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O PIB E A BALANÇA DE BENS E SERVIÇOS

Os conceitos desenvolvidos nos subcapítulos anteriores dizem respeito aos agregados habitualmente usados para descrever as economias nacionais, mas não descrevem, integralmente, as relações económicas que cada economia nacional estabelece com o Resto do Mundo. Para explicitar estas relações temos que olhar para o PIB já não do lado da sua geração, mas sim do lado da sua aplicação, o que nos conduz a:

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"PIB = CONSUMO (PRIVADO + GOVERNO) + INVESTIMENTO (FBCF + VARIAÇÃO DE EXISTÊNCIAS) 
+ (EXPORTAÇÕES - IMPORTAÇÕES)

Esta relação traduz simplesmente a igualdade entre as disponibilidades (oferta) e os usos (procura). As disponibilidades provêm do que foi gerado internamente (o PIB) e do que foi adquirido ao Resto do Mundo (as Importações), enquanto os usos se repartem entre o Consumo e o Investimento e, ainda, as Exportações. Estas últimas devem ser entendidas como o uso que o Resto do Mundo fez de bens e serviços gerados internamente ou, mais consistentemente, a abdicação de uso dos residentes para trocas com os não residentes de forma a alcançar outras disponibilidades que se materializam nas Importações.
Nesta relação devemos realçar o papel de "volante" das Variações de Existências, que asseguram a identidade nela expressa e são consideradas como um investimento, se positivas, mas que, de facto, podem reflectir a falta de capacidade de usar adequadamente as disponibilidades criadas.
No que toca às relações económicas de um país com o Resto do Mundo, esta identidade permite explicitar os fluxos que as caracterizam, bem como os seus montantes absolutos e relativos e, mediante adequada desagregação, também as suas composições.
É claro que nessa identidade assume maior relevância, na perspectiva em que estamos colocados, a parcela Exportações - Importações designada por Saldo da Balança de Bens e Serviços, que descreve o superavit (se positiva) ou o défice (se negativa) das trocas de bens e serviços de um país com o Resto do Mundo, durante um determinado período.
Este saldo radica em diferentes composições das Exportações e das Importações, sendo a descrição dessas composições o conteúdo essencial da Balança de Bens e Serviços.
uma primeira e imediata conclusão a extrair do valor desse saldo: se ele é negativo, o país usou, no período a que o saldo diz respeito, mais disponibilidades que aquelas que gerou, o que significa ter ficado, em princípio, devedor do Resto do Mundo.
É óbvio que tem de haver uma permanente preocupação com o equilíbrio das relações económicas entre países, sendo curial o auto-controlo de cada país no sentido de não criar continuadamente défices face ao Resto do Mundo. Contudo, se é verdade que a dimensão absoluta desses défices não é despicienda, é muito mais relevante a sua dimensão relativa, isto é, o peso que essas responsabilidades têm no conjunto do valor gerado internamente, ou seja, do PIB. Compreende-se bem que um défice de mil milhões de dólares é muito mais gravoso para Portugal que para os Estados Unidos da América, dadas a diferença de dimensão das duas economias. 
É por isso que se estabelece um conjunto de indicadores que visam descrever estas dependências absolutas e relativas, caracterizando, do mesmo passo, o posicionamento diferencial (na medida em que os indicadores se referem apenas a um dado período) do país face ao Resto do Mundo. Eis alguns dos indicadores mais relevantes:

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Taxa de Cobertura = (Exportações / Importações) x 100%

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Peso relativo do Saldo da Balança de Bens e Serviços = [(Exportações - Importações) / PIB] x 100%

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Grau de Abertura ao Exterior = [(Exportações + Importações) / PIB] x 100%

O primeiro indicador compara, em termos relativos, as Exportações com as Importações. Um grau de cobertura inferior a 100% significa uma incapacidade de, no período em causa, se terem gerado internamente disponibilidades suficientes para os usos concretizados. Um agravamento do grau de cobertura significa uma deterioração da capacidade de um país gerar aquilo que precisa.
O segundo indicador procura medir a importância relativa do Saldo da Balança de Bens e Serviços face à dimensão da economia do país, sendo, obviamente, preocupante quando é negativo e, em módulo, significativo. Ele representa, afinal, a percentagem do excesso de usos de um país face às disponibilidades económicas aí criadas durante um certo período e portanto o peso relativo do potencial acréscimo de endividamento face ao Resto do Mundo.
O terceiro indicador evidencia o peso que as trocas com o Resto do Mundo têm face à dimensão da economia interna, considerando-se que uma economia é tanto mais aberta quanto maior for esse índice. Ele é influenciado não só pela dimensão das trocas externas, mas também pela dimensão absoluta da economia interna. Representa, de algum modo, um sinal da sensibilidade da economia de um país ao que acontece na economia mundial.
 

