5.5
A GESTÃO NA GLOBALIZAÇÃO

No ponto anterior já focámos alguns efeitos da globalização, mas há que reequacionar toda a filosofia do projecto neste novo e incontornável enquadramento mundial.
Em primeiro lugar, há que notar que todas as abordagens precedentes estão centradas numa lógica bilateral, entre um projecto e um país hospedeiro, muito consistentemente com os processos de internacionalização e, em particular, das empresas portuguesas.
Na generalidade, as alterações que a óptica global acarretam aos projectos internacionais estarão fora do alcance das empresas portuguesas, com excepção de um ou outro grupo de maior dimensão. No entanto, há que conhecer os seus traços, incluindo ameaças e oportunidades, quer porque em certos casos de incontornável deslocalização as indicações daí decorrentes serão preciosas, quer porque é tempo de entrar em alianças mais abrangentes que já incorporem essa perspectiva.
Segundo Barbara Parker (1998), o estudo dos princípios de gestão aplicados ao mundo globalizado não pode ignorar nem as controvérsias sobre o verdadeiro conteúdo da globalização, nem, sobretudo, o seu carácter multidisciplinar que clama por conhecimentos de economia, ciência política e marketing, entre outros, sem esquecer os princípios de sociologia ligada aos aspectos culturais e de comportamento individual e colectivo.
Por isso, todo o desenvolvimento do seu trabalho, que se recomenda como síntese dos desafios que a globalização põe à gestão, abarca os aspectos que desenvolvemos nos pontos anteriores, designadamente o trabalho na economia global, os problemas legais e políticos, a globalização das tecnologias e os problemas ambientais, sem esquecer a discussão da questão cultural.
O que importa salientar é que uma globalização "perfeita" não é uma internacionalização, mas é feita a partir dela. Daí que as lições das estratégias de internacionalização, reequacionadas num novo contexto, sejam fundamentais para o entendimento do que se está a passar.
B. Parker afirma, e bem, que os vários exemplos de empresas que operam neste mundo global sugerem que os modelos que historicamente desenvolveram, embora nos ensinem muito, não conseguirão descrever apropriadamente os novos modelos empresariais para a globalização.
De facto, na medida em que os mercados globais se caracterizam por uma multiplicidade de competidores de diversas dimensões que operam com condições e motivações variadas, a gestão global tem que ser considerada mais complexa e com menos certezas do que aquelas que vigoravam nos "mercados mais homogéneos", em que a generalidade dos concorrentes apresentava semelhanças nas dimensões e nas motivações.
À medida que as empresas atravessam as fronteiras geográficas e políticas estabelecidas, as próprias fronteiras empresariais vão deslizando, reconfigurando-se e dissolvendo-se para reassumir novas configurações.
E estas novidades desafiam radicalmente as concepções de cultura , de organização e até de ética empresarial que discutimos, na medida em que deixa de haver um "local" de referência para identificar essa cultura ou essa ética e a própria organização empresarial está, por isso, para além dessas "particularidades locais".
Como evidencia B. Parker, cresce a centralidade das actividades negociais no âmbito das sociedades, incluindo o seu peso junto dos governos e a sua influência nas políticas dos locais que "atravessam". Essa centralidade foi acrescida pelos processos de privatização, através dos quais os governos transferiram parte da sua autoridade para o sector empresarial, ainda por cima tantas vezes com uma posição transnacional, isto é, sem qualquer estrita responsabilidade de obediência ao governo que privatizou.
Em particular, têm passado para as mãos de privados importantes serviços como transporte aéreo previamente "de bandeira", telecomunicações, bancos, serviços de auto-estradas, gás, água e energia eléctrica, entre outros, defendendo Peter Drucker (1987) que a sua posse aumenta o poder das empresas quando o público depende deles para ir para o trabalho, gerir o seu dinheiro, aquecer e iluminar as suas casas ou comunicar entre si.
Ao criarem estas "parcerias" empresas/governos, estes envolvem crescentemente aquelas em terrenos até aí do foro político exclusivo, criando condições para equívocos que podem degenerar em atitudes de conteúdo ético duvidoso.
B. Parker entende, provavelmente numa postura ética de exigência, que as organizações num mundo globalizado são chamadas a assumir tanto responsabilidades sociais como empresariais.
Admitindo existirem várias razões para esta exigência, considera que uma das mais fortes é a que resulta de as pessoas entenderem na situação presente que elas são a única entidade capaz de concretizar as necessárias mudanças sociais.
Reconhece, pois, que elas são vistas como um agente de mudança essencial em que a busca do lucro não é o único objectivo, assumindo responsabilidades sociais gradativas que podem ir de uma auto-regulação, no sentido de submeter esse lucro às restrições impostas por um nível moral mínimo, até à assunção de uma posição de campeão moral através de um activo envolvimento em causas, ligadas ou não à actividade empresarial, passando por um estádio intermédio que condiciona o lucro à obtenção de um certo bem de outra natureza.
Sumariado o problema, B. Parker conclui que: 

