3.6
RENDIMENTOS CRESCENTES, CONCORRÊNCIA IMPERFEITA E COMÉRCIO INTERNACIONAL

Todos os modelos até aqui desenvolvidos tinham por base a hipótese de que os rendimentos de escala eram constantes, isto é, a dimensão da produção não era relevante, o que permitia não só colocar os países, à partida, em pé de igualdade, mas também criar uma das condições relevantes para a existência de mercados em concorrência.
A realidade, designadamente graças ao progresso tecnológico, revela-se bem diferente, apresentando várias tecnologias de produção com economias de escala.

Próximo conceito

Diz-se que uma tecnologia de produção apresenta economias de escala quando o custo médio de longo prazo é decrescente até uma dimensão significativa. Isto significa que unidades produtivas de maior dimensão têm possibilidades de atingir custos de produção mais baixos que as de menor dimensão, criando-se uma vantagem competitiva potencial para as unidades maiores.

Como é evidente, a presença de tecnologias com estas características rompe com a neutralidade da dimensão e, portanto, com a igualdade à partida de todos os países, em particular se as economias de escala atingirem extensões tais que ultrapassem a dimensão do mercado doméstico de alguns desses países. Por outro lado, como sabemos, este aumento de dimensão leva à concentração no mercado e à ameaça potencial de um poder de monopólio ou de oligopólio, corroendo os raciocínios baseados na livre concorrência explicitamente presente na explicação das razões e das vantagens do comércio internacional.
Além disso, há que não confundir economias de escala com economias de utilização de escala, tendo estas a ver com a diminuição do custo médio de curto prazo. De facto, não é infrequente caracterizarem-se as economias de escala pela diminuição dos custos médios à medida que se aumenta a produção. Só que isto nada tem a ver com economias de escala, mas com o facto de, independentemente da escala, quando uma unidade está a trabalhar abaixo da capacidade económica (mínimo do custo médio) e consegue aumentar a sua produção baixa naturalmente o custo médio, por ter utilizado melhor a escala escolhida, aproximando-se das condições ideais projectadas. Contudo, este facto não deixa de ser relevante na cena internacional, designadamente quando se instalaram escalas que se revelaram exageradas, incitando a comportamentos que, no âmbito do comércio internacional, são alegadamente anti-concorrenciais.
Acresce ainda que as economias de escala que vimos referindo são internas, isto é dependentes apenas das características das unidades produtivas, independentemente da sua localização. 
Contudo, existem também as chamadas economias de escala externas, que se caracterizam pela dependência do custo unitário de produção, não da dimensão da unidade produtiva, mas da dimensão global da indústria em que está inserida. É de novo um problema de dimensão que vem questionar as hipóteses subjacentes aos modelos desenvolvidos, mas de uma maneira diferente das economias de escala internas. Só para retermos uma diferença potencial, basta notar que as internas podem ser uma ameaça à concorrência, ao contrário das externas que em princípio não o são porque podem conseguir-se com muitas unidades de produção de dimensão relativamente reduzida. Estas últimas não têm sido objecto de um estudo aprofundado no âmbito da economia internacional, situando-se muito na lógica das economias de aglomeração que, de novo, reclamam particular atenção ao estudo da geografia económica, designadamente dos modelos de localização das actividades, no sentido de aprofundar as suas relações de "causa-efeito" (porque as influências são bilaterais) entre a localização e a competitividade nos mercados mundiais.
Finalmente, há que ter presente que o comércio mundial é caracterizado pela diferenciação de produtos, isto é, pela enorme variedade de substitutos próximos que se trocam e que estão radicalmente omissos nos modelos clássicos, para os quais o preço é a única variável relevante.

São estas facetas da produção e das estruturas de mercado e suas influências nos padrões e nos efeitos do comércio internacional que se aflorarão neste subcapítulo, estendendo, de algum modo, os resultados anteriores e conformando-os mais à realidade. Em particular, serão estudados em maior profundidade dois efeitos característicos destas imperfeições: o comércio intra-industrial e o dumping.


