O modelo mais simples de vantagens comparativas descrito no ponto precedente pode ser complicado com a introdução de mais de dois bens e com os custos de transporte ligados ao comércio quando relativamente significativos. Contudo, as principais conclusões não sofrem alterações substantivas, embora sofram naturais qualificações adicionais.
Assim, enquanto no modelo com dois bens nos centramos na procura relativa desses dois bens, quando incluímos mais de dois bens temos de nos focar directamente na procura relativa de trabalho (afinal, o recurso comum e, portanto, assumindo o papel de métrica do problema), de modo a podermos determinar os salários relativos.
Além disso, da introdução de custos de transporte no modelo pode resultar não ser vantajoso o comércio de alguns bens. Aliás, é intuitivo que custos de transporte relativamente elevados funcionam quase como "barreiras alfandegárias", pois, tal como elas, tendem a separar os países.
De qualquer modo, persiste o problema que suscita as críticas mais duras - o da repartição dos ganhos - e que não é eliminado mesmo quando passamos para modelos mais complexos.
O passo seguinte na literatura, para o qual contribuiu significativamente P. Samuelson, é o chamado
Modelo com Factores Específicos, que permite evidenciar a já referida existência de ganhadores e perdedores dentro de cada país em resultado do comércio internacional.
Este, tal como o modelo ricardiano simples, descreve uma economia em que apenas se produzem dois bens a partir de uma afectação eficiente do factor trabalho que se reparte entre ambos. Tem, contudo, uma característica adicional - a de permitir a inclusão de outros factores produtivos, com a diferença de serem específicos, isto é, só podem ser utilizados na produção de alguns bens, enquanto o trabalho é um
factor móvel entre todos os bens.
Para o ilustrar, admitamos que uma dada economia produz trigo e vestuário, sendo os factores de produção do primeiro
terra e trabalho e do segundo
capital e trabalho. A terra aparece, assim, como factor específico de produção do trigo e o capital como factor específico de produção do vestuário, não competindo entre si, enquanto o factor trabalho é comum às duas produções que, em consequência, competem entre si pelo uso desse factor escasso. Por isso, para estudarmos as possibilidades de produção basta determinarmos quais as mudanças das combinações produtivas em função do deslizamento do factor trabalho entre os dois tipos de produção. Na verdade, é este que vai determinar as combinações produtivas no país porque é o factor que pode deslocar-se entre os dois produtos, impondo-se naturalmente que, em equilíbrio, o salário seja igual em ambos os sectores de produção.
Ora é sabido que, em equilíbrio, o salário se obtém multiplicando a produtividade marginal pelo preço unitário do produto. Então:
St = Pmt x pt e Sv = Pmv x pv, sendo^
-
St e Sv os salários na produção do trigo e do vestuário, respectivamente;
-
Pmt e Pmv as produtividades marginais do trabalho na produção do trigo e do vestuário, respectivamente;
-
pt e pv os preços unitários do trigo e do vestuário, respectivamente.
Em equilíbrio, como lembrámos, os salários são iguais, pelo que a condição desse equilíbrio pode ser escrita na forma:
-Pmt/ Pmv = -pv/ pt, isto é,
a afectação óptima obtém-se no ponto em que a recta cujo declive é o simétrico da razão dos preços é tangente à
fronteira de possibilidades de produção.
Notemos, entretanto, que o que descrevemos até aqui é o que se passa numa dada
economia. O nosso problema é, agora, saber como é que o comércio internacional altera a situação autárcica.
Como é evidente, as dotações dos diversos países nos chamados factores específicos são muito variadas e conduzem a diferenças significativas nos preços dos diversos produtos, funcionando estas diferenças como a força motora do comércio internacional.
Daí nascem diferentes especializações de exportação, verificando-se que os factores específicos ligados às exportações ganham com o comércio internacional, enquanto os factores específicos conexos com os sectores importadores perdem com esse comércio.
Sem surpresa, o factor móvel, porque pode movimentar-se entre os dois tipos de sectores, pode ganhar ou perder.
Estes resultados (cuja justificação aprofundada pode ser vista, por exemplo, em P. Krugman e M. Obstfeld, 1997) revelam com maior clareza os efeitos assimétricos do comércio internacional sobre a distribuição do rendimento, com ganhadores e perdedores, mesmo reconhecendo que o "jogo" é de soma positiva, isto é, que o conjunto ganha. E é importante que se reconheça que essa desigualdade se gera no interior de cada país envolvido no comércio mundial, originado naturais e legítimas reacções negativas à abertura a esse comércio por parte dos perdedores e uma defesa incondicional por parte dos ganhadores. Este facto foi bem visível em Portugal, no período que antecedeu a entrada nas Comunidades Europeias, tendo-se assistido à defesa da entrada por parte dos sectores exportadores e a uma resistência à entrada por parte dos importadores e dos sectores protegidos.
É claro que as resistências ao comércio internacional se atenuariam caso existissem mecanismos de compensação que transferissem parte dos ganhos dos mais favorecidos por esse comércio para os perdedores. Mas esses mecanismos não são automáticos e raramente são encarados neste contexto, pelo que o argumento dos efeitos desiguais do comércio internacional é muitas vezes invocado como defesa contra a sua concretização sem condições.
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