"Na medida em que as empresas aceitem ou sejam forçadas a aceitar [o sublinhado é nosso] um papel alargado como membros e líderes da comunidade global, tornam-se responsáveis perante os stakeholders externos espalhados pelo mundo (…)
[Em resultado] é possível que todas as organizações encontrem uma razão para balancear os seus lucros com outros papéis de natureza social prescritos para um mundo globalizado e que a superação dos interesses conflituais implícitos neste balanceamento implique a alteração de aspectos sensíveis da organização."

Como é natural, um gestor tem que se confrontar com estas tendências e, provavelmente, não deixará de ficar perplexo perante a veemência ética assumida.
No caso de um gestor-agente, isto é, sem qualquer presença no capital da empresa que gere, não pode deixar de pensar que o que lhe é pedido é a maximização do interesse dos accionistas - pelo menos no Paradigma dominante, mesmo com a globalização em curso -, com muitas das aproximações teóricas a assumirem que esses interesses se confundem, em exclusivo, com a maximização do lucro, isto é, não conferindo sequer aos accionistas discricionaridade para perseguirem também outros objectivos.
Isto significa que um gestor sujeito a accionistas deste tipo vai ter que se esquecer das responsabilidades sociais levantadas por B. Parker, em muitos casos debaixo da argumentação de que a competição global é muito dura e que temos que usar as armas que os outros usam. E se os accionistas medem a performance das suas empresas exclusivamente pelos ROE (rendibilidade do seu capital) não haverá outra alternativa que não seja esquecer a responsabilidade social, a menos que (e daí o nosso sublinhado no sumário de B. Parker) a pressão social os force a algumas concessões, pelo menos nalgumas situações.
Michael Marquardt (1999) leva ao limite a lógica da globalização, ultrapassando as tais inércias naturais das pessoas, propondo o que chama a "Globalização dos Recursos Humanos" e reconhecendo que as pessoas são o recurso mais importante para uma empresa.
Segundo ele, as organizações globais precisam de pessoas altamente qualificadas, mas, de acordo com a maioria dos executivos que actuam a nível global, uma das tarefas mais complicadas do processo de globalização é o recrutamento, a selecção, o desenvolvimento e a retenção de pessoal qualificado e "global".
Aponta, então, as competências desejadas para os executivos globais:

  • Conhecimento e domínio da sua própria cultura e dos seus valores para poder agir e reagir adequadamente na presença de outras culturas.

  • Bons conhecimentos linguísticos, incluindo a linguagem não verbal para fácil entrada em contacto com os nativos do local em que se encontra.

  • Uma perspectiva global e uma mentalidade global, traduzidas pela capacidade de pôr ênfase no equilíbrio entre as necessidades globais e as locais e de operar transversalmente através de funções, de divisões e de culturas à volta do mundo.

  • Respeito pelos valores e práticas de outras culturas, no sentido de não as valorizar positiva ou negativamente, mas sim de as encarar como diferentes.

  • Paciência e tolerância para com a ambiguidade, porque esta ambiguidade é típica de algumas culturas.

  • Sentido de humor, que revela a capacidade de se mostrar humilde perante situações inesperadas e difíceis.

