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O PROBLEMA DA LIDERANÇA

A liderança é reconhecida como essencial a um bom desempenho de uma organização, mas, ao mesmo tempo, olhada com algum receio e por vezes associada a um comportamento ditatorial. É fácil confundir uma liderança forte com uma espécie de ditadura, mas é curial perceber que a liderança forte pode coincidir com um sistema democrático - fundamentalmente, é caracterizada por haver alguém, ou um grupo, que assume o comando e toma decisões, sobretudo em situações mais críticas ou de hesitação. Não se trata de se substituir ao conjunto, mas de ultrapassar hiatos ou, com maior normalidade, desenvolver e aplicar até as decisões do grupo.
É evidente que o modo como se olha para a liderança varia com a cultura e com a organização dentro de cada cultura, e não pode ser isolada da governação da empresa ou da instituição.
Como sugere Renato Bernhoeft (1999) discutindo o problema da sucessão da liderança nas sociedades familiares, o famoso ensinamento do fundador da Bombril - "Quem tem sócio não é dono. Quem tem sócio tem patrão. Portanto, tem de dar satisfação" - evidencia bem toda a distância que há entre ser dono e ser líder.
Mas a liderança tem aspectos muito diferenciados entre as culturas de alto contexto e de baixo contexto, e mesmo dentro de cada uma delas há uma enorme diversidade, como já insinuámos.
Por exemplo, nas culturas de elevado contexto, a figura do líder é, por norma, confundida com aquele que pode e sabe e, por isso mesmo, sinais de fraqueza ou de hesitação não se coadunam com esta imagem.
Porém, apesar de na cultura japonesa figurarem muitos elementos das culturas de elevado contexto, a sua cultura empresarial apresenta uma lógica de liderança em que predominam flagrantes exemplos de pequena distância do poder.
Segundo Adriano Freire (1995):

"a cultura empresarial assume no Japão o papel central na difusão das orientações estratégicas e na integração das estruturas a todos os níveis da organização. A partilha de valores básicos possibilita a descentralização das diversas actividades sem perca de consciência e eficácia operacional, pois todos comungam do mesmo espírito de promoção da empresa."

Daí decorre com naturalidade a lendária estabilidade de emprego japonesa, uma situação que está em linha com o nível de convivência e partilha interpessoal que é caracterizado por Adriano Freire: 

"Existe, igualmente, apenas um refeitório nas empresas japonesas, partilhado por todos os administradores, executivos, técnicos e trabalhadores."

É evidente que tal proximidade cria um espírito de equipa muito em sintonia com o trabalho de grupo (team work) tanto em voga na moderna organização. No entanto, do ponto de vista da liderança, este tipo de organização do trabalho pode ser causa de sérios problemas.
Richard Sennet (1998) é particularmente agudo nas críticas que lhe formula, começando por pôr em causa os objectivos dos célebres Michael Hammer e James Champy com a sua reengenharia da empresa, segundo a qual os gestores devem "deixar de actuar como supervisores, comportando-se antes mais como treinadores". É que, no entender de Sennet, essa mudança não é proposta para bem dos empregados, mas sim dos patrões que, assim, são desresponsabilizados das suas acções. É em cima dos ombros dos jogadores que recai todo o peso.
Pondo o problema de um modo mais formal, Sennet defende que o poder está presente na superficialidade do trabalho de grupo, mas a autoridade está ausente. É que a figura que encarna a autoridade é aquela que toma a responsabilidade pelo poder que exerce.
No velho estilo de gestão, o patrão podia usar essa autoridade com o poder que detinha, mas as modernas técnicas de gestão tentam escapar a esta forma de "autoritarismo" e, ao fazê-lo, conseguem escapar também à responsabilidade dos seus actos.
Mas Sennet vai mais longe e considera esse tipo de gestão como um processo de domínio. Uma vez que o bom jogador de equipa não se queixa, daí decorre que a focalização no curto prazo e a pressão do tempo ligado à curta duração do grupo possibilita verdadeiros exercícios de domínio. Assim, 

"o gestor que declara que somos todos vítimas do tempo e do lugar é talvez a figura mais astuta que aparece nas páginas deste livro. Ele dominou a arte de exercer o poder sem ser responsabilizado."