O COMÉRCIO INTRA-INDUSTRIAL
 

É exactamente a existência de economias de escala e de diferenciação que conduz a um outro tipo de padrão do comércio internacional - o comércio intra-industrial -, distinguindo-o do comércio tipicamente criado pelos modelos anteriores - o comércio inter-industrial.

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Comércio inter-industrial é a troca de dois bens de natureza diferente (pão e vestuário, por exemplo), reflectindo sobretudo a lógica das vantagens comparativas.

Próximo conceito

Próximo conceito

Comércio intra-industrial é a troca de bens da mesma natureza (pão por pão e vestuário por vestuário), afastando-se de qualquer lógica de vantagens comparativas.

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Como se compreende facilmente, o comércio intra-industrial só é possível com diferenciação de produto, pois se os produtos fossem homogéneos a racionalidade económica obrigaria a comprar o mais barato e cairíamos, em consonância com os fundamentos das vantagens comparativas, na especialização de cada país num bem e, consequentemente, no comércio inter-industrial.
Há então que procurar razões específicas para este tipo de comércio, tanto mais que sabemos que ele caracteriza uma boa parte das transacções que ocorrem na União Europeia e, até, entre a UE e os EUA. De facto, entre eles há comércio bilateral de automóveis, de alimentos, de vestuário, etc.
J. Pelkmans (1984), dando conta do aumento deste tipo de comércio entre os países que, à data, constituíam o Mercado Comum Europeu, avançava com duas teorias para o explicar:

  • a primeira consistia na admissão da existência de economias de escala internas e de produtos diferenciados num contexto de uma estrutura de mercado de concorrência monopolística;

  • a segunda baseava-se na existência de economias de escala ligadas a estruturas de mercado oligopolistas.

Pelkmans abordou apenas o oligopólio de Cournot, mas a lógica de interacção estratégica que lhe está subjacente permite modelar outros tipos de comportamento onde a estratégia das empresas é bem mais agressiva que a relativa "neutralidade" implícita no modelo de Cournot.

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Chama-se concorrência monopolística a uma estrutura de mercado em que se verificam as hipóteses da concorrência perfeita (atomismo da oferta e da procura, livre entrada e saída do mercado, informação perfeita e sem custo), com excepção de uma - a homogeneidade do produto (a diferenciação é, justamente, a negação desta hipótese). A razão desta designação reside na convicção que cada empresa tem de possuir um produto diferente dos outros, levando-a a estabelecer o preço ignorando o impacte que tem sobre os outros.

Próximo conceito

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Um oligopólio diz-se de Cournot quando, apesar da reconhecida interdependência de decisões entre as empresas (e é esta característica que define um oligopólio), cada empresa toma as suas decisões admitindo que os outros não reagem a elas. Note-se que não se trata de não terem consciência da interacção existente, mas tão só admitir que os outros estrategicamente não reagem.

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Estando as economias de escala na base das duas teorias alternativas e diferindo elas pelas estruturas de mercado subjacentes, é evidente que a relação entre a extensão das economias de escala e a dimensão do mercado é que conduz às diferenças objectivas. Por outro lado, a segunda teoria explicativa não incorpora como necessária a diferenciação do produto, tendo bastante menos cobertura na literatura, como bem refere Pelkmans.
Com efeito, é a diferenciação do produto, fundada no gosto pela variedade, que melhor parece justificar a existência deste tipo de comércio. Esse gosto pela variedade é compatível com a existência em vários países (sobretudo os que têm afinidades culturais e níveis relativamente comparáveis de desenvolvimento) de consumidores com preferência por uma mesma variedade de produto. Isto faz com que se essa variedade, produzida por exemplo em Portugal, se tivesse que confinar ao consumo doméstico, não poderia ser eficientemente produzida, uma vez que, na presença de economias de escala internas, não atingiria uma escala mínima de eficiência. A existência nos mercados estrangeiros de outros consumidores desta variedade de produto potencializa as economias de escala e viabiliza a produção e a competitividade internacional desse produto, permitindo que Portugal se especialize naquela variedade. Simultaneamente, os países estrangeiros encontrarão em Portugal clientes para as suas variedades específicas de produtos que são substitutos imperfeitos daquele em que Portugal se terá especializado, estabelecendo-se assim um comércio internacional dentro de um mesmo tipo de produtos.

