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Conforme referido no capítulo anterior, a dimensão humana é frequentemente referida na área da inovação empresarial como “cognitiva”, por contraposição a dimensões tecnológicas, financeiras, ou outras. As técnicas de trabalho que se baseiam em aplicações de psicologia do comportamento e pretendem facilitar os processos criativos ou decisionais são convencionalmente designadas “tecnologias cognitivas” (cognitive technologies), embora em correcção, nem todas sejam cognitivas. No entanto, manteve-se neste texto a designação usual, apesar da sua imprecisão em termos de psicologia. |
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Brainstorming |
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Fig. 3.3
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Diagrama de análise de forças
(FFA
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Esta técnica é uma forma elementar de análise de qualquer tipo de situação. Marcamos uma linha vertical que representa a posição da empresa (ou um problema concreto). Do lado esquerdo desenhamos setas indicando as várias forças (factores) que auxiliam a empresa a caminhar da posição actual para a visão do futuro (ou que ajudam a resolver o problema), com comprimento proporcional ao impacto que esse factor potencialmente tem. No lado direito desenhamos setas representando as forças (factores) que prejudicam esse avanço, com comprimento proporcional ao seu efeito “travão”. Acções que auxiliem a alcançar os nossos objectivos serão as que reforçam as setas do lado esquerdo ou diminuem as do lado direito. Estas serão tanto mais importantes quanto maior o comprimento da seta em que actuam. A figura 3.4 mostra um esquema de um diagrama de forças simples, puramente hipotético (o comprimento das setas não corresponde a nenhuma opinião geral sobre estes assuntos, é um mero exemplo) para exemplificação do conceito. |
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Fig. 3.4
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O interesse desta análise, ao salientar o peso dos factores que prejudicam o avanço, é tornar claro que as acções de incremento dos factores positivos não são as únicas que importa levar a cabo. A metáfora exemplificadora é a de um automóvel em que o condutor pressiona simultaneamente o acelerador e o travão. Para o fazer andar com maior velocidade, pode ser mais eficaz largar o travão do que carregar mais no acelerador. |
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Mapas cognitivos e diagramas sistémicos |
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Um diagrama sistémico é uma representação gráfica de uma rede de relações causa-efeito sobre um determinado assunto. |
No caso de os factores em causa serem relativos a opiniões ou atitudes de pessoas (empregados, clientes, o mercado consumidor), utiliza-se normalmente o termo “mapa cognitivo” ou “mapa mental”, porque representa um sistema de valores, crenças e opiniões. De certa forma, é uma representação esquemática do pensamento de uma pessoa ou grupo de pessoas. |
No entanto, este tipo de representação pode ser bastante mais abrangente – é utilizado, por exemplo, para representar os processos decisionais na empresa, o seu sistema de operação (desde ordens de fabrico à venda final), etc. |
Um diagrama deste género é constituído simplesmente por blocos que representam todos os factores relevantes num determinado assunto, ligados com setas simbolizando as relações causa-efeito: se o factor A provoca o factor B, representa-se uma seta de A para B. |
Quando o diagrama está completo, apresenta uma visão abrangente de todos os factores relevantes envolvidos nesse assunto e das interacções entre eles. Um diagrama sistémico pode ter muitas dezenas de factores e variadíssimas setas, pelo que o desenho final por vezes parece confuso. Consequentemente, é aconselhável utilizar uma aplicação informática que permita modificar o desenho facilmente (um dos mais utilizados é o Decision Explorer da Banxia Software Inc., mas existem outras hipóteses, por exemplo, o Inspiration Pro, da Inspiration Software Inc.). Em alguns pontos do sistema pode-se colocar uma decisão em vez de um factor (ou A ou B): de um lado desse bloco constrói-se o diagrama das consequências de A e do outro o das consequências de B. |
Há duas opções principais para a construção de um diagrama deste tipo: |
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· Listam-se todos os factores que as pessoas pensem ser importantes num determinado assunto. Seguidamente, escreve-se à frente de cada um quais os factores que o provocam e quais os que dele resultam. Estando estas relações definidas, desenha-se o diagrama. |
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· Inicia-se o diagrama pelo ponto central (questão a resolver, decisão a tomar, problema a analisar, etc.). Começa-se por pensar em todas as consequências que daí advêm e vai-se evoluindo dessa forma. Depois, pensa-se nos factores que poderão ter este facto como sua consequência, andando mais para montante, se necessário. No final, revê-se o diagrama, verificando em particular as relações causa-efeito entre blocos bastante distanciados. |
