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GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

UMA PERSPECTIVA EVOLUTIVA

Por tudo quanto dissemos sobre inovação nos capítulos anteriores, é evidente que os conceitos abordados não são mais do que uma fotografia instantânea num determinado momento. Esperamos que a nossa visão vá evoluindo continuamente, trazendo novas ideias, conceitos e metodologias de trabalho. 
Este livro foi escrito em torno de um determinado ponto na cadeia evolutiva das empresas em que a palavra-chave é "inovação". Considerámos uma empresa que terá já passado um ponto anterior em que a palavra-chave era "qualidade" e que cria uma envolvente maior ao incorporar "inovação" na sua estratégia e operacionalidade quotidiana.
Esta posição nessa cadeia evolutiva será talvez a média, mas não é a mais avançada. Podemos analisar as empresas mais modernas e perspectivar outras envolventes, mais evoluídas, que pensamos serem o caminho a trilhar. Não estamos propriamente a fazer futurologia, uma vez que não especulamos sobre o que achamos que irá ser o futuro: olhamos para a "crista-da-onda" do presente e admitimos que nela estarão as novas palavras-chave.
Claramente, o ponto seguinte da evolução do universo empresarial é a gestão do conhecimento (knowledge management). Do mesmo modo que a inovação se tornou um imperativo lógico, subsequente a uma política de qualidade total, formando com ela um todo indissociável, também a gestão do conhecimento resulta de uma evolução lógica a partir da inovação e da qualidade, assimilando-se num todo que se tornará indissociável. 


 
Uma empresa deixará de poder dispor de qualidade efectiva e inovação eficaz se não tiver uma gestão do conhecimento eficiente.

 

Não é difícil prever que esta vai ser a palavra da moda daqui a pouco tempo.

 

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

A importância das tecnologias de informação é bem conhecida. Graças a elas, podemos organizar uma empresa de formas inovadoras e tornar todos os processos empresariais muito mais eficientes. Informação envolve sobretudo dados e as tecnologias de informação permitem passá-los através dos utilizadores que deles necessitam para organizarem as fases seguintes dos processos.
O conhecimento envolve mais do que a informação pura e simples: implica saber o que fazer com ela e, mais importante ainda, saber que informação ir buscar, quando e como. O conhecimento implica saber fazer coisas e diferencia-se pelo modo diverso como estas podem ser feitas. A informação é um bem necessário para a sua execução, mas o conhecimento pressupõe ainda uma abordagem, metodologia e modo de sistematizar, tratar e utilizar informação. O conhecimento é um bem intangível desenvolvido pela empresa, resultante das suas metodologias de operação e abordagem de problemas e oportunidades e, consequentemente, da forma de trabalhar os mercados. Conforme discutido no ponto 3.8, tal como no passado as empresas se diferenciavam pelas suas tecnologias, no futuro diferenciar-se-ão pelo seu conhecimento, isto é, pela sua forma de trabalhar os mercados.
Já no capítulo 1 definimos a importância da capacidade de aprendizagem (a empresa que se transforma numa organização em aprendizagem - learning organisation). No capítulo 3 reforçámos também essa mensagem. As empresas devem desenvolver elas próprias os seus sistemas e processos, de acordo com a sua natureza, missão, realidades, mercados, isto é, com todo o seu universo intrínseco e extrínseco. Ao desenvolver a sua estratégia face aos mercados e ao modo de trabalhar (gerindo a qualidade e a inovação), a empresa vai "aprendendo", desenvolvendo a sua própria forma de operar. Isto gera uma grande variedade de conhecimento, mais ou menos disperso pelos diversos sectores da empresa. Da mesma forma, o conhecimento externo (de tecnologias, mercados, etc.) vai permeando a actividade da empresa.
Existe uma grande variedade de conhecimento em contínuo desenvolvimento e aprofundamento. Se não tratarmos este manancial intangível como um bem, um activo da empresa, que portanto requer uma gestão eficiente, arriscamo-nos a:

perdas de produtividade e de oportunidade - resultantes da falta do conhecimento certo, no local em que é necessário, na altura própria e em forma utilizável;

excesso de informação - demasiada informação e conhecimentos diversos não-organizados nem sistematizados, de relevância difícil de descortinar para os utilizadores, trazem pouco mais benefício que informação nenhuma;

deficiência na comunicação - em ambientes em que o conhecimento não está facilmente disponível, nota-se uma certa tendência para atitudes do tipo "conhecimento é poder" e para um défice na informação necessária gerada ao longo da cadeia de operação da empresa;

sobre-esforço de aprendizagem - Reicheld e Teal (1996) estimam que uma empresa perde metade da sua knowledge base (base de conhecimento específico da empresa) cada 5 a 10 anos pela rotatividade de empregados, clientes e investidores. Uma empresa tem de fazer um esforço significativo só para se manter no mesmo nível de conhecimento (manter a knowledge base);

"reinventar da roda" - a falta de processos de capturar as regras de boas práticas e as lições aprendidas no passado leva a cometer os mesmos erros, ou a perder tempo desenvolvendo o que já está desenvolvido.