Próximo conceito

Dois produtos dizem-se substitutos imperfeitos se a subida do preço de um deles não levar à sua integral substituição por outro relativamente mais barato.

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A existência destes produtos e a possibilidade de os consumidores de um país a eles acederem, independentemente de terem sido ou não produzidos internamente, dá hipótese às empresas de um dado país explorarem economias de escala que seriam impensáveis se estivessem confinadas ao seu próprio mercado doméstico.
É por isso que uma das principais consequências da construção de uma união aduaneira é o aumento deste comércio intra-industrial. De facto, o que uma união aduaneira faz é "desinternacionalizar" um dado espaço, do estrito ponto de vista comercial, ou seja, da possibilidade de compra e venda, tornando "quase-doméstico" todo esse comércio, uma vez que os vendedores e os compradores não são limitados por quaisquer obstáculos "nacionais". O comércio que era "internacional" passa, de uma forma operacional, a ser "doméstico".

Daqui emergem, naturalmente, vantagens alargadas deste tipo de comércio, uma vez que ele proporciona ganhos que não decorreriam da estrita lógica de um comércio internacional baseado nas vantagens comparativas. Assim, os produtores de cada país vêem os seus mercados alargados, podendo cada país, do mesmo passo, reduzir o número de variedades que tem de produzir, aumentando por essa via as possibilidades de exploração de economias de escala e consequentes reduções de custo, sem que os seus consumidores sofram com isso. Pelo contrário, estes passam a ter acesso a uma maior escolha devido à presença de um grande número de variedades estrangeiras a par das domésticas, sendo, em princípio, os preços mais baixos em consequência quer da diminuição dos custos de produção, quer do potencial aumento de concorrência.
Mesmo do ponto de vista de efeitos sobre a repartição dos rendimentos - uma das maiores pechas reconhecidas ao comércio internacional baseado nas vantagens comparativas - há espaço para acreditar que o comércio intra-industrial os consegue superar positivamente, desde que nas trocas entre dois países ele prevaleça claramente sobre o comércio inter-industrial. Mas isso acontece sobretudo - e aqui as expectativas teóricas e as verificações práticas dão-se as mãos - em países que têm condições de produção semelhantes, recursos humanos com capacidades similares e consumidores de gostos relativamente próximos, isto é, países de níveis de desenvolvimento semelhantes. 
De facto, a evolução económica da segunda metade deste século é bem prova disto, nomeadamente pelo crescimento das economias dos países que integraram o Mercado Comum, com registo de apreciável melhoria das condições de vida da generalidade dos seus habitantes através da explosão deste tipo de comércio, que, aliás, foi predominante no enorme incremento das trocas comerciais entre todos os países desenvolvidos do mundo. Parece, pois, que estes países e os seus habitantes é que terão sido os principais beneficiários do comércio intra-industrial, evidenciando este um efeito perverso sobre a repartição do rendimento a nível mundial cuja heterogeneidade se terá agravado.