  • Capacidade de comunicação, que significa adoptar os meios culturalmente desejáveis de entender e de se fazer entender.

  • Criatividade, porque as soluções que resultam no âmbito de uma dada cultura não serão necessariamente as melhores no seio de outra.

  • Resiliência emocional e capacidade de ajustar as aptidões, para defrontar as situações difíceis de uma rotina que não é a nossa, o que impõe uma aprendizagem constante.

  • Auto-aprendizagem, exigida pela constante mutação dos conhecimentos e pela crescente disponibilidade de Tecnologias e Sistemas de Informação.

Estas condições exigidas a um gestor global identificam-se, como é claramente assumido por Michael Marquardt, com aquelas que um gestor americano que se queira globalizar deverá apresentar. Algumas delas são quase redundantes para pessoas de outras culturas que, por seu turno, precisarão de identificar diferentes tipos de ajustamentos em que tenham mais fragilidades, como é o caso da capacidade de decisão.
Mas elas revelam algo muito mais importante: a globalização é, a esta luz, um processo de os Estados Unidos da América olharem para o mundo, mas também de o respeitarem, o que faz dela uma visão que não leva necessariamente à uniformização.
Mas se assim é, ficam por esclarecer as motivações últimas da globalização empresarial e, sobretudo, das pessoas que nela embarcam.
Se bem repararmos, as exigências de uma gestão global, não uniformizadora, têm as mesmas vertentes que as gestões nacionais e internacionais, com a complexidade de um tecido de conexões mais vasto. Só que a descrição de Marquardt vai ainda muito ao encontro da lógica Multinacional/Multi-regional que é descentralizada e se assume multicultural, mesmo que continue a reclamar-se de global. De facto, uma das exigências de Marquardt para a identificação de uma empresa global é uma cultura empresarial global. Mas o que significa isso se as dez características anteriores forem respeitadas na prática, designadamente o respeito pelos valores e práticas de outras culturas, a paciência e a tolerância com a ambiguidade e a criatividade?
Pode ser global porque "vê o mundo globalmente", mas não actua da mesma forma em todos os locais, a menos que o respeito pelas culturas e a paciência apenas se dirijam à vida fora da empresa e não à organização interna e ao comportamento organizacional que dela se espera.
É neste contexto de heterogeneidade mundial que se pode entender a posição quase seminal na matéria de Rosabeth Kanter (1995) quando refere a necessidade de fazer a economia global funcionar localmente.
Poder-se-ia pensar que na abordagem estaria explícita a possibilidade de um "local" consciente da globalização (para utilizar a sua linguagem) se enquadrar de modo a gerir um projecto de raiz nacional ou internacional, e de respeitar a sua cultura e o sítio onde vive, ainda que com restrições.
Contudo, a ideia não é essa mas antes a de como os "locais" devem adequar as "localidades" onde vivem de modo a que elas possam ser plenamente integradas nesta economia global.
Veja-se como Rosabeth Kanter descreve o problema:

"As companhias cosmopolitas têm como campo de jogos o mundo e como escolha os seus melhores locais. As comunidades devem determinar como atrai-las, apoiá-las e mantê-las em ordem a assegurar uma economia viável e uma qualidade de vida que ligue os "locais" ao sucesso global, ao mesmo tempo que defrontam o desafio de encorajarem visões cosmopolitas, proporcionando maior segurança de emprego e desenvolvendo lideranças para as necessidades cívicas."

Trata-se, afinal, não só de aceitar a globalização, mas de entrar integralmente no seu jogo, estimulando mesmo a sua fixação local, sugerindo que um "local" é um "cosmopolita" na visão mas não na mobilidade.
De facto, a visão mais profunda da abordagem de R. Kanter é a "Classe Mundial" que ela pretende eleger como uma espécie de benchmarking de cada "local" consciente, como revelam exemplarmente os dois títulos dos capítulos finais do seu livro, porventura os mais relevantes: "Empresas de Classe Mundial: Liderança através das Fronteiras" e "Regiões de Classe Mundial: Fortalecer a Infra-estrutura para Colaboração".
A junção dos dois títulos reflecte bem que o ritmo e o padrão da performance é marcado pela empresa global e pelo líder "cosmopolita", e que o "local consciente" está incumbido de colaborar com essa visão na sua região. Esta ideia de colaboração evidencia a sua convicção que o "local" para triunfar tem que actuar em coordenação com o "centro", directamente ou através de outros "locais".
Atente-se na posição de R. Kanter:

