A tecnologia assume um papel ambivalente na
globalização que merece ser destacado:
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por um lado faz subsistir diferenças acentuadas entre as diversas regiões do globo, sendo, de algum modo, uma força
anti-globalização no que esta pode ter de uniformização a nível mundial;
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por outro lado, tende a tornar o mundo um "ponto" permitindo a potencial aproximação de toda a população mundial, através dos sistemas de comunicação e de informação.
Mas a tecnologia tem ainda uma terceira e decisiva influência na globalização pela sua directa relação com os problemas ambientais, talvez o mais incontornável foco de convergência mundial.
No que toca ao primeiro aspecto, a difusão tecnológica não pode ser feita indiscriminadamente, na medida em que depende do "saber fazer" de cada região, particularmente do nível de desenvolvimento educacional e científico das pessoas que aí residem. Grande parte dos chamados
"elefantes brancos" de triste memória resultaram ou de um erro de dimensão, por má interpretação do uso estratégico de economias de escala, ou, na maior parte das vezes, de uma
exportação de tecnologia não assimilável pelo país hospedeiro.
Efectivamente, a difusão tecnológica ligada à "transferência de tecnologia" será um bom meio de desenvolvimento do país hospedeiro se for compatível com a
capacidade de absorção tecnológica desse país, isto é, se encontrar aí capacidade de resposta para uma melhoria "local" do saber impulsionada pelas exigências de um novo projecto.
É claro que esta visão só contribuirá para uma aproximação tecnológica entre os países se a velocidade de difusão for superior à criação e se, desejavelmente, a criação se for desconcentrando.
Ora a globalização, na sua fase actual, não tem contribuído para esta aproximação, antes tem cavado fossos mais profundos. De facto, ao aprofundar a mobilidade dos recursos humanos, sobretudo dos mais aptos, concentra nos maiores centros de investigação e desenvolvimento os "melhores cérebros" de todo o mundo, incrementando uma
drenagem de cérebros (brain drain) que prejudica claramente os países menos desenvolvidos.
É certo que optimistas como Michael Best (1998) argumentam que a mudança tecnológica é central para explicar a liderança industrial e que, através do "enchimento da piscina tecnológica mundial", as nações tecnologicamente seguidoras podem conseguir taxas de crescimento maiores que os pioneiros tecnológicos.
Defende que a ciência económica tem pouco a oferecer para tratar estes problemas e que
a gestão tecnológica é um poderoso instrumento para o crescimento das empresas, regiões e países em todos os níveis de desenvolvimento
industrial. O sucesso, contudo, depende de certos princípios básicos de produção e organização, sem o que nenhum montante investido em I&D ou em transferência de tecnologia terão qualquer impacte no crescimento.
O problema está, exactamente, em saber se é possível encontrar essas condições e desenvolver políticas adequadas para elas, sobretudo quando há tendência crescente para a drenagem de cérebros. Sem surpresas, no seu prefácio Haider Khan (1998) afirma não ser de estranhar que muitas pessoas nos países em desenvolvimento tenham uma posição profundamente ambivalente em relação às inovações
tecnológicas.
A principal razão para essa ambivalência são os efeitos das transformações económicas e culturais que advêm da forte sedução que exerce a perspectiva do progresso tecnológico arrastar o desenvolvimento.
Lembra que essa sedução tem levado a que quase todos os países em desenvolvimento tenham posto em prática políticas de criação de
sistemas nacionais de inovação, mas poucos são inovadores de sucesso.
E mesmo que alguns desses países consigam catapultar-se para a esfera da tecnologia avançada, não é certo que toda a gente beneficie, nem que uma política democrática acompanhe o sistema
tecnológico.
Em ligação com esta observação, arrasta-nos para o segundo efeito da Tecnologia: o incremento através da mundialização dos sistemas de informação.
Pergunta-se Khan:
"Para os proponentes da ideia da sociedade de informação, a difusão de computadores e telecomunicações - tecnologias de informação, em geral - desembocará numa nova era democrática (…) Se isto estivesse correcto seríamos levados a concluir que as tecnologias de informação conduziriam ao aprofundamento da democracia. Mas qual a validade destas
pretensões?"