Confrontados com tal resultado, poderá parecer que a globalização em marcha, enquanto portadora e difusora de gostos comuns, terá o eventual efeito de atenuar esta heterogeneidade entre os países, estimulando a prevalência do comércio intra-industrial sobre o inter-industrial à escala planetária e diminuindo os efeitos assimétricos sobre a repartição mundial de rendimentos.
Sem pôr em causa estas potencialidades, há que estar atento a outras características e consequências da globalização, bem como e sobretudo da
natureza da estrutura do actual comércio intra-industrial.
No que toca às primeiras, não podemos esquecer que o que se está a passar com os gostos comuns é, verdadeiramente, uma diminuição da variedade à disposição dos consumidores mundiais, na medida em que são os bens das empresas e dos países dominantes que, pela força da comunicação e do poderio financeiro, se vão disseminando como "produtos globais", arrasando os "produtos locais" tradicionais, poucos deles capazes de competir na lógica bilateral, até pela vantagem de partida dos primeiros. Em segundo lugar, como já salientámos e aprofundaremos em capítulo posterior, a globalização é muito mais que a generalização das trocas a nível mundial, sendo a sua característica diferenciadora a circulação dos factores e a "domesticação" da economia mundial.
No que respeita à natureza do comércio intra-industrial, há que reconhecer que as condições implícitas no modelo de concorrência monopolística e que propiciam ganhos bilaterais estão longe de se conformar com a realidade da economia mundial. Efectivamente, as estruturas prevalecentes em muitos mercados não são atomísticas mas sim concentradas e com concentração tendencialmente crescente, originando oligopólios e oligopsónios ("oligopólios" do lado da procura) cujas performances se afastam marcadamente dos efeitos desejados do modelo. Aliás, mesmo na perspectiva das variedades que sustentam o comércio intra-industrial, cada um dos oligopólios "inunda" o mercado com diversas variedades que acabam por "competir" entre si (com a "competição" monitorizada internamente, está bem de ver), muitas vezes sem o consumidor se dar conta que está a escolher entre bens do mesmo produtor. Há uma espécie de preempção do mercado, ocupando cada um dos grandes produtores, por estratégias agressivas que nada têm a ver com as hipóteses do modelo de concorrência monopolística, o "espaço de escolha" dos consumidores, e diminuindo a hipótese de um produtor que só produz uma variedade, verdadeiramente diferente, se fazer "ouvir" junto dos consumidores. 
É certo que o aparecimento de oligopsónios pode funcionar como contra poder (countervailing power, na designação de J. K. Galbraith), mas essa luta potencial desvia-nos para outra estrutura de modelos, baseados na teoria de jogos e sua aplicação à competição no mercado mundial, que está fora dos planos do presente manual. Note-se, no entanto, que não é claro que dessa oposição potencial dos dois contra-poderes nasça uma maior competição e um maior benefício para os consumidores, já que uma solução possível para esse jogo conflitual é o conluio entre os contendores, com ganhos mútuos.


 

Segundo M. Caldeira Cabral (1998), "entre 1960 e 1985, o peso do comércio intra-industrial nas trocas portuguesas manteve-se entre os 30 e os 40%. Depois de 1986, os índices de Grubel e Lloyd (que mede a % do comércio intra-industrial no total do comércio internacional, isto é, no conjunto das importações e das exportações totais) para o total das trocas portuguesas situaram-se sempre acima dos 40%, sendo o valor médio registado na última década de 46,75%, média estatisticamente diferente da das duas décadas anteriores, mesmo para um nível de significância de 1%."
Mais relevantes são, ainda, os índices apresentados para anos mais recentes, chegando a atingir quase 60%.
Confirma-se, assim, o efeito da integração europeia sobre a alteração do padrão do comércio internacional de Portugal, com o crescimento relativo do comércio intra-industrial, tal como previsto pela teoria. Esta é, aliás, também plenamente confirmada pelo peso que as trocas com Espanha desempenharam nesta mudança, já que as trocas intra-industriais de alguns sectores se concentravam preferencialmente no comércio ibérico, em sintonia com a expectativa teórica de que, em sectores de elevados custos de transporte e economias de escala, o comércio intra-industrial tende a ser maior entre parceiros comerciais com fronteira comum.
Mas também os outros pressupostos diferenciais relativos a este tipo de comércio se encontram em Cabral. Num quadro em que apresenta os índices de comércio intra-industrial para os países da UE, para os anos de 1991 e 1995, Portugal aparece com o maior crescimento (de 39,09 para 46,33% - estes valores são menores que os precedentes por neste caso ter aumentado o número de categorias de bens diferenciados), confirmando os resultados anteriores, mas mantendo-se na "cauda" da UE, já que só a Grécia apresenta índices menores. Por exemplo, em 1995, o Reino Unido apresenta 78,98%, a França 75,06% e a Espanha já vai em 63,12%.
Este resultado confirma a nossa diferença estrutural face ao conjunto dos países europeus, sendo causa de menor nível de desenvolvimento deste tipo de comércio, encontrando-se na tão decantada perifericidade do nosso país outra potencial explicação.