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Para exemplificar o conceito, suponhamos a construção de um diagrama sistémico sobre o sector industrial do arroz em Portugal, usando a segunda metodologia. A figura 3.5 mostra um diagrama simplificado possível. O arroz é um produto básico, de baixa diferenciação e valor acrescentado. Assim, o nosso ponto de partida é “produto primário de baixo valor acrescentado”. |
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Fig. 3.5
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Daqui retiramos as seguintes consequências: |
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1. as empresas centram os seus objectivos em produzir em quantidade, a baixo preço; |
2. o sector tem uma dimensão reduzida e um perfil discreto (não é considerado sector-chave para o desenvolvimento económico); |
3. tem um baixo poder de lobbying; |
4. as empresas poderão procurar aumentar o valor acrescentado e diversificar para produtos de maior valor. |
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Seguindo o factor “baixa capacidade de lobbying” daqui resulta que a revisão dos acordos internacionais de comércio é desfavorável, o que provoca um aumento da concorrência externa, por sua vez resultando numa grande pressão sobre o preço de venda praticado pelas empresas. Ao analisar este encadeamento, concluímos igualmente que o perfil discreto do sector também contribui directamente para o seu baixo poder de lobbying e que o facto de a revisão dos acordos comerciais ser desfavorável e a concorrência externa aumentar também são efeitos provocados directamente pela evolução do mercado (maior globalização). Da mesma forma, o aumento da concorrência externa e a pressão no preço resultam igualmente dos novos sistemas de distribuição, e em particular das marcas-distribuidor. Traçamos assim dois novos inputs: o mercado global e a distribuição moderna. O restante diagrama vai sendo traçado do mesmo modo. |
Evidentemente, um diagrama deste género pode traduzir uma opinião subjectiva – outras pessoas teriam uma visão diferente. Por isso, mesmo quando procuram representar um assunto objectivo, como a situação do sector industrial do arroz em Portugal na figura 3.5, os diagramas sistémicos são quase sempre mapas cognitivos: representam o que uma pessoa ou grupo pensa que é o conjunto de relações causa-efeito. |
A análise de um diagrama sistémico pode ser muito útil porque nos permite visualizar o esquema básico da nossa forma de fazer as coisas ou de as processar (seja informação, produtos, processos empresariais, mercados, etc.). Podemos identificar mais facilmente pontos de ligação que merecem a nossa atenção, ou questionar uma determinada sequência, substituindo parte do diagrama por uma forma inovadora de encadeamento. |
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Também seria interessante pensar em termos dos mapas cognitivos das pessoas-chave num determinado projecto de inovação. O sucesso da implementação de qualquer inovação dependerá fortemente das opiniões e atitudes de algumas pessoas (a administração, os operadores, etc.). Pessoas ou grupos diferentes (departamentos da empresa, por exemplo) terão percepções diversas sobre as coisas, não só sobre a sua utilidade, mas também sobre as suas consequências. Isso pode, por exemplo, criar uma situação em que todos estejam de acordo com um determinado objectivo, mas criem barreiras por recearem as consequências da forma de o atingir – o problema está algures numa relação causa-efeito, eventualmente até numa questão aparentemente menor e lateral para outros. Este tipo de problemas é particularmente importante em áreas que envolvem diferentes sectores e funções da empresa, como os sistemas de informação. Pessoas de diferentes áreas tendem a possuir diferentes opiniões e expectativas quanto às tecnologias de informação e suas implicações. |
Construir um mapa cognitivo para uma determinada pessoa ou grupo procura revelar as opiniões subjectivas de uma forma explícita. O seu principal valor está no modo como, por vezes, aspectos que pareciam menos óbvios e que seriam ignorados se tornam mais visíveis, podendo conduzir a soluções interessantes. |
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Pensamento lateral |
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“Se queres avançar para
o infinito, explora o finito em todas as suas direcções” |
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A técnica de pensamento lateral (lateral thinking no original) foi desenvolvida pelo norte-americano Edward De Bono. No essencial, consiste em introduzir em determinado ponto de uma sequência convencional uma provocação gerada pela inversão da forma habitual de fazer as coisas (isto é, aquilo que à primeira vista seria considerado por todos os especialistas como um “disparate”). O objectivo do exercício é explorar a viabilidade dessa sugestão “provocadora”. |