E conclui de uma maneira cáustica: 

"As mudanças irreversíveis e as actividades múltiplas e fragmentadas podem ser comportáveis para os novos donos do regime, tal como a corte de Davos, mas pode desorientar os servos do regime. E o novo espírito cooperativo do trabalho de grupo põe em cena como donos esses "facilitadores" e "gestores de processo" que fogem a um verdadeiro compromisso com os servos."

No fundo, Sennet mostra que não há uma liderança ética no trabalho de grupo, tal como ele é frequentemente entendido, ao contrário do exemplo do Japão onde o empenhamento existe e a autoridade também.
Não deixa de ser curioso verificar como este tipo de linguagem foi completamente assumido nas equipas de futebol em Portugal. Todos os treinadores falam do "grupo de trabalho", mas aqueles que não dão a cara por esse grupo ou não se impõem a ele são olhados pelos apoiantes do clube como "bananas", sem capacidade de liderança. O papel de liderança vai mais fundo e reclama-se "dentro das quatro linhas": quer-se um "patrão da equipa" (por tradição um "número 10"), com a curiosidade de ser o que mais joga para a equipa e não a equipa para ele.
Na verdade, a noção de liderança e de "quem manda" não está ausente, mesmo que mais diluída e, ao contrário da análise de Sennet, o "treinador" aqui é mesmo responsável. Quando as coisas correm mal com o "grupo de trabalho" quem perde o emprego é ele, pois os sócios e apoiantes do grupo não o libertam do peso das responsabilidades.
Vale a pena ter este exemplo em mente, pois ele traduz muito do nosso modo de estar e deve inspirar os nossos gestores, quando se lançam nos projectos internacionais, em diagnosticar o tipo de liderança mais eficaz no país de acolhimento.
No entanto, independentemente das críticas de Sennet, todos sentimos que o "trabalho de grupo" tem manifestas potencialidades, como o demonstram os japoneses. O ponto fulcral é encontrar o equilíbrio entre o compromisso, o empenhamento, a partilha e a liderança, sendo que todas estas características variam de cultura para cultura, devendo apresentar combinações diferentes de local para local.
O trabalho de equipa é um jogo cooperativo, com todas as suas vantagens e dificuldades, a menor das quais é o acordo global de todos os jogadores, como já evidenciámos. Na ausência dele, para que o jogo possa continuar em conjunto é fundamental encontrar o caminho. É esse o papel da liderança.
Mas como encontrar esse caminho em ambientes diferentes como são os dois países envolvidos nos projectos internacionais?
Cremos que James Moore, com a identificação do que chama "liderança e estratégia na idade dos ecossistemas negociais", fornece uma abordagem abrangente do problema.

 



"Jim Henson (criador dos Marretas, mas também CEO da Jim Henson Productions) tinha três aptidões especiais para a liderança.
Em primeiro lugar estava em fina sintonia com a ecologia negocial e social em que vivia. Um ávido estudante da cultura-pop, "elevada" [high] e folclórica - ia ao cinema constantemente e gostava de discutir os filmes. O seu gabinete era uma miscelânea das memórias dos Marretas e da arte folclórica americana, enquanto o seu apartamento propendia para a arte africana, um forte interesse pessoal e uma influência maior no desenho dos seus fantoches.
(…) [Também] contemplava continuamente as evoluções das dinâmicas económicas e organizacionais que o relacionavam com os outros produtores independentes (…) Em resumo, pensava nos ecossistemas.
Em segundo lugar, Jim contribuiu pela sua inserção vital em vários ecossistemas, (…) uma trajectória de inovação em que um bom número de especialidade eram postas em conjunto em cada projecto (…).
Por fim, Jim usava as suas capacidades para explorar e expressar os valores individuais que eram importantes para ele, (…) todos ao serviço de uma comunidade criativa e diversificada que beneficiava das contribuições positivas de cada um."

Fonte: James Moore, 1996.