 


O D
UMPING
 

É difícil encontrar na literatura económica um conceito tão maltratado como o de dumping, sendo usado com sentidos muito diversos e mesmo fora do contexto em que nasceu - na teoria do comércio internacional. Ainda recentemente em Portugal, um alto responsável de uma grande empresa acusava uma sua concorrente portuguesa de fazer dumping no mercado interno, e esse tipo de acusação tem proliferado em diferentes situações.
Como é evidente, o nosso ponto de partida tem de ser a busca da clarificação do conceito, o que não é simples, como vamos ver, por causa das evoluções que tem sofrido em consequência das diferentes situações práticas em que é invocado.
Ilustramos esta dificuldade apresentando duas definições de conteúdos diferentes que constam de dois manuais de Economia Internacional:

 

Próximo conceito

Dumping é uma forma de discriminação de preços no mercado internacional, segundo a qual uma empresa cobra um preço mais baixo pelos bens exportados do que cobra pelos mesmos bens no mercado doméstico.
(Krugman e Obstfeld)

Próximo conceito

Próximo conceito

Dumping é a venda de um produto num mercado externo a um preço abaixo do valor "justo" (fair) do mercado. 
(Husted e Melvin)

Próximo conceito

A comparação das duas definições mostra que, apesar de assentarem numa base comum - a separação dos mercados, porque referem ambas "mercado externo" - não têm o mesmo entendimento de como avaliar o preço nesse mercado. Enquanto a primeira é perfeitamente operacional, uma vez que os dois valores podem ser empiricamente revelados, a segunda deixa o preço de comparação indeterminado, porque o conceito de "justo" impõe um juízo de valor que não é necessariamente uniforme. As duas definições só podem ser tomadas por equivalentes se se considerar que não é "justo" vender no mercado externo a um preço inferior ao do mercado doméstico, incorporando assim um juízo negativo sobre a prática do dumping. Mas essa indução tem algo de ilegítimo, pois a base de partida é a separação dos dois mercados, levantando-se o problema epistemológico de saber se é correcto julgar o preço "justo" de um mercado em comparação com outro, designadamente se as condições de oferta e de procura forem diferentes.
De qualquer modo, o que fica claramente evidenciada é a necessidade de identificar dois mercados diferentes e, portanto, de rejeitar a aplicação do conceito a um só mercado.
Debruçando-nos sobre os equívocos gerados (J. Amado da Silva e E. Cardadeiro, 1995), chamámos a atenção para o facto de a globalização da economia mundial e a integração de vários conjuntos de países vizinhos em zonas económicas regionais terem contribuído para um crescente uso de um conceito deturpado de dumping.
Exprimimos a opinião de que o conceito tinha nascido num contexto de mercados nacionais separados, havendo inicialmente consenso em designar por dumping a prática de vender um produto num mercado estrangeiro a um preço inferior ao preço prevalecente no mercado doméstico, tendo em atenção os custos de transporte e outros custos de transacção, um conceito próximo do de Krugman e Obstfeld. Tal como eles, também nós o integrámos na esfera mais alargada da discriminação de preços, salientando que essa prática era resultado da exploração das potenciais diferenças de elasticidade de consumo entre dois países, sem qualquer referência explícita aos custos de produção.

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Discriminação de preços é a prática que consiste em cobrar a dois consumidores um preço diferente pelo mesmo produto, sem que tais diferenças possam ser justificadas por custos diferentes ligados à operação de venda. 

Desligar o dumping dos custos de produção impede, contudo, um julgamento adequado das condições de mercado, porque se centra muito na procura e ignora a oferta. Por isso, alguns autores preferem uma definição que incorpore também os custos de produção:

Dumping é uma prática que consiste em estabelecer um preço de exportação que, corrigido pelos custos de transacção, seja inferior ao custo de produção.

