e, sobretudo, do estudo da evolução da estrutura e da estratégia das grandes empresas e das grandes organizações mundiais, sem esquecer os Estados nacionais e as suas possibilidades de, por si sós ou agrupados em espaços regionais integrados, desenharem novas regras para as relações económicas internacionais.
Não era, à partida, possível para um manual deste tipo abordar estes novos problemas, sendo seu objectivo cimentar as bases teóricas mais consensuais, sem as quais também os novos desafios não podem ser defrontados. Todavia, esperamos que a semente das novas perspectivas possa germinar no espírito dos leitores, levando-os à procura dos novos horizontes que se abrem nesta área da
economia e das relações internacionais.
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