3.2.2

PRINCIPAIS ETAPAS NA APLICAÇÃO DO QFD

A variante de QFD que preconizamos e temos vindo a aplicar envolve um conjunto de cinco etapas fundamentais, que conduzem da auscultação dos clientes até à definição integral de um conceito de produto acompanhado das correspondentes especificações (figura 3.3).

FIG. 3.2

Estrutura da Casa da Qualidade
(adaptado de QUAL, "A Casa da Qualidade", pág. 7 ).

FIG. 3.3

Etapas fundamentais na aplicação do QFD
(adaptado de QUAL, "Engenharia dos Conceitos", pág. 2).

  • Recolha das vozes do cliente - consiste em ouvir e compreender as expectativas e necessidades dos clientes, através da realização de entrevistas exploratórias e abertas a um grupo de pessoas, seleccionadas pela riqueza de informação que se pensa poderem vir a fornecer. Este trabalho conduz à recolha e sistematização de um conjunto de vozes do cliente.

  • Transformação das vozes em requisitos do cliente - as vozes recolhidas na etapa anterior apresentam-se, por vezes, de forma ambígua e pouco precisa. É necessário clarificá-las e convertê-las em requisitos dos clientes, sem as deturpar minimamente, através de um processo de tradução semântica.

  • Estruturação e compreensão dos requisitos do cliente - após a identificação dos requisitos do cliente, é necessário trabalhá-los para deles recolher informações mais concretas e precisas, perceber a sua estrutura e significado: poder-se-á recorrer, nomeadamente, à construção de um KJ (técnica que abordaremos no capítulo 4) e efectuar uma análise de Kano , já anteriormente referida.

  • Emergência do conceito de produto - atingido este ponto, torna-se fundamental utilizar técnicas que permitam gerar e avaliar diversos conceitos possíveis de produto. A metodologia de Pugh (King e Schlicksupp, 1998 ) tem-se revelado uma das ferramentas mais eficazes neste processo: através de um método iterativo, conduz a um conceito de produto vencedor à luz da sua capacidade para satisfazer os diferentes requisitos do cliente.

  • Casa da Qualidade - na posse de toda a informação recolhida, é então altura de desenhar a "Casa da Qualidade". Nesta matriz, os requisitos do cliente são convertidos em características e especificações detalhadas do produto, definem-se relações entre ambos e, simultaneamente, procede-se a uma análise da concorrência.

A terminar este capítulo, iremos ilustrar a contribuição do cliente na Inovação através de um caso prático, adaptado de Sá e Saraiva (1998), relativo à aplicação do QFD na concepção de um jardim de infância. Na exposição deste caso consideraremos uma divisão sequencial de acordo com três grandes blocos de actividades desenvolvidas: a recolha da informação junto dos clientes, posterior tratamento e análise e, finalmente, a consolidação de todos os conhecimentos adquiridos que conduziu à definição de um novo estabelecimento, com características inovadoras.

 

 

Recolha de Informação

 

Na definição da amostra e dos clientes foram seleccionados sete estabelecimentos de ensino pré-escolar do concelho de Coimbra e considerados três tipos de clientes: pais, crianças e educadoras. Seguidamente, foram conduzidas entrevistas exploratórias e abertas junto dos diferentes tipos de clientes, com audição de 31 crianças, 17 pais e 14 educadoras, das quais resultaram mais de 250 vozes do cliente (quadro 3.1).

 

QUADRO 3.1

 

 

 

 

Algumas Vozes do Cliente

 

 

 

 

 

1. Não consigo estacionar o meu carro quando venho ao jardim.

 

2. Confio plenamente na educadora.

 

3. Sonho com uma escola sem professoras.

 

4. Quem me dera ter um dinossauro na sala de aula.

 

5. A escola devia ter uma missão

 

6. O jardim de infância dá ao meu filho a possibilidade de ir a sítios onde eu dificilmente o poderia levar.

 

7.  Quando vou para o trabalho quero estar segura de que o meu filho está em segurança.

 

8. As escadas são perigosas.

 

9. O jardim de infância deve fornecer à criança uma alimentação adequada.

 

10. As educadoras podiam trabalhar mais em grupo.

 

Tratamento e Análise da Informação

 

As vozes obtidas foram então convertidas em cerca de 120 requisitos do cliente, aqueles que um jardim de infância modelar deveria ser capaz de satisfazer (quadro 3.2).