Em todas estas definições está implícita a preocupação com uma concorrência desleal, e embora esta última seja, em princípio, mais óbvia em termos teóricos porque pode revelar uma venda com prejuízo, habitualmente considerada como uma prática anti-competitiva, a primeira é mais pragmática porque mais fácil de observar. No entanto, não é tão evidente em termos teóricos pois é possível vender no mercado externo a um preço inferior ao do mercado interno sem que tal implique necessariamente a venda com prejuízo, situação que já não configura tão claramente uma prática desleal.
Além disso, mesmo no puro campo dos custos, persistem fortes controvérsias sobre o que é a venda com prejuízo, pondo-se em particular o problema de identificação do custo com o qual deve ser comparado o preço de venda. A defesa da utilização do critério do custo marginal pode ser "míope", porque desliga a venda de uma unidade específica de todo o contexto alargado de custos e receitas da empresa, mas vem muito na linha de defesa dessa prática seguida pelos neoclássicos. 
O aprofundamento desta discussão, que não é despicienda em termos de política de concorrência, não cabe num manual deste tipo, mas não deixa de ser exemplar sobre o modo como os comportamentos das empresas e as políticas governamentais podem influenciar decisivamente os padrões do comércio internacional.

O que não pode deixar de ser relevado é a motivação do dumping por parte das empresas e a reacção potencial das autoridades do país onde o dumping se efectiva, bem como as alterações conceptuais que a globalização crescente suscita.
A motivação do dumping radica, na maioria dos casos, na exploração de utilização das escalas instaladas, em particular nos casos em que o comércio intra-industrial é explicado pelo aproveitamento de economias de escala com estruturas oligopolísticas, situação em que a diferenciação do produto não é tão relevante.
Com efeito, sendo os custos marginais decrescentes (e, portanto, os médios também), as vendas acrescidas no exterior a esses custos marginais (mais baixos que os preços domésticos) são benéficas para a empresa, na medida em que lhe permitem baixar os custos médios de produção e, assim, alcançar maiores margens no seu país de origem, mesmo "perdendo dinheiro" nas vendas que faz no mercado externo. Isso mostra que as vendas marginais são feitas com prejuízo, mas a empresa com elas consegue, integradamente, um maior nível de lucro. Por isso, a acusação de venda com prejuízo não faz sentido. 
Aliás, Krugman e Obstfeld, a este propósito, referem o dumping recíproco, isto é, a venda simultânea por parte de duas empresas situadas em dois países diferentes a preços mais baixos nos mercados externos que os que fixam nos respectivos mercados internos. Esta situação, que parece paradoxal, acontece apesar de tudo e estimula a competição nos dois países, ao mesmo tempo que aumenta o comércio internacional. Contudo, em nossa opinião, essa situação não configura um verdadeiro dumping, na medida em que as duas condições básicas para a sua existência estão em causa: em primeiro lugar, a separação dos mercados não está assegurada, tanto que há vendas nos dois sentidos; a segunda, na sequência desta, também se dilui, pois o poder de mercado existente é corroído pela pressão competitiva que as vendas a baixo preço das "importações" lhe impõe. 
Em boa verdade, este dumping recíproco, acaba por ser uma figura híbrida, combinando o dumping puro com as características do comércio intra-industrial, pois é disso que também se trata. Na verdade, essa estratégia simétrica só faz sentido com base em diferenças a explorar, como sejam os custos de transporte (originando, eventualmente, mercados regionais inter-países) ou as características do produto, uma das justificações de maior peso para a existência do comércio intra-industrial.

