A diferença de ideia de "posse" referida no ponto precedente está subjacente à distinção que tem de ser feita entre União Aduaneira e
Mercado
Único, distinção essa nem sempre claramente assumida.
A União Aduaneira está ligada, do ponto de vista teórico, à Teoria do Comércio Internacional, enquanto o
Mercado Único tem que ser abordado pela teoria económica geral dos mercados, apenas tendo presente que houve "fusões" de mercados inicialmente separados que vão permitir novas reconfigurações empresariais e novos aproveitamentos de eficiência em resultado de novas potencialidades para afectação dos factores. É nisto que consiste, afinal, a globalização, distinguindo-se da internacionalização, como mostrámos no Capítulo 2. De algum modo, podemos assimilar a União Aduaneira ao laisser passer de Adam Smith, enquanto o Mercado Único é caracterizado pelo laisser faire, na medida em que o laisser passer não faz aí qualquer sentido. Numa União Aduaneira é o comércio de bens e serviços que é livre, sendo-lhe aplicados os modelos que desenvolvemos nos capítulos precedentes que evidenciam as suas vantagens. Foi tipicamente o que aconteceu na EFTA (European
Free Trade Assotiation), onde se aboliram sucessivamente as tarifas e as quotas e, com maior generalidade, as restrições à circulação de bens (embora não tanto de serviços), mas com a manutenção dos factores dentro das fronteiras nacionais. Isto significa que se alargou o mercado dos produtos, mas se manteve a separação dos mercados de factores, fazendo sentido os conceitos de importação, de exportação e até de "investimento estrangeiro" - sendo este uma excepção à suposta fixidez dos factores e habitualmente negociado com restrições e não fruto de uma operação livre.
Ao contrário, o Mercado Único, ou Zona Económica Integrada, tem todas as características de um comum mercado nacional, bem traduzidas, no caso da União Europeia, pelas famosas
quatro liberdades estabelecidas no Tratado de Roma: liberdade de circulação de bens, serviços, capitais e pessoas.
O Mercado
Único engloba, portanto, a União Aduaneira acrescentando-lhe a
liberdade de circulação dos factores. E é isto que não tem sido suficientemente apreendido e introduzido no estudo teórico e prático da construção do Mercado Único. Por exemplo, como já referimos no Capítulo 3, não faz qualquer sentido chamar
dumping a uma prática de uma empresa "portuguesa" relativamente ao mercado "espanhol", tal como o não faz chamar investimento "estrangeiro" a um investimento "espanhol" feito em Portugal. Pelas mesmas razões, uma empresa "portuguesa já não "exporta" para Espanha, mas "vende" em Espanha e, reciprocamente, Portugal não "importa" produtos de Espanha, mas "compra" produtos a Espanha.
É evidente que esta é a posição limite, que corresponde à real concretização de um mercado único, caracterizado, ainda, por uma
pauta aduaneira comum. Isto é, não pode haver, relativamente a qualquer entidade exterior a esse mercado, diferença de tratamento no que toca ao estabelecimento de barreiras ao comércio por parte de qualquer dos países que integre o mercado único.
É que, se persistem as fronteiras geográficas nacionais em sentido político, elas deixam de existir do ponto de vista económico no seio do mercado único. E tal como uma empresa de Leiria não diz que exporta para Bragança, também não se deve dizer que ela exporta para Sevilha. É certo que, no "mercado geográfico político" esta última é uma "exportação" e a primeira não o é, mas no "mercado geográfico económico" não há qualquer diferença, nem sequer qualquer possibilidade de intervenção política que não seja aceite por todos os membros do mercado único.
Na
zona do
Euro esta identidade é flagrante, porque nem sequer o instrumento da política monetária está ao alcance do Governo de um país que integre o mercado único, no sentido de modificar as condições de "exportação" dos bens desse país relativamente ao de outro país desse mercado. Já o mesmo não sucede relativamente a outro país da UE fora da
zona do Euro, mas, mesmo nesse caso, a haver qualquer acção do tipo monetário, ela teria de partir da "direcção" global da zona do Euro e nunca de qualquer país avulsamente.
O que se diz para bens, diz-se naturalmente para capitais e é essa não distinção que tem estado na base da celeuma levantada pela recente troca de posições accionistas entre o Grupo Mundial Confiança de Portugal e o Grupo Santander de Espanha, que levou a uma intervenção de proibição por parte do Governo português e a uma reacção europeia baseada na eventual violação das regras europeias levada a cabo pelo nosso Governo.
Estas considerações revelam que a construção de um verdadeiro mercado único, aquele em que as distinções que atrás referimos não fazem sentido, é de difícil concretização quando se mantêm as fronteiras políticas e que, além disso, a
"economia monetária" tem uma profunda implicação na
"economia real". Estas verificações legitimam que se estude com maior cautela as diferenças de efeitos entre os diversos tipos de movimentos "geográficos" tidos como alternativamente possíveis, ao mesmo tempo que evidenciam a necessidade de não abdicar de uma análise específica do problema monetário na Economia Internacional. Daí a preocupação de estudarmos esses movimentos alternativos ainda neste capítulo, deixando o problema monetário para depois.
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