1.7
DIFERENÇA ENTRE RENDIMENTO E RIQUEZA E NECESSIDADE DE OUTROS INDICADORES

A utilização dos valores do PIB ou do PNB como estimadores da riqueza de um país, para além das imperfeições apontadas nos pontos precedentes, tem que ser criticada, ainda, pela limitação do conceito de riqueza neles implícita e, por outro lado, pela incorrecção teórica que lhe subjaz.
Com efeito, o PIB e o PNB são valores acrescentados ou rendimentos brutos gerados durante um ano. São, por isso, fluxos, isto é, quantidades por unidade de tempo, enquanto a riqueza é um stock, isto é, o integral ao longo do tempo de todos os rendimentos acumulados, tendo, por isso, muito a ver com a história económica de um país. 
Por exemplo, no auge da crise petrolífera, alguns países da Península Arábica tinham rendimentos fabulosos, de tal modo que alguns chegaram a ter um PIB per capita superior ao da maioria dos países desenvolvidos. Isso não significava que esses países fossem mais ricos que os EUA, o Japão ou a Alemanha, visto que a acumulação feita por estes últimos em instalações fabris, infra-estruturas urbanas, viárias, ferroviárias, aeroportuárias e marítimas, para além de veículos, equipamento doméstico, de comunicações, de lazer, para já não falar do capital científico e tecnológico e do capital humano, não têm qualquer comparação com o acumulado pelos países da Península Arábica.
É verdade que é de esperar uma forte correlação entre a riqueza de um país e a sua capacidade de gerar rendimento e, portanto, o PIB tem que ser considerado um bom estimador da riqueza, mas não pode ser confundido com ela. De facto, um país pode, num ano, gerar rendimentos enormes vendendo o seu próprio património, exaurindo, a um ritmo exagerado, as suas reservas, sem que isso signifique que é rico.
Este facto leva-nos à outra limitação do PIB como indicador de riqueza e de desenvolvimento. É que ele apenas incorpora os aspectos estritamente económicos agregados, ignorando, por um lado, a distribuição do rendimento pelos habitantes e pelas zonas de cada país e, por outro lado, a depreciação do património utilizado, seja ele o produtivo, o estético, o ambiental ou outro, depreciação essa que é uma verdadeira diminuição da riqueza e das capacidades de desenvolvimento no futuro.
 

Um exemplo muito típico desta questão é o modo como pode ser contabilizado o que se passa com vários veículos que ficam presos num enorme engarrafamento, demorando duas horas a fazer um percurso em direcção ao emprego que, normalmente, demoraria meia hora. 
Admitindo, como tantas vezes se exige, que as pessoas têm que concretizar a maioria das actividades de que estavam encarregadas, o que vai ser registado é o aumento do consumo de combustível e, portanto, o valor acrescentado nele incluído aumentará o PIB. Como é óbvio, esta contabilização expressa mal a ligação entre o PIB e o bem-estar até entre o PIB e o verdadeiro desenvolvimento. 
Uma contabilização adequada deste último imporia a diminuição do lazer das pessoas, a contagem negativa do aumento de poluição e a diminuição patrimonial resultante da maior intensidade de uso dos veículos. Como sabemos, nada disto ainda se faz, pelo que é legítimo contestar o uso do PIB como indicador de desenvolvimento e até da riqueza. Um país pode mesmo ver crescer o seu PIB à custa da diminuição do seu património ambiental, isto é da sua riqueza. 
A este propósito vale a pena citar D. Landes (1998) no contexto da discussão sobre a existência de limites ao crescimento e do optimismo ligado à constante superação desses limites por via tecnológica: 

"Já não temos que nos preocupar com a exaustão deste ou daquele recurso; a tecnologia encontrará substitutos. Mas o que temos de estar atentos é ao sério, progressivo e possivelmente irremediável dano que estamos a infligir ao ambiente. Esta ameaça ao bem-estar liga-se directamente com o desenvolvimento económico, já que o desperdício, a poluição e os danos ambientais crescem com a produção. Considerando tudo o resto igual, é o rico quem evenena a Terra.
É claro que os ricos vêm o perigo - pelo menos alguns - e a sua riqueza permite-lhes gastar dinheiro em limpeza e lançar o seu lixo noutros locais."

Mais do que a ilustração do potencial conflito entre crescimento e preservação do património ambiental, há que salientar novas vertentes das relações internacionais que não podem passar em claro, designadamente as expressas na última frase.

 

É, afinal, a plena consciência da limitação destes indicadores e da necessidade de abrir o "sistema económico" a outros sistemas (social, cultural, educativo, ambiental, etc.) que com ele estão profundamente imbricados que tem levado várias Instituições Internacionais a propor novos indicadores para medir o desenvolvimento. Assim, a OCDE mistura nos seus "Indicadores Estatísticos" o "Produto Nacional" com "Demografia", "Emprego", "Energia", "Fiscalidade", "Saúde", "Ensino", "Investigação e Desenvolvimento", "Ciência e Tecnologia" e "Ambiente", entre outros, enquanto o PNUD, no seu "Relatório do Desenvolvimento Humano" cria um "Índice de Desenvolvimento Humano" que, incorporando valores relativos a longevidade, conhecimento, padrão de vida e participação ou exclusão da vida económica e social, altera substancialmente a ordenação relativa dos países estabelecida exclusivamente a partir do PIB per capita (p.p.c.).
O estudo actual da Economia Internacional não pode, em nossa opinião, deixar de incorporar estas vertentes de análise.

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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