1.2

Características da Inovação

Tipologia de actividades de inovação

 

Em geral, um projecto de inovação pode envolver os processos, os produtos, os mercados ou a própria organização da empresa. Há interacções evidentes entre estas diferentes dimensões. Espero deixar claro neste livro que, para uma actividade dinâmica e sustentada de inovação em processos ou produtos, podemos ter de começar por avaliar a necessidade de inovar a própria organização da empresa, de modo a criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma criatividade orientada para a obtenção de resultados (isto é, para a inovação empresarial).

  Fig. 1.4  Áreas de inovação

Podemos também considerar vários tipos de trabalhos de inovação: desde projectos mais simples, que se destinam por exemplo a efectuar um pequeno melhoramento numa linha de produção; até projectos revolucionários, como lançar um produto totalmente inovador no mercado. Por vezes, define-se uma matriz de classificação dos projectos, de acordo com o grau de inovação (por exemplo: incremental, distintiva, revolucionária – ver Bellon e Whittington, 1996), o que é um exercício essencialmente abstracto.

Em termos práticos, é útil considerar a relação custo-risco-benefício. Há diferenças significativas do que, em média, podemos esperardesta relação consoante o tipo de projecto.

Pequenos melhoramentos nos métodos de trabalho, na organização da produção ou nos processos e equipamentos são normalmente os projectos que envolvem risco mais baixo e menores custos, mas cujo potencial é mais limitado. No entanto, não devemos esquecer que vários melhoramentos de impacto reduzido equivalem a um grande melhoramento de maior impacto ("grão a grão enche a galinha o papo"…).

Inovações em processos 

Muitas inovações em processos têm estas características: a empresa vai progressivamente adaptando melhor as tecnologias e processos à sua própria realidade e aprimora-os. Como a empresa conhece bem os processos, o grau de risco é normalmente menor. No entanto, esta área de inovação também pode envolver autênticas revoluções, quando se trata de implementar novas tecnologias processuais, aumentando muito o grau de risco, sobretudo se a nova tecnologia não for bem dominada na empresa. Aplica-se, em geral, o princípio de que quanto maior o benefício potencial, maior o grau de risco.

Inovações em produtos

As inovações em produtos estão, em geral, no outro extremo. Mesmo uma simples renovação da imagem pode ter custos elevados e o risco é sempre apreciável. Apesar do balanço custo-risco versus benefício ser usualmente mais desfavorável do que em inovações em processos, o benefício potencial é também maior – quando tudo bate certo, um único projecto de um novo produto (ou de melhoria de um existente) pode alcançar um grande impacto nas contas da empresa. Por outro lado, também podemos ter projectos pequenos de baixo risco e impacto mais limitado ligado aos produtos (renovação do visual da embalagem, por exemplo).

Inovação nas organizações 

A inovação nas organizações é, conforme dito inicialmente, um aspecto de base a considerar. A empresa pode necessitar de implementar sistemas de gestão de criatividade e inovação e metodologias adequadas para maximizar a sua capacidade de gerar e concretizar ideias, minimizar os riscos e aumentar a probabilidade de sucesso. Normalmente, o grau de risco é baixo e o impacto de um eventual insucesso reduzido. Os custos têm no entanto tendência a ser subestimados – sobretudo como resultado do factor tempo (gasto pelas pessoas envolvidas na reorganização em projectá-la, implementá-la e em apreender novos métodos de trabalho). Os benefícios são, em geral, difíceis de quantificar por envolverem muitos aspectos intangíveis (eficiência de organização, flexibilidade, rapidez de resposta, etc.).

Inovação em mercados 

As inovações em mercados envolvem habitualmente metodologias estabelecidas na maior parte das empresas. Nesta área, assume especial importância o modo como a empresa organiza o seu conhecimento dos segmentos de mercado-alvo: tendências de mercado, preferências dos clientes/consumidores e sua evolução, mecanismos (cognitivos) de selecção e preferência de produtos pelos consumidores, impacto de diversas formas de marketing e merchandising, etc. É também já do domínio comum a noção da importância da internacionalização, pela qual a empresa conquista novos mercados expandindo a sua área geográfica de intervenção.

Os métodos de desenvolvimento de trabalhos de inovação nos produtos, processos e organizações são pormenorizados no livro Inovação em Produtos, Processos e Organizações desta série. A internacionalização é também focada em maior profundidade nos livros Inovação e Desenvolvimento Internacional da Empresa  e Marketing Internacional desta série.

