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O FACTOR HUMANO

Seguindo raciocínios puramente baseados na necessidade de eficiência e operacionalidade, a inovação tem-nos conduzido recorrentemente à dimensão cognitiva, isto é, aos processos mentais dos seres humanos, como elemento fundamental a gerir.  
O factor humano aparece-nos em diversas áreas:

  • Os mercados são em última análise constituídos por consumidores/ utilizadores finais dos nossos produtos ou serviços, que sobre eles fazem julgamentos subjectivos, sujeitos a variados tipos de estímulos e pré-concepções. Os mecanismos de escolha e preferência de produtos (bens ou serviços) são processos psicológicos bastante complexos, que no fundo resultam da tentativa de milhares (milhões) de indivíduos anteciparem a capacidade de o produto satisfazer as suas expectativas, geradas por inúmeros estímulos criados interiormente pela experiência anterior e externamente pelo ambiente.

  • Todos (ou quase todos) os produtos têm um enquadramento cultural extremamente forte.

  • Qualquer produto resulta da acção de várias pessoas que exercem a sua actividade profissional em funções diversas envolvidas na sua concepção, produção e venda. Com a magra excepção de processos produtivos realizados por maquinaria, a maioria das funções são bem ou mal executadas dependendo tanto das pessoas intervenientes quanto das soluções metodológicas adoptadas. Não existem soluções óptimas no abstracto - uma solução só está bem desenvolvida quando já foram resolvidos todos os problemas relativos a "quem faz o quê". Frequentemente, isso obriga a ajustar, ou até a alterar profundamente, as soluções teoricamente mais atractivas.

  • A inovação, tal como a qualidade, depende fortemente da acção de todos os quadros da empresa e do seu modo de interacção. Não há quadros competentes no abstracto - uma função bem executada solitariamente, desligada das outras, pode ser irrelevante (num mecanismo de ferro, uma roda dentada em ouro maciço com os dentes desalinhados das outras peças é uma má peça). É raro encontrar uma empresa em que as máquinas não se complementem adequadamente, em que haja problemas de estrangulamentos que nunca se tentou resolver ou em que o produto seja deficiente porque uma das máquinas não adequa a sua acção às restantes. No entanto, não é raro encontrar empresas em que o funcionamento é em larga medida afectado por relacionamentos inadequados entre pessoas, em que a inovação é difícil porque os departamentos de marketing e técnicos não se conseguem complementar, em que a acção padece de falta de liderança estratégica, em que vários quadros não sabem bem o que deles se espera nem o que são supostos fazer para cumprir as expectativas de outros.

  • a inovação alimenta-se da capacidade criativa do ser humano. Isso é incompatível com a acomodação às soluções convencionais e aos métodos tradicionais que o hábito e o receio de errar ou de parecer ridículo fomentam. Suponhamos que a solução convencional será a melhor em 90% dos casos - são os outros 10% que levarão à inovação específica da empresa, ao reforçar-lhe a diferenciação e competitividade, e os que a prazo farão a diferença. Se nos limitarmos a "propor de cor" a solução que é a melhor para 90% dos casos, acabamos por nunca chegar a lado algum. 

Efectivamente, uma empresa gere processos cognitivos (dos gestores, dos quadros técnicos, dos clientes, dos fornecedores, dos investidores, etc.) tanto quanto gere processos tecnológicos, produtivos e comerciais. No entanto, nem sempre está tão bem preparada para os primeiros como para os últimos. Daqui resulta que o estabelecimento de métodos organizativos que permitam conhecer, aproveitar e facilitar os processos cognitivos seja uma vertente essencial à actividade da empresa, sobretudo num ambiente em que se procura satisfazer as necessidades do mercado e em que a actividade é cada vez mais de conhecimento intensivo (knowledge intensive).
Para a gestão da inovação, este aspecto tem uma acuidade particularmente reforçada. O factor humano está presente em todas as fases de qualquer projecto: preferências e oportunidades de mercado, geração de ideias, concepção de produtos, trabalho de equipa, identificação e adaptação de soluções, implementação de novidades no quotidiano, etc.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.