2.2
BARREIRAS À INOVAÇÃO

Se utilizássemos o modelo linear e tivéssemos como sistema de inovação uma sequência de passos independentes, as barreiras à inovação seriam facilmente identificáveis e bem definidas: dificuldades de obtenção de conhecimentos em forma utilizável pela empresa, dificuldade de rentabilizar investimentos e portanto de aplicar capital em novas aquisições, dificuldade de obtenção de recursos humanos qualificados, etc. Muitos sistemas políticos utilizam ainda esta visão, pelo que procuram incentivar a inovação criando facilitadores de algumas destas funções (por exemplo, instituições de ciência e tecnologia que prestam serviços para empresas a custos reduzidos, programas de I&D total ou parcialmente subsidiados, absorção dos custos de formação pelo sistema de ensino, etc.).
No entanto, se tomarmos por cenário o modelo encadeado e admitirmos que os sistemas de inovação são realidades complexas, multidisciplinares e multidimensionais que se definem consoante as especificidades de cada caso, as respostas convencionais não chegam: é pouco eficaz aplicar esforços num único elo de ligação. As consequências em termos de políticas nacionais de inovação são muito significativas, mas este assunto transcende os objectivos deste livro (ver por exemplo Chandler et al., 1996; Bellon e Whitington, 1996).
Em termos gerais, as barreiras à inovação podem ser de três tipos:

  • de natureza tecnológica (por exemplo, a tecnologia necessária para a produção ainda não está suficientemente desenvolvida);

  • de natureza económico-financeira (a tecnologia existe, mas é demasiado dispendiosa, a empresa não tem recursos financeiros que lhe permitam investir na inovação, etc.);

  • de natureza humana.

Estas últimas são frequentemente subestimadas ou mesmo ignoradas, estando relacionadas essencialmente com os processos da empresa e a forma de operar dos seus recursos humanos. Na literatura da especialidade, é frequente designar todas estas barreiras como barreiras cognitivas, embora correctamente a dimensão cognitiva seja apenas uma das dimensões humanas envolvidas no conjunto de barreiras assim definido. No entanto, é frequente na área da inovação empresarial o termo "cognitivo" abarcar todos os aspectos relacionados com a mente humana e os seus processos mentais, quer sejam cognitivos, quer intutitivos, quer emocionais, etc.
Ao nível das empresas, esta imagem de inovação implica uma série de interacções e de ligações entre elementos diversos. Isto conduz-nos a um conjunto de barreiras à inovação que vale a pena ponderar, tal como definidas por Adams (1974) e referidas também por Godfrey (1998):

  • barreiras de percepção;

  • barreiras culturais e de ambiente;

  • barreiras emocionais;

  • barreiras intelectuais e de expressão.

As barreiras de percepção resultam de erros no modo de visualizar e abordar os problemas e as situações quotidianas, envolvendo normalmente as chamadas "deformações profissionais". Os seis tipos de barreiras definidos por Adams (1974) são:

  • dificuldade em isolar a questão fulcral;

  • tendência para delimitar demasiado a questão fulcral, reduzindo-a a uma expressão simplista;

  • incapacidade de visualizar a questão sob diferentes perspectivas;

  • ver o que se espera (ou se deseja) ver em vez da realidade;

  • saturação (por vezes esquecemos os pormenores daquilo com que trabalhamos muito frequentemente);

  • falta de utilização devida dos vários estímulos sensoriais (nem toda a informação relevante nos chega através dos olhos).

Estes erros de perspectiva são normalmente ultrapassados através de trabalho em equipa, com elementos de diferentes valências. A probabilidade de, entre todos, se ajustarem os erros de percepção de cada um é obviamente mais elevada neste caso do que se a equipa tivesse elementos demasiado semelhantes.

Há diversas barreiras culturais e de ambiente, como por exemplo:

  • tabus;

  • preconceitos;

  • falta de cooperação e confiança entre quadros da empresa;

  • ambiente de trabalho constrangedor;

  • ambiente de trabalho dispersivo;

  • falta de enquadramento incentivador de acção (ambiente incentivador à acomodação).


A principal forma de as ultrapassar é implementando uma organização da empresa adequada. 