 

Impacto de custos, riscos e benefícios

Um grau de risco maior implica que será de esperar que alguns projectos falhem, enquanto outros serão bem sucedidos. Se uma empresa tiver vários projectos de inovação, é possível que um único que resulte bem compense as perdas naqueles que falharam. A relação custo-benefício da actividade de inovação de uma empresa só pode ser considerada no seu global e não de forma avulsa. Contudo, é evidente que a dimensão da empresa pode limitar muito esta perspectiva global: numa empresa de pequena ou média dimensão, um único projecto mal sucedido pode ter implicações dramáticas. Assim, a capacidade de arriscar é em geral maior quanto maior a empresa, pelo que esperaremos encontrar uma diferente abordagem da gestão da inovação consoante tratamos de empresas maiores ou mais pequenas. 

Podemos analisar a veracidade destas expectativas e perspectivar a realidade da inovação nas empresas a partir de dados estatísticos, disponíveis graças a uma iniciativa de grande vulto da Comissão Europeia designada “Commission Innovation Survey” (Eurostat, 1994). Com base nos resultados de milhares de empresas de diversos países (mais de 40000) de diferentes sectores, entre os anos de 1990 e 1993, temos a possibilidade de analisar os padrões gerais:

·         em média, 53% das empresas analisadas tinham introduzido pelo menos uma inovação nos 3 anos anteriores;

·         no entanto, a percentagem de empresas que tinham introduzido inovações dependia claramente de um factor: a dimensão da empresa – quanto maior a dimensão (medida em termos de número de empregados), maior a percentagem de empresas que implementaram inovações;

·         havia também diferenças significativas entre sectores industriais, mas dentro de cada sector as diferenças entre países eram negligenciáveis;

·         das empresas que haviam implementado pelo menos uma inovação, 53% tinha-o feito quer em processos, quer em produtos, 15% apenas em produtos e 32% apenas em processos;

·         em geral, as empresas com maior actividade de inovação não apresentavam melhores resultados financeiros; o benefício da inovação era essencialmente o aumento de vendas, a conquista de quotas de mercado e uma maior consistência dos resultados ao longo do tempo. Esta situação variava significativamente consoante o sector industrial e não particularmente consoante o país;

·         as empresas que só tiveram inovações em processos apresentavam melhores resultados que as que fizeram só inovações em produtos – reflectindo os maiores custos (e riscos) da inovação em produtos. No entanto, estas últimas tinham maior crescimento de vendas e de posições de mercado.

 Fig. 1.5 Percentagem de empresas com actividades de inovação no período 1990-93 por país e dimensão (em nº empregados)(Fonte: Eurostat, 1994).  

Este gráfico mostra também que, enquanto para empresas de maior dimensão não há diferenças entre países, os países do Sul têm em geral menos empresas “inovadoras mais pequenas.

Fig. 1.6 Percentagem de empresas com actividades de inovação no período 1990-93 por sector de actividade (Fonte: Eurostat, 1994).

 

 Este gráfico mostra também que os sectores “menos inovadores” são dos mais importantes nos países do Sul da Europa, o que encaixa na observação da figura anterior. “Inovar” ou “não inovar” parece depender mais do sector que do país.

Fig. 1.7 Razão entre os gastos em inovação e o volume de vendas, por dimensão das empresas (em no de empregados), para empresas com actividade de inovação (Fonte: Eurostat, 1994).

 

 Este gráfico mostra que as empresas “inovadoras” investem praticamente o mesmo (em valor relativo) na inovação, independentemente do seu tamanho – em valores absolutos, as maiores empresas têm possibilidade de efectuar trabalhos de mais elevados custos.

Fig. 1.8 Tipologia dos projectos de inovação considerados nas figuras anteriores (barras percentuais relativas ao número de empresas) (Fonte: Eurostat, 1994).

 Este gráfico mostra que pouco mais de metade das empresas efectua investigação e experimentação, indicando também que quase 1/3 das empresas apenas se envolveu em projectos relativos a melhorias nos processos produtivos, não afectando os produtos

Custos da inovação

 Em geral, a realização de projectos de inovação implica o seguinte tipo de custos:

·         investimentos em equipamento e tecnologias;

·         investigação e experimentação;

·         produções-piloto ou de teste;

·         projecto e concepção;

·         marketing;

·         outros.

O peso destas diferentes rubricas nos custos globais das actividades de inovação nas empresas está descrito na figura 1.9, para mais de 8700 empresas de 8 países da UE, conforme dados do “Commission Innovation Survey” de 1994. É importante notar que os custos do investimento em bens duradouros necessário para implementar a inovação em causa são, em média, apenas 50%  do total – as necessidades acrescidas de desenvolvimento, teste, marketing, etc. representam no seu conjunto um esforço financeiro semelhante ao do investimento em equipamentos e tecnologias. 