O exemplo dado pelo autor (de Bono, 1992) é explícito: suponhamos que a avó Maria não consegue fazer malha porque a neta Matilde de 2 anos de idade não a deixa em paz. Sugestão convencional para resolver o problema: colocar a Matilde dentro do parque infantil. Utilização do pensamento lateral: vamos resolver o problema colocando a avó Maria dentro do parque infantil. É interessante explorar as consequências: no caso convencional, a Matilde iria provavelmente irritar-se e chorar a plenos pulmões, criando um novo problema para resolver. Na solução “provocadora”, a avó Maria pode continuar a fazer malha porque a Matilde não a consegue perturbar, e esta irá procurar outra coisa com que se entreter – a solução “lateral” até parece ter vantagens. |
A provocação exercida pelo pensamento lateral e a necessidade de explorar as suas consequências podem conduzir-nos a uma forma paralela completamente diferente de resolver um problema. Mesmo que se venha a demonstrar irrealizável, é provável que tenhamos abordado questões interessantes e gerado ideias para problemas variados que depois poderemos trazer para o nosso universo convencional. |
Obviamente, o sucesso do pensamento lateral depende da habilidade do líder (moderador) do grupo em introduzir uma provocação interessante na altura certa. Em regra, os pontos-chave são os mais básicos (se tivermos um diagrama sistémico, os blocos de onde partem mais setas – nós da rede – são pontos óbvios a considerar). Podemos combinar diagramas sistémicos com pensamento lateral para explorar novas dimensões de resolver problemas. Há algumas aplicações informáticas que ajudam neste trabalho, como o Innovation Toolbox da Infinite Innovations, Ltd. |
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O termo “análise funcional” designa um grande número de exercícios em que se questiona as funções que determinado produto ou processo deve desempenhar e se projecta o produto e/ou processo de acordo com o cumprimento dessas expectativas. Neste âmbito, também é frequente hoje em dia falar em “análise de valor” ou “engenharia de valor” (no original value engineering – “engenheirar” uma forma de dar mais valor ao produto). |
A melhor
forma de efectuar uma análise deste tipo, sobretudo em relação a um produto,
é a técnica designada QFD |
O conceito fundamental de análise funcional é que um produto raramente é analisado pelo mercado unicamente pela sua função básica – por exemplo, um alimento deve providenciar nutrientes para o corpo humano, no entanto raros são os consumidores que escolhem alimentos exclusivamente com a preocupação de suprir as necessidades energéticas básicas. Ao desenhar a nossa análise, temos de considerar todos os aspectos importantes na escolha do produto pelos clientes e utilizadores finais, e atribuir um determinado peso a cada um deles. Por exemplo, no caso genérico dos alimentos, para além da função “alimentar”, temos também “dar satisfação”, “ser saudável”, “facilidade de preparação”, “preço”, etc. |
Assim, utilizando a definição original do autor: |
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QFD |
Uma análise deste tipo é particularmente importante para reengenharia, centrando-nos mais na satisfação das diversas expectativas dos clientes e utilizadores do produto do que na forma de o produzir. |
Há várias
aplicações informáticas que auxiliam à construção de matrizes de análise QFD
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Inventividade sistemática
(TRIZ |
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O russo
Genrich Altshuller desenvolveu um método que designou Teoria da Resolução
Inventiva de Problemas (TRIZ
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Altschuller verificou que os problemas resolvidos por diversas patentes não eram soluções individuais, podendo ser classificadas na aplicação de um determinado conjunto de princípios (efeitos ou padrões científicos). Em vez de separar as patentes por sector industrial ou área de conhecimento, Altshuller criou uma forma inovadora de analisar o produto da inventividade humana, removendo a área de aplicação e extraindo o princípio científico-tecnológico subjacente à resolução do problema. Não supreendentemente, encontrou milhares de vezes os mesmos princípios utilizados nas patentes. Nos anos 70 propôs o seu primeiro conjunto de 40 princípios (de engenharia, essencialmente mecânica). A sua utilização permitia sistematizar mais de 200 000 patentes, de acordo com a aplicação de um ou mais destes princípios a um determinado problema. Actualmente, o sistema já analisou mais de um milhão e meio de patentes e tem oito conjuntos de princípios - engenharia, física, química, electro-magnetismo, termodinâmica, geometria, etc.). |
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Neste método, em vez de resolvermos o nosso problema directamente, decompomo-lo e estabelecemos paralelismos com um conjunto de problemas que designamos de problemas análogos, cada um com uma solução conhecida no universo de patentes, resultante da aplicação de determinados princípios. A partir das soluções dos problemas análogos, poderemos então construir a solução do nosso problema. Esta ideia está esquematizada na figura 3.6. |
Fig. 3.6
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Esta abordagem permitiu a Altshuller criar uma teoria de inventividade que era tecnológica em vez de psicológica, obedecendo a um conjunto de características: |
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· ser um processo sistemático, passo a passo; |
· criar um percurso através de um vasto universo de soluções, na direcção da solução ideal; |
