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O PROBLEMA DA "GLOBALIZAÇÃO"

O termo "globalização" aparece na gíria económica com uma força avassaladora bem traduzida na profusão de publicações sobre "empresas globais" e "gestão globalizada", sendo aceite como inelutável por aqueles que a contestam. Particularmente sugestivo é o título de um livro de W. Greider (1997), One World, Ready or Not, com o subtítulo The Manic Logic of Global Capitalism, que encerra a inevitabilidade da globalização, ao mesmo tempo que identifica criticamente as suas origens.
Greider exprime com precisão a plasmação mundial dos espaços económicos ao relevar a estratégia de investimento das empresas transnacionais que, levando à constante dispersão dos elementos produtivos através de muitas nações, oblitera o entendimento tradicional do comércio. E, no entanto, a maioria dos economistas e dos políticos (embora muitos deles saibam mais do que isso) continuam a descrever o sistema global de comércio em termos que a opinião pública possa perceber, isto é, um conjunto de nações vendendo e comprando coisas umas às outras. Todavia, à medida que o comércio mundial tem crescido, o papel tradicional dos mercados nacionais é crescentemente eclipsado por um sistema alternativo: o comércio gerado no interior das empresas multinacionais (vamos manter, por ora, esta designação que foi, neste ponto, a utilizada por Greider), através das importações e exportações que fazem entre as suas diversas subsidiárias.
Esta sua descrição leva-o a reconhecer existir inclusivamente um problema semântico, na medida em que (como nós pretendemos evidenciar neste capítulo) as velhas designações por categorias de nações estão confundidas ou obsoletas, como é o caso de "Terceiro Mundo" ou mesmo de "Ocidente".
Considera, finalmente, e esta é uma das categorias distintivas da globalização, que

Próximo conceito

O que se está a formar agora (a Globalização) é essencialmente um sistema económico de interdependência desenhado de modo a ignorar as prerrogativas das nações, mesmo as das mais poderosas.

Esta tentativa de definição de globalização põe ênfase na ultrapassagem das nações enquanto agentes prioritários do sistema económico actual, apontando implicitamente para outros, tais como empresas e grupos económicos e financeiros, esse papel de liderança.
E, em nosso entender, a globalização é sobretudo o resultado de acções estratégicas, mesmo que possibilitadas por desenvolvimentos tecnológicos e políticos. Devemos, pois, procurar descrever o seu aparecimento e a sua consolidação através dos diferentes graus de evolução estratégica das empresas, a partir da natureza dos movimentos de internacionalização.
Assim, encontramos três níveis de complexidade crescente em direcção à concretização da globalização, coincidentes, aliás, com a evolução temporal e geográfica das estratégias empresariais:

  • 1º - dispersão geográfica das empresas, correspondente à lógica de actuação das multinacionais, que se localizam em diferentes mercados nacionais, eventualmente com respeito por algumas peculiaridades desses mercados, que de algum modo continuaram disjuntos. É uma situação ainda de "internacionalização", constituindo uma fase necessária para a expressão da globalização, mas que não contém os elementos relevantes desta.

  • 2º - globalização na óptica do produto, em conjunto com o aprofundamento da dispersão geográfica, de que é exemplo paradigmático a cadeia McDonald's. É uma estratégia tendente à ocupação potencial de todo o globo com produtos idênticos, assumindo (ou impondo?) um gosto universalizado. É um passo em frente e decisivo no "preenchimento" do conceito de globalização, na medida em que se pretende criar e fazer consumir o "produto mundial", ultrapassando e, até, eliminando diferenciações a que as características locais fariam, eventualmente, apelo.
    Neste caso, a globalização é concretizada, no essencial, do lado da procura, uma vez que não está ainda em causa nem o completo domínio dos circuitos produtivos, nem a sua integração total.
    Greider descreve lapidarmente esta estratégia da McDonald's: 

"De Kuala Lumpur a Moscovo, a empresa age como um batedor avançado da revolução global, de algum modo capaz de detectar a emergência de rendimentos disponíveis antes que outras empresas o façam."

  • "3º - globalização da produção que se traduz por uma produção de bens e serviços distribuída potencialmente por todo o mundo, não concentrando em cada um dos diversos mercados "segmentados" todas as operações conducentes ao produto final, mas dispersando-as em consonância com critérios de acessibilidade de recursos, know-how, localização de clientes, facilidades financeiras e fiscais, coordenando-as - em ordem à obtenção do melhor custo para os padrões de qualidade definidos - em pontos específicos e dinamicamente mutáveis de "aglutinação" ou "montagem" do produto final a oferecer. 
    Este é um processo final que acaba por unificar, de algum modo, o mercado mundial ou, pelo menos, por mostrar que uma empresa não está mais constrangida na sua produção pela existência de mercados "segmentados", mesmo em relação aos factores de produção. Trata-se, na expressão de Akio Morita, ex-Presidente da Sony, da verdadeira "localização mundial".
    Note-se que a concretização absoluta deste nível de globalização exigiria a extinção de barreiras institucionais à circulação de bens, serviços, capitais e pessoas (as "quatro liberdades" do Tratado da União Europeia) e a não distinção entre nações e "nacionais", motivando a alteração de designação de empresas multinacionais (em várias nações e, habitualmente, com uma nação de origem que as adjectivam) para empresas transnacionais (para além das nações), sempre que se estejam a referir empresas com as características explicitadas nas 2ª e 3ª fases da globalização.
    Por outro lado, esta globalização pode coexistir quer com o mercado unificado do lado da procura, quer com adaptação a diferentes segmentos de clientes.

Em resumo, 

Próximo conceito

a globalização é a fase mais aprofundada dos processos de internacionalização, ultrapassando mesmo este conceito ao destruir a prevalência das inter-relações entre nações que lhe está subjacente, através da endogeneização dessas relações que "homogeniza" o conjunto das nações.

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.