 

QUADRO 3.2

 

 

 

 

Amostra de Requisitos  do Cliente

 

 

 

 

 

1. A relação entre o número de crianças e o espaço disponível é adequada..

 

2. Existe um espaço dedicado à prática desportiva entre as crianças.

 

3. Os trabalhos realizados pelas crianças são elementos de decoração do jardim.

 

4. O jardim de infância aceita a especificidade de cada criança.

 

5. O jardim de infância promove situações em que as crianças têm de tomar decisões sozinhas.

 

6. O jardim de infância dispõe de um quadro de pessoal estabilizado.

 

7. As pessoas que dirigem o jardim de infância possuem formação em gestão.

 

8. Existe uma forma de desenvolver o trabalho comum às educadoras do jardim.

 

9. Os pais vêm ao jardim ensinar algo da sua experiência pessoal.

 

10. O jardim de infância é um espaço de divulgação das tradições culturais

 

Do total, 24 requisitos foram seleccionados e serviram de base à construção de um KJ (ver capítulo 4). Foi assim possível clarificar que as preocupações dos clientes de um Jardim de Infância se centram em torno de quatro principais aspectos:

 

  • formação da criança (incluindo princípios de vivência em sociedade e de respeito pela diferença);

  • abertura ao meio envolvente (assente na integração do jardim de infância na comunidade);

  • cultura da instituição (consubstanciada numa organização interna e recursos humanos apropriados);

  • ambiente de trabalho (nomeadamente através do cuidado colocado nas instalações e nas condições de bem-estar de crianças e educadoras).

 

Complementarmente, efectuou-se uma análise de Kano, que conduziu à categorização ilustrada na figura 3.4 para os 10 requisitos já referidos anteriormente.

 

FIG. 3.4

Diagrama de classificação de requisitos (de acordo com o quadro 3.2)

 

 

Novo Jardim de Infância

 

Levando em consideração todo o conhecimento adquirido até aqui, partiu-se à procura de um novo modelo de jardim de infância, que convergiu para o conceito de Coreto das Aprendizagens, a que corresponde a seguinte descrição genérica:

 

"Pretende ser um ponto central da vida da comunidade em que se insere, divulgando as suas tradições, valorizando o contacto com a Natureza e o desenvolvimento de formas de cooperação com outras instituições, de modo a permitir à criança a interacção com uma multiplicidade de realidades. A aprendizagem pode, portanto, ocorrer numa grande diversidade de contextos e sob variadas formas."

 

Escolhido um conceito de jardim de infância, converteram-se então os requisitos do cliente em características do produto, através da construção de uma Casa da Qualidade. A enumeração exaustiva dos diversos quartos que integram esta Casa da Qualidade encontra-se disponível em Sá (1998), apresentando-se aqui aspectos considerados especialmente significativos:

 

  • no que diz respeito aos atributos técnicos (características mensuráveis do jardim de infância que permitem dar resposta aos requisitos do cliente), encontram-se agrupados em 7 blocos principais (localização, infraestruturas, condições de funcionamento, meios humanos, pedagogia, actividades desenvolvidas e estilo de gestão);

  • relativamente ao confronto efectuado com a concorrência, foi possível definir e assumir os principais trunfos e factores de diferenciação do novo jardim de infância (organização interna, divulgação das tradições culturais e existência de animais);

  • na definição das especificações associadas aos diferentes atributos técnicos, tiveram-se em consideração os requisitos do cliente e o impacto sobre os mesmos, a oferta já existente no mercado e o posicionamento pretendido para o conceito de jardim de infância desenvolvido, concentrando a atenção e os esforços em características susceptíveis de criarem vantagens concorrenciais sustentáveis (quadro 3.3).

 

QUADRO 3.3

 

 

 

 

Principais vantagens do Coreto das Aprendizagens.

 

 

 

 

 

  • Existência de animais de estimação no jardim de infância, os quais, além de reforçarem a componente afectiva da educação das crianças, contribuem para o desenvolvimento de um sentido de responsabilidade;·

 

  • Formação alargada da directora do jardim : não se limitando aos aspectos pedagógicos, deterá conhecimentos de gestão que lhe permitam resolver com maior eficácia e celeridade muitos dos problemas surgidos, tanto no que se refere a questões administrativas e financeiras, como de motivação dos colaboradores internos e externos da instituição, contribuindo decisivamente para uma maior rendibilidade e satisfação dos clientes;

 

  • Formação do pessoal não docente que permita, nomeadamente, redefinir o papel das auxiliares de sala, o que não só possibilitará encontrar soluções pedagógicas mais flexíveis, como melhorará a qualidade das relações com os pais, através de um maior profissionalismo e competência;·

 

  • Implementação de vastos programas de intercâmbio com outros jardins de infância que promovam, com um custo relativamente reduzido, o contacto com outras realidades, práticas organizacionais e pedagógicas, bem como a divulgação das tradições culturais de cada comunidade;

 

  • Elaboração de uma carta de princípios, que introduza alguns valores partilhados, crie um espírito de equipa e defina as responsabilidades de pais, educadoras e crianças.

 

Fonte: Sá, P., "Aplicação de metodologias de planeamento da Qualidade na concepção de um jardim de infância", págs. 27-31 (adaptado)

 

 

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
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