3.1

Princípios gerais

 

“A criatividade consiste em criar muitas ideias, não em ficar à espera que surja uma grande ideia.”
Charles Thompson

 

Quando se fala de gestão da inovação, pode-se ter em mente uma de duas dimensões diferentes que é importante distinguir:

 

·         criação e desenvolvimento de uma nova estratégia, orientada para a inovação, com eventuais repercussões na organização da empresa;

·         criação e execução de projectos de inovação.

 

No primeiro caso, pensamos num exercício de fundo: analisar a situação presente da empresa, as necessidades e oportunidades de inovação, definir uma estratégia e o lançamento de vários projectos que materializem os resultados deste exercício. Há dois termos frequentemente usados para este tipo de trabalho: BPR (do inglês business process reengineering) e  BPI (business process innovation), isto é, reengenharia (ou inovação) dos processos da empresa. Muitas das técnicas de gestão da inovação referidas como tal (IMT , do inglês innovation management tools) dizem respeito a esta actividade, dado que a sua profundidade requer uma abordagem bem planeada.

No entanto, “gestão da inovação” pode também referir-se à actividade quotidiana de inovação na empresa (uma “carteira de projectos”), quer ela já tenha passado por uma reengenharia de processos e atingido uma “velocidade de cruzeiro”, quer tenha optado por começar por gerir alguns projectos de inovação antes de mudar o seu posicionamento estratégico em relação a esta vertente. Também esta gestão quotidiana tem as suas técnicas próprias: as de carácter organizativo são já mais conhecidas da gestão de projectos em geral, as de cariz cognitivo um pouco menos divulgadas. Já foi referido que a inovação deveria de facto começar pelas organizações, de modo a criar o ambiente adequado a uma gestão eficiente da inovação nos processos, produtos e mercados, pelo que fará mais sentido encarar esta “gestão corrente” após um trabalho de reengenharia abrangente.

Podemos fazer um paralelo entre a gestão da inovação e a gestão da qualidade: um trabalho de fundo inicial que abranja todas as funções e operações da empresa é um requisito essencial para garantir um ambiente propício à gestão eficiente da qualidade (e talvez o maior benefício da implementação de um sistema de qualidade). Enquanto no caso da qualidade todos os processos e interacções são analisados do ponto de vista da garantia da qualidade óptima, no caso da inovação os interesses são mais variados: eficiência, melhoramento, rentabilidade, produtividade, novos produtos, novos mercados, qualidade também, claro – embora neste caso com particular ênfase para novas (melhores) características de qualidade. 

Podemos distinguir genericamente quatro fases em qualquer trabalho deste tipo (desde reengenharia dos processos da empresa até um simples projecto): 

  •  identificação de problemas e/ou oportunidades;  

  • geração de ideias;

  • análise (e selecção de opções se necessário);

  • planeamento e execução. 

Estas fases são sequenciais, mas pode haver recirculações devido à natureza inovadora (portanto exploratória) de muitos trabalhos: na fase de execução acontece por vezes identificar-se um novo problema que é preciso resolver para avançar, ou surgir uma nova ideia, gerando-se um novo ciclo em torno desse ponto (sub-ciclo do principal). Estes conceitos estão esquematizados na figura 3.1.

Um dos princípios fundamentais para um modo de trabalho mais eficaz em projectos de inovação é separar bem a natureza diferente de cada fase do trabalho.

 

Idealmente, o modo de trabalhar e a atitude das pessoas envolvidas nos trabalhos deveria ser diferente, ajustando-se a esta natureza:

 

·         A identificação de problemas é um trabalho desejavelmente exaustivo, que deve ser concreto e carece de raciocínio analítico e objectivo.
·         A identificação de oportunidades é um trabalho preferencialmente exaustivo que pode ser abstracto, envolvendo raciocínio analítico que pode ser subjectivo.
·         A geração de ideias é um trabalho desejavelmente exaustivo e possivelmente abstracto, que requer um espírito criativo, normalmente subjectivo.
·         A análise é preferencialmente um trabalho exaustivo (embora direccionado para pontos específicos) que tem de ser concreto, necessitando de um raciocínio analítico e objectivo.
·A selecção de opções é um exercício necessariamente limitado e concreto, que envolve por vezes raciocínios sintéticos que devem ser objectivos.
·         O planeamento e a execução são também trabalhos necessariamente limitados e concretos, que envolvem um espírito sintético (embora também haja provavelmente tarefas analíticas) e objectivo.

 

 

Fig. 3.1 Fases de trabalhos de inovação e sua natureza.
 


 

Embora a personalidade e comportamento de cada indivíduo privilegiem normalmente um determinado tipo de raciocínio e abordagem (há pessoas mais analíticas e objectivas, outras mais abstractas e subjectivas), é possível exercitar diferentes comportamentos sob determinados estímulos.

A psicologia do comportamento associa os aspectos emocionais, intuitivos, criativos e primários ao hemisfério direito do cérebro, enquanto os aspectos racionais, objectivos, sociais e culturais se associam ao hemisfério esquerdo (por curiosidade, refira-se que o hemisfério esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo e vice-versa).

Assim, numa fase de geração de ideias, por exemplo, gostaríamos de funcionar só com o hemisfério direito, impedindo o esquerdo de filtrar a criatividade e intuição. Já numa fase de análise precisaríamos do contrário, funcionando preferencialmente com o hemisfério esquerdo e evitando que o direito prejudicasse a racionalização e capacidade de concretização com a sua “rebeldia” natural.

Os estímulos ambientais e culturais têm uma influência muito marcante na predominância de um destes factores no comportamento social. Isso é visível no modo como as culturas de raiz calvinista-protestante formam mais frequentemente indivíduos racionais, concretos e objectivos, em comparação com as culturas de raiz católica onde predomina a emotividade, abstracção e criatividade (note-se que as diferenças entre Norte e Sul da Europa só se tornaram marcantes após a clivagem cultural estar já bem instalada). Da mesma forma, os quadros de empresas são por excelência racionais, concretos e objectivos, enquanto os artistas (por exemplo) são por definição emotivos, abstractos e criativos. Evidentemente, a relação causa-efeito (qual é a causa e qual é o efeito?) é um motivo de discussão sem solução, mas a factualidade desta observação mantém-se: há uma relação entre o ambiente sócio-cultural e a predominância do tipo de comportamento. 

Da breve discussão anterior ressalta uma conclusão óbvia: devemos dar particular atenção às técnicas resultantes da aplicação da psicologia do comportamento aos trabalhos de inovação nas fases criativas e inovadoras. A tendência do tipo de comportamento exigido pelas funções empresariais é a rotina e o raciocínio concreto e objectivo. A principal dificuldade não é desenvolver técnicas de execução e gestão de projectos, mas sim “libertar” o hemisfério direito do cérebro dos quadros empresariais e restringir o esquerdo em determinadas ocasiões.

As diferentes fases de um trabalho de inovação requerem diferentes tipos de comportamento e abordagem das situações. Podem ser utilizadas técnicas cognitivas que estimulem o tipo de comportamento necessário em cada caso.

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.