5.3
PRIVATIZAÇÕES, DESREGULAMENTAÇÃO E CONCORRÊNCIA

Sendo certo que cada um destes conceitos tem autonomia e vale por si mesmo com consequências económicas específicas, a verdade é que a evolução das leis económicas nacionais na última década, em particular depois da queda do Muro de Berlim, as ligou de um modo indissociável.
O Relatório do Desenvolvimento Humano 1998 lembra que privatizar não é desregulamentar e que desregulamentar não é assegurar a concorrência. A experiência dos países do Centro e Leste Europeus é, a este propósito, elucidativa e provocou enormes perturbações na passagem do sistema de direcção central ao sistema de mercado.
Não se entendeu, inicialmente, que privatizar é apenas transferir a propriedade do Estado para os privados, mas sem qualquer alteração da estrutura dos mercados.
Assim, ao privatizar-se um monopólio público ele passava a ser monopólio privado, com todos os vícios e capacidades de exploração que este potencia. Não deixou de ser monopólio nem assegurou a concorrência. Pior do que isso: por vezes a privatização concretizou-se segundo esquemas pouco claros que definiram mal os direitos de propriedade, dando origem a apropriações indevidas ou a situações confusas que, a todo o momento, podiam motivar perdas de direitos significativos.
A consciência de que esta situação não era aceitável levou à ideia de quebrar os monopólios legais estabelecidos, liberalizando a entrada, através do que foi genericamente designado por desregulamentação, querendo com isto significar o desagravamento do peso das leis e dos regulamentos no funcionamento dos mercados.
Admitiu-se que tal conduziria inevitavelmente à concorrência, mas depressa se constatou que isso não se verificou nalguns tipos de mercado, porque as condições de entrada não o permitiram.
Isto significa que a concorrência tem que ser permanentemente cuidada e que em muitos casos apenas pode ser aproximada, exigindo mesmo uma regulação, não uma regulamentação, ou seja, a existência de processos de intervenção que evitem o abuso das empresas instaladas.
Esta descrição, porventura demasiado pormenorizada, pretende apenas mostrar que muitas das "entradas" de projectos internacionais se deram ou podem vir a dar, pois é natural que em muitos países em desenvolvimento venham a ocorrer privatizações em número apreciável, em ambiente efervescente, com estruturas de mercado a sofrer modificações por via legal, e em que as condições iniciais de negócio se podem transformar radicalmente.
Este facto aponta para a necessidade de o gestor internacional avaliar bem quer a estabilidade dos direitos de propriedade - e condições de governação que deles decorrem - do seu empreendimento, quer as modificações estruturais que podem advir da alteração do ambiente legal, e que poderão suscitar uma inesperada concorrência ou condições regulatórias para as quais não estava preparado. Estas últimas, em particular, podem ser extremamente difíceis de defrontar nalguns países em que a fraca experiência das entidades reguladoras leva-as a adoptar, dentro da tradição, uma postura demasiado inquisitorial que perturba fortemente a actividade negocial.
Noutro plano, a desregulamentação sem preocupação pelo estabelecimento simultâneo de regras equilibradas de concorrência pode originar uma situação de concorrência desleal, com um total desrespeito pelas leis ambientais, laborais e de segurança que coloque a empresa que as respeita em situações críticas.
Conhecer as regras de concorrência (ou a ausência delas), incluindo as leis anti-trust aplicáveis a operações de concentração, sobretudo fusões e aquisições, é outra ferramenta essencial para o gestor. Na União Europeia, as regras de concorrência estão estabelecidas desde o Tratado de Roma através dos Artigos 85º e 86º, e no Regulamento de Concentrações, mais difícil de concretizar, que está em aplicação desde Setembro de 1989, mas com a abertura para modificações que ficou estabelecida desde o seu início.
Em Portugal existe também uma Lei de Concorrência que incorpora o problema das concentrações em sintonia com as leis e regulamentos comunitários.
Nos Estados Unidos da América, desde o Sherman Act, há cerca de 100 anos que a política anti-trust e, mais genericamente, a política de concorrência vem sendo activamente desenvolvida.
Apesar de todas estas "seguranças" jurídicas, é bem conhecido o diferendo que a sua aplicação em concreto gera, como tem sido exemplarmente evidenciado no caso Microsoft.
Imagine-se a insegurança que pode decorrer para o gestor de um ambiente em que a concorrência não é defendida, ou de outro em que as regras não são claras ou, ainda, de um terceiro em que as regras existem mas a sua aplicação não é vigiada.
Escusado será chamar de novo a atenção para o facto de estar à prova a arte do gestor em se adaptar às circunstâncias, sem esquecer o ambiente cultural em que se insere e a abordagem ética que escolhe.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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