"Vir a ter classe mundial significa juntar-se à classe mundial. O sucesso na economia global resulta não só da satisfação de padrões de alta competição no concerto mundial, mas também da existência de relações fortes - redes que ligam aos mercados globais e redes que constroem uma força colectiva local."

E para terminar com as nossas dúvidas acrescenta, mais adiante:

"As comunidades devem abrir as suas ligações ao mundo. Os sucessos dos locais na economia global resultarão da sua capacidade para se tornarem mais cosmopolitas, forjando laços com o resto do mundo."

Esta visão leva-a, com toda a naturalidade, à exigência da "excelência da Liderança", onde quer que ela se exerça, mesmo localmente, pois o benchmarking é "sempre e só" o "melhor do mundo".
Há, no entanto, uma característica nesta visão que, à semelhança de Marquardt, eleva e valoriza a ideia da liderança cosmopolita, que, se bem observarmos, não pode nem deve ser confundida com liderança na uniformidade. Basta atentarmos nos quinze princípios (!) que aponta para um líder de sucesso, que considera sempre ligado a uma lógica de rede:

  1. Sê aberto ao romance, mas faz a corte com cuidado, o que tem que ver com o clima de boas relações pessoais e com uma visão comum do "sonho".

  2. Conhece-te a ti mesmo e constrói os teus pontos fortes.

  3. Procura a compatibilidade de valores.

  4. Trata a "família" com respeito, sendo a "família" a rede de ligações dentro e fora da empresa, um conceito muito próximo dos stakeholders.

  5. Põe os advogados no seu lugar, o que significa que a formação de redes impõe a exclusiva acção dos interessados e nunca o recurso a terceiros.

  6. Vota em trabalhar em conjunto até que as condições negociais obriguem à separação.

  7. Mas não te apoies no contrato.

  8. Mantém a comunicação face a face.

  9. Difunde o envolvimento. Cria mais ligações com mais pessoas.

  10. Constrói pontes através de estruturas formais.

  11. Respeita as diferenças.

  12. Ensina os parceiros e aprende com eles.

  13. Está preparado para a mudança.

  14. Ajuda toda a gente a ganhar.

  15. Torna-te mais próximo, muda de rumo ou sai simpaticamente.

A simples leitura destes princípios mostra bem que, se estes são os princípios que Rosabeth Kanter entende que devem nortear a liderança, todas as nossas preocupações de aculturação, de uniformidade e de desenraizamento caem, felizmente, por terra e não vemos razão para não propormos a sua observância sem reservas ao gestor de projectos internacionais.
Vendo bem, R. Kanter já tinha dado indicações deste seu posicionamento quando afirma: 

"Não confundamos facetas de alguns cosmopolitas com o conjunto da 'classe mundial'. Muitos cosmopolitas continuam orientados por objectivos domésticos, enraizados nas comunidades, com elevado sentido patriótico e com um único passaporte (…) Mas também atravessam fronteiras, fazendo pontes entre diferentes culturas empresariais e sonhando com novas oportunidades que os podem levar a novas fronteiras internacionais."

Provavelmente, este é o "toque feminino" que Rosabeth Kanter vem trazer ao mundo dos negócios, que, tal como referimos a propósito da cultura , impõe a introdução de elementos ligados à sensibilidade no campo da estrita "racionalidade económica".
O gestor de projectos internacionais, mesmo "local", será avisado se proceder a um confronto da sua liderança e da organização em que se insere com estas propostas, quer se comporte na lógica de "magnete", isto é, ponto de atracção de outros para o seu projecto, quer se comporte como "dinamizador" de um projecto com vários laços internacionais.


© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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