Este texto, que exprime a admiração de J. Moore por Jim Henson, revela um conceito de liderança assente em três vertentes: o conhecimento dos ecossistemas, a inserção comprometida neles e o "chamamento", com respeito pelas diferenças, das capacidades individuais para inovar dentro dos ecossistemas.
Nas palavras de Moore:

Um líder expressa um conjunto de valores através de uma combinação estratégica de capacidades nucleares, complementadas de um modo holístico por um ecossistema mais alargado de indivíduos e organizações.

Esta definição de líder ultrapassa os receios de R. Sennet, no duplo sentido de se basear em valores e de ter uma visão estratégica integrada, visão essa que consideramos bem apropriada para uma abordagem generalizada da liderança.
Armados dessa perspectiva, os líderes podem resolver da melhor maneira duas actividades cruciais para o equilíbrio de qualquer ecossistema - a capacidade de negociar e resolver conflitos - e a inovação dentro dele - a motivação dos seus elementos.
Sendo evidente que as culturas modelam ou, pelo menos, condicionam as lideranças, vale a pena uma breve referência ao modo como os teóricos da liderança, segundo Francesco e Gold, descrevem o que consideram ser teorias relevantes da liderança nos Estados Unidos da América e na Europa, entre as quais se salientam as Teorias X e Y.

A Teoria X é um conjunto de hipóteses segundo as quais as pessoas preferem evitar o trabalho duro e, portanto, exigem uma direcção e supervisão constantes.

A Teoria Y consiste num conjunto de hipóteses mais optimistas que consideram os trabalhadores como auto-motivados e capazes de empreender trabalhos complexos com uma discreta supervisão directa sob condições adequadas.

Sem embargo de reconhecer que há culturas mais próximas da Teoria X e outras da Teoria Y, importa salientar que o mais comum é a prevalência nas pessoas de elementos de ambas, não fazendo sentido considerá-las mutuamente exclusivas.
Existe, no entanto, uma diferença essencial entre elas: na Teoria X não há quaisquer elementos de cooperação, mas tão só de domínio do líder, que o é pela força, enquanto a Teoria Y incorpora todas as condições para uma cooperação florescente entre o líder e os "seguidores".
Ao contrário destas teorias que se centram na visão que o líder tem dos seguidores, uma visão europeia, do bem conhecido sociólogo alemão Max Weber olha antes para os vários tipos de liderança a partir da sua base de legitimação. É uma diferença de abordagem que explicita cabalmente as culturas americana e europeia.
Weber (1947) identifica três tipos de legitimação da liderança:

Autoridade tradicional - "reside na crença estabelecida da inviolabilidade das tradições imemoriais e da legitimidade do estatuto dos que exercem a autoridade com base nela".

Autoridade racional - "assenta na crença da legalidade dos padrões das regras normativas e no direito dos que foram elevados a postos de comando no âmbito dessas regras".

Autoridade carismática - baseada "na devoção a uma santidade específica e excepcional, heroísmo ou carácter exemplar de um indivíduo e nos padrões normativos ou ordens por ele estabelecidas".

Estes tipos de liderança estão espalhados pelo mundo e alguns deles são mais próprios de certas culturas.
Por exemplo, a tradicional tem especial presença nas sociedades asiáticas, onde a senioridade masculina e o patriarca sempre marcaram a liderança.
Ao contrário, a liderança racional está subjacente às organizações burocráticas, muito típicas de certas organizações ocidentais.
A liderança carismática aparece um pouco por todo o lado pois está bem mais ligada ao indivíduo que as duas outras, mais vinculadas aos traços gerais de uma cultura . É aquela que é capaz de criar rupturas, podendo ser positivas ou negativas. Francesco e Gold afirmam que a liderança carismática é o tipo mais apropriado a países não desenvolvidos devido à urgente necessidade de mudança nas estruturas sociais.
Contudo, é bom não esquecer que Hitler foi um líder carismático e que muitos dos carismáticos líderes dos países em desenvolvimento se transformaram em tiranos ou coniventes com corrupções e violências que têm que dar de pensar a um gestor internacional.
Porque há que não esquecer que a base de legitimação da liderança deve ser sempre ética, isto é, o líder com espírito de serviço e não com espírito de domínio.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.