 

Fig. 1.9 Estrutura dos custos de inovação – média de mais de 8700 empresas europeias  (Fonte: Eurostat, 1994).  

Note-se ainda que os custos de investigação e experimentação são um pouco menos de metade dos custos totais de desenvolvimento – para além dos custos de “ser capaz de fazer”, é preciso gastar outro tanto para que o produto efectivamente “funcione” nos mercados. (Nota: os dados relativos só ao caso da Noruega, referidos em Nas e Leppahalati, 1997, conduzem também a um valor de 50% para custos de investigação e experimentação em relação aos custos totais de desenvolvimento de novos produtos.)

Inovar não é só comprar novas máquinas e desenvolver um produto não é só tê-lo pronto do laboratório.

Vemos aqui a concretização da “inovação provocada pelo mercado” mais que pelas tecnologias.

Esta análise dos custos permite concluir que na organização das suas actividades de inovação as empresas devem ter em conta a complexidade e multidisciplinaridade que a inovação bem sucedida exige e desenvolver a sua capacidade de trabalhar os mercados tão bem quanto a de trabalhar produtos e processos fabris. Esta afirmação não pressupõe que consideremos o conhecimento científico-tecnológico menos importante hoje do que antes (aliás, verifica-se o contrário). O que pretende traduzir é a necessidade acrescida de complementar esse conhecimento, dotando a inovação de uma perspectiva global e integrada, onde as necessidades do mercado são o motor do processo e onde a ciência e tecnologia são instrumentos para atingir uma resposta capaz.

Desse modo, o conhecimento “técnico” da empresa, as suas “competências nucleares”, (core competencies, como se diz em inglês ) são o elemento que lhe permite responder ao mercado com um máximo de eficácia e rentabilidade, retirando daí vantagens competitivas. Nesta perspectiva integrada da inovação, uma empresa ganha valor de diferenciação e vantagens no mercado:

·         por conseguir apreender melhor as oportunidades de mercado, interpretar mais correctamente as preferências dos clientes e definir produtos com maiores possibilidades de sucesso;

·         por conseguir transformar ideias em produtos bem sucedidos devido à sua capacidade científico-tecnológica de resolver problemas (concepção e produção), de desenvolver processos mais eficazes e rentáveis e de organizar os trabalhos “da ideia até ao mercado” de modo eficiente.

Gerir a inovação implica gerir o conhecimento de:

mercados;

processos produtivos;

soluções científico-tecnológicas;

 

metodologias eficazes para:

-          gerar ideias,

-          identificar tendências e preferências de mercados,

-          organizar trabalhos,

-          analisar opções,

-          gizar soluções,

-          implementá-las na realidade quotidiana da empresa.

Resultados da inovação

 Ao discutir o impacto dos custos, riscos e benefícios da inovação, foi referido que uma das conclusões do “Commission Innovation Survey” era que as empresas com actividades de inovação nos três anos anteriores não mostravam melhores resultados financeiros que as que não haviam efectuado qualquer inovação. A realidade parece sugerir que o benefício da inovação não é o aumento das margens de lucro em resultado de melhores processos ou produtos. 

É evidente que numa análise a 3 anos, como a do estudo referido, é possível que os benefícios de algumas inovações ainda não se tivessem feito sentir durante o período do estudo – afinal, houve certamente um investimento que era preciso recuperar e amortizar. É também evidente que a média de milhares de empresas não traduz casos pontuais e mistura quer inovações bem sucedidas quer inovações falhadas. No entanto, podemos encontrar aqui outros factores mais interessantes, como os referidos em estudos sobre estes dados (por exemplo, Nas e Leppahalati, 1997).

Também foi dito anteriormente que o benefício que parecia mais evidente, ao comparar os resultados financeiros das empresas “inovadoras” com as “não-inovadoras”, era que as primeiras tinham maiores índices de crescimento das vendas e resultados mais consistentes ao longo dos anos (isto é, menos dados a flutuações).

De facto, podemos aceitar que uma empresa não aumente os seus resultados financeiros (sobretudo a curto-médio prazo) por investir em actividades de inovação. A inovação tem custos e riscos que podem ser elevados, e entre sucessos, insucessos, investimentos, amortizações, etc. obter um resultado líquido financeiro que não seja negativo já não é mau. Claro que, se assim fosse, as empresas inovavam para quê? O que podemos estar a verificar é que as empresas aproveitam a inovação para consolidar a sua posição competitiva no mercado, conquistando quotas e reforçando a sua imagem e posicionamento junto dos clientes. Diríamos que as empresas parecem utilizar a inovação não para melhorar a rentabilidade de capitais, mas como uma arma na “batalha competitiva” dos mercados.

