Como já referimos, citando Haider Khan, as tecnologias de informação abriram as portas à era digital, a que alguns já chamam uma "nova economia".
Independentemente da celeridade da sua difusão e da profundidade de alteração estrutural que daí advenha, está fora de questão, para um gestor consciente, não assumir como variável integradora de decisão do seu projecto internacional esta nova realidade, que possibilita novas expressões de organização empresarial de que a rede, que já mencionámos citando, designadamente, Rosabeth Kanter, é uma expressão genuína.
Se é verdade que há laivos de exagero na representatividade actual da economia digital (é bem revelador o título de um recente artigo de
The Economist - "The New Economy - E-xaggeration: the digital economy is much smaller than you think"), convém também não descurar a sua assombrosa taxa de crescimento.
De facto, ninguém pode ignorar que a "economia digital" tem um ritmo de crescimento muito superior ao resto da economia, o que a levará a representar uma porção relevante do PNB, sobretudo nos países desenvolvidos, mesmo que não nos devamos esquecer, sobretudo em países em fases de menor desenvolvimento, que a "economia material" continuará a ter um quinhão significativo e, na generalidade, crescente em termos absolutos.
O mérito maior de um gestor internacional será o de conseguir fazer a síntese óptima entre as duas vertentes da economia (Bill Gates parece, aliás, querer dar o exemplo com os seus recentes investimentos em indústrias clássicas ou mais neutras, mas materiais, como é o caso da construção naval, do tratamento de resíduos, das minas e das utilidades).
É que, nos antípodas do exagero poderá estar uma visão reducionista que impede a visão realista de que estamos na presença de um "sector" profundamente inovador que tem que ser integrado, numa nova lógica
estruturante da economia.
Na verdade, toda a actividade económica tem como factor essencial a informação, pelo que a
economia digital, como expressão da disponibilidade de novas e mais baratas formas de produção, aquisição e tratamento da informação, obriga todos os sectores produtivos (e até os consumidores, enquanto a informação se assume, em certas condições, como "um produto final de consumo") a
confrontarem-se com esta nova oferta.
Este confronto implica a possibilidade do reequacionamento das suas funções de produção e vendas,
sugerindo-lhes (ou impondo-lhes mesmo) uma transformação tecnológica e organizacional.
Há, então, certas características de novidade na economia digital a que o gestor internacional não pode deixar de prestar cuidadosa atenção, pela influência que têm sobre a noção de distância, quer seja temporal quer física, para além das alterações de custos relativos:
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A desmaterialização da
economia, que se traduz pela passagem de uma situação em que a informação e a matéria estavam habitualmente no mesmo local, porque a informação estava ligada a um suporte material sem o qual não existia, para uma outra situação em que a informação se autonomiza,
distanciando-se dos fluxos materiais e dos bens ou serviços a que é
referida.Transforma-se, por isso, numa
activo potencialmente transaccionável, adquirindo um
valor que muitas vezes supera o de suporte material que precedentemente a continha.
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É isto, afinal, a sociedade do
saber, caracterizada por uma incorporação crescente deste no valor final dos bens e serviços, e que acarreta uma outra faceta da desmaterialização - concretizada no facto de os bens incorporarem relativamente menos massa para realizarem a mesma função.
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Se as economias de escala continuam a ser importantes, o que marca decisivamente são as
economias de rede, que constituem mais um fundamento para o incremento das redes empresariais e para uma nova filosofia da organização empresarial.
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A economia digital está na base da alteração dos padrões das relações económicas
internacionais, já que muitos serviços, que eram considerados bens não transaccionáveis, passam a ser internacionalmente transaccionáveis, ganhando uma mobilidade bem superior às mercadorias.
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A circulação de capitais ficou ao alcance de um
"clic", permitindo reafectações quase instantâneas, desafiando todos os equilíbrios e regulações vigentes nos mercados financeiros.
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As estruturas empresariais são abaladas também pela assunção da lógica de que a propriedade não é necessária para assegurar a cooperação de outrem,
diluindo a força dos compromissos estabelecidos, abrindo a porta àquilo que já se chamam
empresas descartáveis, que encontram ainda maior legitimação no enorme encurtamento do ciclo dos produtos.
Tudo isto arrasta uma maior taxa de mortalidade empresarial, potenciando a diluição dos laços típicos das comunidades empresariais clássicas, pondo em causa o conceito tradicional de
cultura de empresa.
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Esta diluição põe um paradoxo à utilização do factor considerado essencial no contexto da sociedade do saber, o
capital humano. É que as pessoas que têm mais condições de fidelidade à empresa são as que menos interessam por, alegadamente, não serem portadoras do saber e da capacidade inovadora; as que mais interessam têm "asas demasiado grandes" para impedir o seu voo, o que põe em questão não só os direitos de propriedade do capital humano, mas também a investigação de novos esquemas para incentivar a "fidelidade".
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Por último, o instrumento decisivo da economia digital, a
Internet, constitui um novo espaço de cooperação e de competição que ultrapassa as formas geográficas tradicionais e faz repensar toda a lógica da globalização.
O gestor internacional tem que considerar todas estas novas realidades que alteram o quadro geográfico do seu raciocínio em termos de projecto internacional e tem que se preparar para o defrontar pois, como dizia alguém com propriedade:
"entrar para a Internet não é fácil, não é barato e… não é opcional."
Sendo certo que a Internet atravessa toda a vida das pessoas com vantagens e perigos que não podem ser ignorados, importa aqui salientar a importância que assume no conjunto de actividades negociais, fundamentalmente
através de dois tipos de efeitos e dois planos diferentes de negócio.
No que diz respeito aos efeitos, há que distinguir a substituição de serviços existentes da
criação de novos bens e serviços. O primeiro tipo corresponde a um desvio de actividades dos "mercados tradicionais" para um novo mercado geográfico, com geração quase instantânea de inesperada concorrência em mercados locais julgados protegidos.
A criação é vista essencialmente como positiva, mas como é inovadora não está uniformemente repartida pelo globo, provocando eventuais agravamentos de assimetrias.
No plano dos negócios, o grande relevo tem sido dado ao comércio
electrónico, que ameaça reconfigurar muitos dos processos de aquisição/venda. Ao mesmo tempo, reclama novas configurações de logística e distribuição que constituem novas oportunidades que, de algum modo, podem materializar os
efeitos de compensação relativamente ao seu papel de substituição de negócios precedentes.
Mas, a nosso ver, os efeitos fundamentais que o gestor não pode ignorar situam-se na própria
organização negocial, desde as relações das empresas até à sua governação - e mesmo definição - passando pelas novas características do trabalho e pela natureza dos vínculos laborais.
Em particular, no que toca à governação empresarial, há que investigar novas formas de integrar valências humanas crescentemente relevantes e autónomas, derivadas de competências pessoais e específicas tantas vezes incompatíveis com
modelos de gestão hierárquicos e autoritários, para se conseguir ser competitivo num mercado muito aberto pela "aquisição" (ainda por cima ameaçadoramente precária dessas competências).
Em resumo, o gestor internacional tem um "novo espaço" de decisão que deve aprender a gerir, de contornos não tradicionais, sabendo que ele desafia todos os laços culturais e sobretudo os posicionamentos éticos, bem patentes nas ameaças de
info-exclusão quer de uma grande maioria da população mundial, quer de uma boa parte das PME que não consigam
preparar-se para entrar nesta rede mundial.
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