Segundo as estimativas do Banco de Portugal para o ano de 1997, o Saldo da Balança de Bens e Serviços foi de -1410,3 milhões de contos (um agravamento de cerca de 18,1% relativamente a 1996), sendo as Exportações de 5668,8 milhões de contos (um acréscimo de cerca de 8,9% em valor) e as Importações de 7079,1 milhões de contos (um acréscimo de cerca de 10,7% em valor).
Assim, a taxa de cobertura foi de cerca de 80,1% em 1997 contra cerca de 81,3% em 1996. Este agravamento é o resultado de as Importações terem crescido mais que as Exportações.
Tendo em atenção que o PIB em 1997 foi de 17916,1 milhões de contos, o peso relativo do Saldo da Balança de Bens e Serviços no PIB foi, então, de cerca de -7,8%, um valor que não pode deixar de ser significativo e que indicia uma preocupante incapacidade de a economia portuguesa gerar aquilo que necessita, tanto mais que esta situação tem tipificado as nossas relações com o Resto do Mundo.

O grau de abertura ao exterior é de cerca de 71,2%, um valor bastante alto e que evidencia bem o elevado grau de interpenetração da economia portuguesa com o Resto do Mundo, com particular relevância para a União Europeia.


Se é fundamental salientar o papel central da Balança de Bens e Serviços na descrição das relações económicas de um país com o Resto do Mundo, importa por outro lado não esquecer que ela não incorpora todas as relações, abrindo-se, pois, caminhos alternativos para a busca do desejado equilíbrio entre elas. Em particular, são de relevar os fluxos relativos aos rendimentos dos factores primários que "transformam" o PIB no PNB e as chamadas "transferências unilaterais" que traduzem o envio voluntário de entidades públicas e privadas de fundos que lhes pertencem, para serem usadas por entidades fora do país onde esses fundos foram gerados, como é o caso das Remessas de Emigrantes e dos Fundos Comunitários.
A adição destas duas parcelas (Rendimentos e Transferências Unilaterais) à Balança de Bens e Serviços conduz à chamada Balança de Transacções Correntes, que alarga o âmbito da descrição das relações económicas internacionais, ultrapassando a mera lógica dos fluxos ligados estritamente às fontes de geração de valor e situando-se numa perspectiva mais abrangente de disponibilidades e de usos, que apenas não engloba o que directamente resulta dos movimentos de capitais.
Esta Balança considera que uma disponibilidade gerada internamente "vale o mesmo" que uma que foi transferida por "benevolência" de outrem e o mesmo se dirá, mutatis mutandis, para os usos. É evidente que, de um ponto de vista conjuntural, a assunção desta igualdade é legítima, mas, numa perspectiva de longo prazo, a garantia do domínio sobre os dois tipos de disponibilidades é completamente diferente, sendo, em princípio, mais precário o que incide sobre as transferências. Esta assimetria é, aliás, bem capturada pela preocupação que Portugal exprime com a eventual queda no futuro do montante dos Fundos Comunitários.
Por isso mesmo, se a Balança de Transacções Correntes tiver um saldo positivo, os receios de aumento da dívida externa expressos a propósito de um saldo negativo da Balança de Bens e Serviços parecem não se justificar. E, de facto, assim é se nos situarmos numa lógica imediatista: vendo bem, se a passagem de um saldo negativo da Balança de Bens e Serviços a um saldo positivo da Balança de Transacções Correntes tiver origem na recepção de Transferências Unilaterais, é preciso entender que nos não endividámos porque alguém nos "encheu os bolsos" com as suas disponibilidades e esse alguém pode, a certa altura, deixar de querer (ou poder) ser "generoso".
Por isso mesmo, entendemos que a Balança de Bens e Serviços continua a ser um indicador precioso das dependências de um país, embora, como já vimos a propósito da definição do PNB, o conhecimento dos fluxos de rendimentos tenha vindo também a assumir importância crescente.
 

 

Em Portugal, os saldos das Balanças de Transacções Correntes e de Bens e Serviços são um exemplo paradigmático das diferenças assinaladas. De facto, em 1997, o saldo da Balança de Transacções Correntes foi de -322,2 milhões de contos, isto é, apenas cerca de 22,8% do saldo da Balança de Bens e Serviços e cerca de 1,8% do PIB, um valor que é muito pouco significativo.
A razão essencial da diferença está nas Transferências Unilaterais cujo saldo ascendeu a 1174,5 milhões de contos (curiosamente distribuídas em partes iguais entre Públicas - fundamentalmente Fundos Comunitários - e Privadas - maioritariamente Remessas de Emigrantes ), já que os Rendimentos tiveram um saldo de -86,4 milhões de contos. 
Estes valores, que reproduzem em termos relativos o que se tem sistematicamente passado nos últimos anos, mostram bem a actual dependência da economia portuguesa de "receitas de benevolência".

 
© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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