Uma vez mais, estamos a constatar a tal “inovação movida pelos mercados mais que pelas tecnologias”. Na inovação movida pelas tecnologias, conseguimos baixar custos ou aumentar a produtividade com novas soluções tecnológicas e ganhar mais dinheiro por isso; ou então, desenvolver um produto novo que mais ninguém faz e que se torna num sucesso de mercado, lucrando muito com isso: o objectivo é essencialmente aumentar as margens de lucro e os resultados da empresa. Na inovação movida pelos mercados, há outras “regras de jogo”. O que estamos a tentar é ultrapassar os outros ou evitar que eles nos ultrapassem. Temos receio de ficar a ver as vendas a cair ano após ano, os preços, ainda por cima, a teimar em fazer o mesmo e, apesar disso, constatar uma dificuldade cada vez maior em fechar negócios de venda. Tal sucederia porque, enquanto nós julgávamos possuir um óptimo produto e um negócio assegurado, outros haviam sido capazes de fazer o mesmo que nós mais barato, e depois até melhor e ainda assim mais barato. Tínhamos sido ultrapassados.

Portanto, a inovação movida pelos mercados não significa apenas que a evolução dos mercados cria novas oportunidades de negócio que podemos explorar: a avaliar pela generalidade dos resultados do “Commission Innovation Survey”, significa também em grande parte que a dinâmica dos mercados e a evolução das exigências e preferências dos clientes obriga à inovação contínua e sistemática para garantir a própria sobrevivência a prazo. A inovação torna-se assim um requisito básico, não uma opção de investimento.

Não posso escrever uma frase como esta sem chamar a atenção para a diferença entre as médias e os casos específicos – não devemos aplicar regras gerais indiscriminadamente. Se a inovação pode ser um requisito fundamental provocado pela dinâmica dos mercados, então a dinâmica da inovação terá logicamente de ter um ritmo paralelo à dos mercados. Por outras palavras, as necessidades e características da inovação variam muito de sector para sector e de acordo com o(s) segmento(s) de mercado trabalhado(s) pela empresa. Isto explica a diferença entre sectores descrita na figura 1.6 Não é verdade que as empresas que tenham menos actividade de inovação estejam a cometer um erro face a outras mais inovadoras, no abstracto – um erro seria uma empresa ter substancialmente menos actividade de inovação que outras suas concorrentes.

 

Custos da não-inovação

 

Não inovar tem a grande vantagem de diminuir os riscos e certamente que é, no curto prazo, uma opção mais atraente para conter custos. Consequentemente, empresas com necessidade de esmagar as suas margens de lucro têm tendência a cortar na inovação. Se está em causa a sobrevivência a curto prazo, há que tomar medidas que privilegiem o curto prazo, esperando que, caso se consiga sobreviver, venham “melhores dias”. Donde, esperaríamos que o investimento em actividades de inovação variasse ciclicamente com o estado geral da economia. No entanto, os dados do “Commission Innovation Survey” não parecem reflectir essa ideia. O facto de a generalidade das empresas baixar a dinâmica de inovação em períodos recessivos é de alguma forma compensado por outras que aproveitam a oportunidade para ultrapassar os concorrentes mais estáticos, por terem reservas que o permitam ou por tentarem dar “um salto em frente” que as liberte de uma lógica deterioradora de margens e de capacidade de resposta, arriscando tudo nisso.

Poder-se-ia pensar que não inovar implica prescindir de aproveitar novas oportunidades, mas isso pode não ser particularmente grave. O principal custo da não-inovação é perder progressivamente posições de mercado e valor dos produtos até à falência final. Esse processo é inevitável, mas terá uma duração maior ou menor dependendo da dinâmica dos mercados trabalhados e dos concorrentes nesses mercados.

Para muitas empresas de pequena dimensão, sobretudo em sectores tradicionais, põe-se portanto um dilema evidente: aumentar custos e riscos é uma receita para o desastre; diminuí-los ao máximo, estrangulando a inovação, é outra receita para desastre. Onde está o equilíbrio? A resposta evidente é que cada empresa terá o seu, que depende das suas condições internas, das suas competências, da natureza do negócio, da missão da empresa, do sector em que labora e dos mercados que trabalha.

Gerir a inovação implica gerir o conhecimento da realidade específica da empresa tão bem quanto o conhecimento das realidades externas.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.