Se, como vimos, o conceito de Inovação é passível de diversas leituras, tendo vindo gradualmente a alargar-se em termos de amplitude e campo de aplicação, o mesmo se pode afirmar relativamente à Qualidade. Trata-se de um conceito que remonta aos tempos mais antigos, como o comprovam, por exemplo, os esquemas de planeamento e inspecção empregues na construção das pirâmides no Egipto. Contudo, e cingindo-nos agora aos tempos mais recentes, é de referir que a tónica da Qualidade no início do século XX se situou na inspecção do produto acabado, evitando-se, com isso, a entrega de não conformidades ao cliente. Visa-se assim, acima de tudo, produzir o mesmo, sempre e cada vez mais o mesmo - numa atitude de certo modo antagónica ao próprio espírito de Inovação - para um ambiente de massificação da produção, e que encontra no modelo Ford T um dos seus expoentes máximos. |
Três motoristas encontram-se com S. Pedro às portas do
Céu, que lhes pergunta qual o tipo de carro que possuíam em vida. "Um Packard" respondeu o primeiro. "Tiveste obviamente uma vida muito fácil," comentou S. Pedro. "Vais directo lá para baixo. E tu?" perguntou, dirigindo-se ao segundo condutor. "Eu tive um Cadillac" foi a resposta orgulhosa. "Luxúria e decadência!" gritou S. Pedro. "Também tu vais lá para baixo." Finalmente, dirigiu-se ao terceiro elemento que, tremendo que nem varas verdes, lhe respondeu: "O meu carro era um Ford T". "Tu entras para o Céu, meu filho, pois já sofreste o Inferno na Terra." |
Henry Ford fundou a Ford Motor Company em 1903,
lançando em 1908 no mercado o Modelo
T, que viria a ser o primeiro automóvel fabricado
em grande escala no mundo. Numa época em que o preço médio de um automóvel rondava os
2500 dólares, o Ford T mais barato custava apenas 835 dólares. O segredo de Ford residia
em métodos de produção mais eficazes, que permitiam que a montagem do automóvel
demorasse apenas algumas horas. Após uma visita aos matadouros de Chicago, onde as
carcaças se deslocavam através de um sistema de correntes e o operário se mantinha fixo
no seu posto de trabalho, Ford introduziu, em 1913, o sistema da linha de montagem. No
final de 1914, o sistema já era aplicado ao fabrico integral do veículo, permitindo
alcançar economias consideráveis em tempo e trabalho. À semelhança das carcaças no
matadouro, o chassis movia-se, passando por cada um dos postos de trabalho onde eram
incorporadas peças específicas. Cada operário executava uma só tarefa e o ritmo era
marcado pela velocidade de andamento da própria linha. A especialização e decomposição do trabalho em tarefas elementares foi um dos trunfos de Ford, que viu as suas fábricas produzirem 15 milhões de carros Modelo T. Em 1927, após a saída das linhas da viatura 15007033, a produção era encerrada, e o Ford T conquistava o seu lugar na história da indústria automóvel como o carro que mudou o mundo, democratizando a sua utilização. Esta filosofia industrial foi acompanhada de uma reduzida diversidade de opções - ficou célebre a afirmação proferida por Henry Ford de que "o cliente pode escolher um Ford T da cor que quiser, desde que seja preto!". |
Fonte: "Great
Cars: Ford
Model T", Australian Classic Car, |
Por volta dos anos
30, começa-se a concluir que situar a Qualidade em torno da inspecção do produto
acabado se estava a tornar manifestamente insuficiente. Inicia-se assim uma
segunda fase de evolução da Qualidade (figura 1.1), em que a inspecção é
complementada por uma atitude de natureza mais preventiva, baseada em metodologias de
controlo estatístico. |
FIG. 1.1
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(As datas apresentadas são meramente indicativas, uma vez que a transição entre fases acontece de forma gradual ao longo do tempo, e de modo assíncrono em diferentes partes do globo ou sectores de actividade). |
Em Portugal, ainda que com algum atraso face a outros países, tem-se assistido igualmente a um progresso notável em termos de cultura e prática da Qualidade, sendo de assinalar alguns dos marcos históricos mais relevantes. |
1929 - Criação da CEP (Comissão Electrotécnica Portuguesa) |
1948 - Criação da IGPAI (Inspecção Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais) |
1949 - Adesão à ISO (Organização Internacional de Normalização) |
1952 - Criação do CN (Centro de Normalização) |
1969 - Criação da APQ (Associação Portuguesa para a Qualidade) |
1977 - Criação da DGQ (Direcção Geral da Qualidade) |
1983 - Criação do SNGQ (Sistema Nacional de Gestão da Qualidade) |
1986 - Criação do IPQ (Instituto Português da Qualidade) |
1993 - Alteração do SNGQ para SPQ (Sistema Português da Qualidade) |
1996 - Criação da APCER (Associação Portuguesa de Certificação) |
1999 - Criação da CERTIF (Associação para a Certificação de Produtos) |
Fonte: Guia Repertório da
Garantia da Qualidade, pág. 8. |
Uma abordagem
clássica à Inovação situa esta numa grande proximidade da tecnologia, o mesmo
sucedendo no que diz respeito à Qualidade relativamente à Satisfação do Cliente (na
óptica do utilizador) ou à Conformidade com Especificações (na óptica da
normalização), pilares fundamentais a que, por vezes, o senso comum ainda hoje limita o
conceito de Qualidade. |
"o conjunto de propriedades e características de uma entidade que lhe conferem aptidão para satisfazer necessidades explícitas ou implícitas." |
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Assiste-se,
portanto, a um progresso do conceito que, à semelhança do sucedido no campo da
Inovação, deixa claramente de se resumir ao produto, para passar a incluir de forma
decisiva pessoas, processos, e estruturas. Desta transformação e alargamento de
significado nascem igualmente novas designações, como Excelência e Qualidade Total,
apresentada por Feigenbaum (1956) |
"sistema organizacional que integra o desenvolvimento, a manutenção e a melhoria da qualidade efectuados por diferentes grupos internos e externos à empresa com o objectivo de garantir que o projecto, o fabrico, a comercialização e o serviço após-venda sejam efectuados ao menor custo, tendo no entanto como objectivo permanente a obtenção da total satisfação do cliente". |
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Face à dinâmica
de mudança e aceleração que marca os tempos modernos, sentida de forma particularmente
intensa no que concerne a mercados e concorrentes, uma segunda tónica dominante tem vindo
a ganhar terreno no Universo da Qualidade. Diz respeito à permanente necessidade de
melhoria no seio das organizações, que conduz ao progresso, renovação e mudança,
através de uma adequada gestão de processos, recursos, estruturas e pessoas - ao invés
das preocupações iniciais, de manutenção do status quo por via da inspecção. |
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Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999 Edição e Produção Editorial: Princípia. Execução Técnica: Cast, Lda. |