As barreiras emocionais são frequentemente subavaliadas. A cultura empresarial vê-se muitas vezes como necessariamente rigorosa, desapaixonada e de eficácia mecanizada. No entanto, enquanto seres humanos todas as pessoas estão por definição carregadas de emoções. O modo como controlamos essas emoções no ambiente profissional pode erguer muitas destas barreiras, como por exemplo:

  • medo de errar;

  • receio de parecer ridículo;

  • incapacidade de tolerar ambiguidade;

  • preferência por julgar ideias, em vez de as gerar;

  • incapacidade de "relaxar", vendo ameaças em tudo;

  • falta de interesse e motivação;

  • incapacidade de distinguir realidade de fantasia.


As barreiras mais importante a quebrar são o medo de errar, de parecer ridículo e de ser mal julgado por outros. Igualmente essencial é quebrar a barreira da crítica fácil (criticar é mais fácil que fazer). A cultura da empresa, a sua organização e o modo como os relacionamentos entre pessoas são desenvolvidos dentro da estrutura são a chave para ultrapassar estes entraves.

As barreiras intelectuais e de expressão materializam-se normalmente numa dificuldade de comunicação entre pessoas, que faz com que as ideias de uns nunca cheguem efectivamente a outros (seja no sentido do nível de comunicação mais evoluído para o mais primário, seja no inverso: por exemplo, as recomendações técnicas de um engenheiro podem ser incompreensíveis quer para um operador, quer para um gestor; uma dificuldade levantada por um operador pode parecer trivial a um engenheiro por não a ter compreendido bem). Algumas das barreiras mais comuns são: 

  • escolha inadequada de processos mentais (de explicação);

  • falta de conhecimentos;

  • inadequação do discurso ao nível de conhecimentos da audiência;

  • falta de clareza na comunicação;

  • falta de empenhamento e reflexão ("falar de cor", que normalmente conduz a mudar de opinião com frequência, aos olhos dos outros).


Curiosamente, todas as barreiras aqui descritas como importantes nos relacionamentos esquematizados nas figuras 2.1. e 2.4. são cognitivas, não são materiais nem tecnológicas (recorda-se que o termo "cognitivo" é utilizado neste contexto, embora de forma pouco precisa, como representando todos os aspectos da dimensão humana). Têm a ver com a forma como as pessoas trabalham em conjunto mais do que com os meios físicos envolvidos no trabalho. Será esta perspectiva correcta na realidade prática?
É verdade que barreiras materiais continuam a existir (falta de meios financeiros, por exemplo), mas muitas vezes o problema real não é esse. Frequentemente, a solução avançada para um problema é a mais simples e imediata: aumentar os gastos (mais pessoas, mais equipamentos, etc.), mas nem sempre esta é a solução única ou sequer a melhor. O normal é pensarmos que se identificámos o problema e não o conseguimos resolver, então não podemos fazer nada e encerramos a questão - mas isso não será utilizar a solução imediata, inexequível ou desadequada, como desculpa?
Uma boa ideia bem trabalhada e defendida pode ultrapassar muitas barreiras materiais - numa economia com inflação e taxas de juro baixas, há um clima psicologicamente favorável ao investimento, e em Portugal existem também muitos programas de incentivos subaproveitados. A falta de recursos financeiros pode ser mitigada com um bom trabalho de equipa. Também a falta de meios materiais (equipamentos) pode ser suprida com a criação de parcerias entre empresas - um conceito que encontra cada vez mais aderentes nas economias desenvolvidas. Em ambos os casos, vemos equipas (ou parcerias) que envolvem elementos exteriores à empresa. O relacionamento entre a empresa e o exterior torna-se tão importante quanto os relacionamentos internos da empresa.

Será então verdade que as principais barreiras à inovação são cognitivas (humanas)?
As teorias económicas devem-se aplicar a cada realidade concreta com o devido cuidado, mas não descurando a importância das barreiras materiais no caso específico de grande parte das empresas portuguesas, certamente que partilhamos esta opinião. Logo à partida, seremos apoiados pela constatação de que tem sido feito mais esforço nas políticas governamentais para a redução de barreiras materiais do que para o derrube das barreiras cognitivas acima descritas. O mais curioso é que estas últimas não dependem de sistemas externos: 

Está ao alcance de cada empresa desenvolver a estrutura interna, o modo de trabalhar e gerir as operações e o seu sistema de relacionamento com o exterior, privilegiando trabalhos em equipa realizados de modo funcional que permitam atacar as barreiras à inovação.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.