Todavia, apesar de, pelo menos no curto prazo, os consumidores do país que é "vítima" do dumping serem beneficiados com preços mais baixos, ele é sempre encarado como uma potencial prática anti-competitiva, dando frequentemente azo a acções anti-dumping que podem acabar em proibições e penalizações dessas práticas.
Estamos aqui confrontados com uma das mais perenes e complicadas controvérsias da política de concorrência, já que a resposta à pergunta dos efeitos sociais do
dumping é ambígua em termos teóricos e de difícil avaliação em termos práticos. Perante esta ambiguidade, é sem surpresa que as decisões "anti-dumping" oscilam entre serem consideradas como legítimas protectoras do processo concorrencial e do bem-estar social e meros disfarces de políticas proteccionistas e, portanto, anti-concorrenciais.
No entanto, há uma situação em que reclamar práticas de dumping e consequentes acções "i" não tem qualquer legitimidade: aquela em que uma empresa é acusada de vender a baixos preços num mercado geográfico único (seja regional, nacional ou da União Europeia). É que, nesse caso, a primeira condição para a existência de dumping - a separabilidade dos mercados - está completamente derrogada, não permitindo, pois, invocar essa estratégia. 
Dir-se-á, com razão, que esse tipo de práticas, isto é a venda a baixo preço, continua a existir e pode ser alvo de investigações, também elas controversas no âmbito da política de concorrência. Só que, nesse caso, a acusação e as consequentes bases de avaliação têm de ter outro fundamento, desligado da economia internacional, porque a prática se dá no "mercado interno". Essa acusação deve então assumir a forma de preço predatório, no fundo a função "ilegítima" que é assacada ao dumping numa perspectiva internacional, sendo curioso referir que a analogia se estende à própria ambiguidade da definição deste tipo de preço.
Embora, em nosso entender, só se possa considerar existir preço predatório quando a empresa opta por um preço que lhe acarreta prejuízos voluntários para destruir a concorrência (o que, manifestamente, não acontece em muitas acções de dumping), por vezes aplica-se este conceito à venda a preços abaixo dos dos concorrentes, em caso óbvio de imperfeição do mercado. Sendo certo que a consequência para os concorrentes pode ser a mesma - saírem do mercado -, a empresa pode continuar a ter lucros, mesmo sacrificando alguns, o que torna menos clara a acusação de uma prática ilícita. Ela pode ser vista mais como o poder de quem é eficiente, do que como o poder de quem tem "fundos" para suportar prejuízos, como acontece com a definição por que optámos.

 

 

O estudo já referido (J. Amado da Silva e E. Cardadeiro) fez um levantamento exaustivo no Jornal Oficial, tendo encontrado, para o período 1988-1994, mais de 600 referências a questões ligadas ao dumping, incluindo regulamentos, decisões, anúncios, avisos, comunicações, resoluções, apelos e mesmo problemas levantados por membros do Parlamento Europeu e respectivas respostas pela Comissão.
Este volume de referências e a sua diversidade dão bem ideia da importância deste assunto no âmbito europeu.
Neste conjunto, identificámos 176 casos envolvendo "anti-dumping", em várias fases do processo, desde o seu lançamento até ao seu encerramento ou à decisão de reexame, passando pela decisão de aplicação provisória de uma taxa, criação definitiva ou mesmo a conclusão de acordos com os exportadores.
A maioria destes procedimentos foi iniciada por uma queixa das associações empresariais dos sectores que se consideraram vítimas de dumping.
A análise dos processos pôs em evidência o facto de a maioria dos processos envolver três ou mais países e várias empresas dentro de cada um deles, o que, a nosso ver, indicia mais a posssibilidade de protecção do mercado interno europeu que um comportamento ilícito das empresas estrangeiras, porque entendemos que é baixa a probabilidade de, ao mesmo tempo, um conjunto de diferentes empresas, em diferentes países, com variadas estruturas de custo, decidirem lançar estratégias de dumping contra empresas europeias.
Estas observações legitimaram a nossa hipótese de que, pelo menos nesse período, a legislação anti-dumping foi mais um instrumento de política industrial do que de defesa da concorrência. De facto, os efeitos sobre os consumidores raramente são tidos em conta e os poucos casos em que os consumidores foram ouvidos não deram qualquer relevância às suas opiniões nas decisões que sustentaram o "anti-dumping". Isto significa que "os prejuízos para a Comunidade", que constituem o argumento operacional para impor decisões "anti-dumping", estão quase exclusivamente ligados aos produtores, esquecendo os consumidores.
Não estamos a afirmar que as acções não se tenham justificado, mas sim que os argumentos foram enviesados.

 

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.