E esboça a resposta:
"É certamente possível que máquinas amigáveis possam tornar a vida mais fácil para as pessoas, (…), mas, nalgumas circunstâncias, a interacção
homem-máquina pode ser um processo de isolamento e de desumanização. Em vez de desencadear o potencial humano, a tecnologia de informação pode
reduzi-lo (…) Assim, a tecnologia de informação - e a tecnologia de ponta em geral - apresentam duas alternativas para o futuro da sociedade."
Do que vimos expondo decorre que a ambivalência dos efeitos da tecnologia põe ao gestor internacional, de novo, duros problemas éticos a que não pode
escapar. A opção por uma globalização cega traduzida, por exemplo, na difusão da tecnologia só a partir de pólos de excelência mundiais corresponde à visão de um "cosmopolita cego", mas trará, com certeza, grandes vantagens imediatas de concentração de poder, sobretudo se puder ser conjugada com a drenagem de cérebros para esses pólos de excelência.
Todavia, ela é, por certo, uma posição de ética mais que duvidosa, radicalmente desenraizada das preocupações de desenvolvimento humano e de equidade entre as pessoas.
Alguns refugiar-se-ão na defesa da eficiência e da inovação, alegando a neutralidade da tecnologia, mas H. Khan lembra, com propriedade, o aviso de Martin Heidegger:
os sistemas tecnológicos não são um mero conjunto distintivo de instrumentos. A tecnologia também arrasta consigo o seu sistema peculiar de
verdade.
Para um gestor português, afastado das possibilidades da liderança na generalidade das tecnologias de ponta, cabe escolher, na sua implantação internacional, entre uma tecnologia apropriável pelo país para onde se desloca, ou
aliar-se aos que têm capacidade para escolher os sítios do mundo que mais lhe interessam.
De qualquer modo, terá que fazer, a um tempo, uma escolha tecnológica que é também ética.
Mas no campo ético cai inapelavelmente a ligação das escolhas tecnológicas ao problema ambiental. Aí, o gestor pode escolher
tecnologias menos agressivas ou mais agressivas do ambiente se se localizar em regiões onde as regras de defesa ambiental não existem ou são "laxistas", já que nas zonas de legislação ambiental mais restritiva não tem outra solução senão
respeitá-las.
A opção por tecnologias mais agressivas do ambiente funda-se sempre na absolutização da procura do lucro com total desrespeito pelas populações e pelo património ecológico, não só do país hospedeiro mas também do património ecológico mundial. Contudo, a competição absolutizada pode quase obrigar a enveredar por essa estratégia, mas o empreendedor não pode esquecer que está a escolher uma lógica de curto prazo que condiciona o
bem-estar das gerações actuais no local do empreendimento e das futuras em todo o mundo.
Como bem refere Barbara Parker, "há só uma terra e ela é um lugar único em termos
negociais". Os gestores de projectos conscientes podem constituir-se em verdadeiras
comunidades de negócios para defrontar este problema, que, aliás, não é resolúvel sem um jogo cooperativo, uma vez que se revela uma situação muito propícia "à boleia"
(free riding), tal como a generalidade das actuações para remediar efeitos externos negativos.
B. Parker sugere diversos tipos de alianças para fazer face ao desafio ambiental: entre as empresas e os seus empregados, entre empresas, entre estas e os governos, entre empresas/governos e grupos de defesa ambiental.
Já existem alguns exemplos deste tipo de cooperação, como é o caso das indústrias químicas, bem como padrões de gestão ambiental de dimensão universal corporizados, por exemplo, nas ISO 14000.
A presença e a acção destes grupos é importante porque, reconhecidamente, não é provável que muitas empresas no mundo estejam dispostas a um comportamento responsável em termos ambientais, a menos que sejam forçadas a isso pelas pessoas e pelo sentir global.
Aliás, as empresas que têm uma liderança comprometida com um desenvolvimento sustentável ou que põem os princípios de respeito pelo ambiente prioritariamente ou em igualdade com a obtenção de lucros têm estado sujeitas a forte oposição e a críticas variadas.
Com frequência, e atestando o clima de suspeição gerado logo que se sai do paradigma dominante da maximização livre do lucro, as comunidades desconfiam dessas posições e levantam processos de intenções que sugerem veladas perversões a essas estratégias.
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