· ser repetível, fiável e independente de aspectos psicológicos; |
· ser capaz de utilizar todo o repositório do conhecimento humano; |
· ser capaz de contribuir para o repositório do conhecimento humano. |
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Altshuller identificou cinco níveis de inventividade, consoante o grau de inovação da solução, conforme esquematizado no quadro 3.6: |
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1. Problemas de rotina na área de especialidade. Envolvem, no fundamental, a aplicação de conhecimentos facilmente disponíveis pelo próprio “inventor”, que de facto não inventa nada de novo – a novidade resulta da aplicação. Cerca de 32% das patentes caíam neste nível. |
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2. Pequenos melhoramentos num sistema existente. Os métodos são do conhecimento da empresa e a solução envolve normalmente um compromisso entre dois objectivos contraditórios. Cerca de 45% das soluções estavam neste nível. |
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3. Melhoramento fundamental num sistema existente, utilizando métodos ou tecnologias de outros sectores industriais ou áreas de conhecimento (por exemplo, resolver um problema mecânico com um elemento eléctrico). Essa aplicação permitia resolver problemas de contradição de objectivos, sem criar compromissos. Cerca de 18% das patentes enquadravam-se neste nível. |
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4. Utilização de um novo conceito. O problema é resolvido criando uma forma diferente de cumprir as funções básicas do sistema (por exemplo, utilizar fibras ópticas em circuitos eléctricos). Eram apenas 4% as patentes que se podiam classificar neste nível. |
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5. Descoberta de um sistema inteiramente novo. Em casos raros (apenas 1% das patentes analisadas), um sistema inteiramente novo, capaz de cumprir funções novas é desenhado para resolver um problema. |
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Altshuller estimou que mais de 90% dos problemas podiam ser resolvidos utilizando soluções já desenvolvidas e experimentadas. Bastaria para isso seguir um percurso iniciado no nível mais baixo e ir trabalhando para níveis superiores, alargando o universo das soluções. |
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O maior
potencial da TRIZ |
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O seguinte exemplo é bem ilustrativo: um problema da utilização de diamantes artificiais em ferramentas é que os métodos de corte de diamantes tradicionais (lapidação) resultam por vezes em micro-fracturas que só se revelam problemáticas quando o diamante já está em utilização. Era necessária uma forma diferente de cortar os cristais de diamantes ao longo das suas fracturas naturais, sem criar novas fissuras. Um método utilizado na enlatagem de alimentos para cortar pimentos verdes e remover as sementes foi seleccionado. Neste método, os pimentos são colocados num recipiente hermético a 8 atmosferas, o que provoca a sua contracção, criando fissuras na coroa, que é o ponto mais fraco da parede externa. Quando a câmara é descomprimida, o pimento rebenta pelo ponto mais fraco, soltando a coroa e libertando as sementes, sem danificar toda a parede lateral. Este método provou ser igualmente eficaz em diamantes para provocar a sua quebra ao longo dos pontos de descontinuidade natural. |
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O quadro 3.6 permite verificar a importância da sistematização para esta busca, a partir da estimativa do número de soluções que é necessário considerar para encontrar uma solução para o nosso problema, consoante o universo de procura. |
A ideia
fundamental da procura da solução ideal é a resolução dos objectivos
conflituosos – a resolução de um problema envolve normalmente dois
objectivos que estão em princípio em conflito porque a melhoria de uma
característica se faz em prejuízo de outra. Por exemplo, as rodas de um avião,
imprescindíveis na deslocação deste no solo, prejudicam a sua aerodinâmica
em voo; uma lâmina deve ser muito afiada para cortar bem, mas quanto mais
afiada for maior o perigo para a segurança do utilizador. Se resolvermos os
conflitos, atingimos uma solução ideal. O objectivo da TRIZ |
A sequência
de resolução de um problema (algoritmo de TRIZ
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1. Formular o problema. |
2. Transformar o problema num modelo (procurar problemas análogos previamente resolvidos). |
3. Analisar o modelo, estabelecendo as contradições a resolver. |
4. Resolver as contradições aplicando um, ou mais, princípios (identificar soluções dos problemas análogos). |
5. Formular a solução ideal. |
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Evidentemente,
o sistema requer uma aplicação informática que contenha uma base de dados,
caso contrário seria necessário um especialista em TRIZ |
A
potencialidade da TRIZ
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A aprendizagem da técnica não é imediata, mas com uma aplicação informática como o TechOptimizer é possível aprender em cursos breves, ou mesmo via Internet. |
©
Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999 |