Para além da evidente necessidade de tornar mais eficiente a gestão do conhecimento dentro da empresa, de modo a que o conhecimento adequado esteja disponível onde necessário, como qualquer outro activo, há grandes tendências da sociedade moderna que acentuam a sua importância:

a emergência e convergência de diversas tecnologias capazes de capturar, tratar, gerir e disseminar vastas quantidades de informação;

o desenvolvimento de organizações virtuais, em que as fronteiras físicas se tornam mais ténues, com alianças, parcerias estratégicas e outsourcing a levarem para além das paredes da empresa uma boa parte das preocupações em relação aos seus próprios processos. O desenvolvimento de novas relações de trabalho (móvel; à distância) acentua ainda mais a necessidade de as empresas gerirem e adquirirem conhecimento e informação vital em qualquer lado;

a percepção de que a "venda" do conhecimento se pode tornar uma fonte de novos negócios. Cita-se o exemplo da empresa transportadora norte-americana Federal Express, que entrega rapidamente encomendas e cartas em qualquer ponto do mundo e é hoje também uma importante consultora de sistemas logísticos.

Gestão do conhecimento implica desenvolver (e utilizar) um sistema que garanta que o conhecimento certo está disponível na altura própria junto de quem precisa dele, numa forma compreensível e utilizável.


NÍVEIS DE GESTÃO DO CONHECIMENTO

Definem-se cinco níveis na evolução das empresas de uma situação primária para a situação ideal:

1. Tratamento caótico do conhecimento (knowledge-chaotic enterprise). A empresa dispõe de muito e variado conhecimento, mas não está consciente da sua importância enquanto activo a ser gerido. A informação é armazenada de forma ad hoc em diversos pontos da empresa. Aceder à informação é normalmente difícil porque as fontes são variadas e a informação não está tratada. Pode haver sistemas de informação incompatíveis, obrigando a pesquisar em diferentes sítios, de diferentes formas (por exemplo, informação digitalizada, em micro-filme, em papel). Os processos de recolha de informação são primários ou mesmo não-existentes. As pessoas podem ser relutantes em partilhar conhecimento, ou ter simplesmente falta de tempo ou de motivação para isso.

 

2. Tratamento de conhecimento relevante (knowledge-relevant enterprise). A empresa está consciente da importância do conhecimento para a actividade de todos os quadros e tentou implementar um qualquer sistema de armazenar informação que garante alguma facilidade de utilização e que a incentiva. As fontes e processos de aquisição de conhecimento foram identificadas e documentadas. A pesquisa de informação é facilitada pela catalogação das fontes de informação disponíveis. No entanto, a implementação e utilização podem ainda não estar totalmente disseminadas por todos os pontos da organização.

 

3. Tratamento proveitoso do conhecimento (knowledge-able enterprise). O uso de conhecimento sistematizado começa a beneficiar a actividade da empresa. São utilizados procedimentos e ferramentas estabelecidos para aceder ao conhecimento existente. Os recursos de conhecimentos foram inventariados, avaliados, classificados e tratados e existem procedimentos para manter este sistema actualizado. Ainda poderão existir algumas barreiras culturais ou pessoais à partilha e utilização do conhecimento.

 

4. Gestão do conhecimento (knowledge-managed enterprise). A empresa tem um sistema integrado de procedimentos e ferramentas para encontrar, criar, manter e pesquisar informação. As questões tecnológicas e culturais foram ultrapassadas, todos os níveis da empresa fazem uma boa utilização do sistema, participam activamente na sua manutenção e no desenvolvimento contínuo da estratégia em relação ao conhecimento.

 

5. Empresa centrada no conhecimento (knowledge-centric enterprise). A empresa centrou-se no seu conhecimento, isto é, a sua missão é fundamentalmente aplicar e desenvolver a sua base de conhecimento ("knowledge base"), que lhe providencia uma vantagem competitiva nos mercados. Os procedimentos de gestão do conhecimento são parte integrante dos processos individuais e empresariais. As ferramentas utilizadas para a gestão do conhecimento são altamente integradas, assentes em tecnologias robustas. O valor do conhecimento é quantificado em relatórios aos investidores, reflectido no valor do mercado da empresa e gerido como um activo central da sua actividade.

 

Os estudos macro-económicos e sociológicos sugerem mesmo que esta evolução de empresas centradas nos activos de base capital (economia industrial) para empresas centradas na sua base de conhecimento (knowledge economy) como forma de garantir a supremacia do mercado é tão significativa quanto o foi a evolução de uma economia agrária para uma economia industrial (Parlby, 1998).

SISTEMAS DE GESTÃO DE CONHECIMENTO

Um sistema de gestão de conhecimento integra aspectos culturais (valores, crenças e opiniões), pessoais (conhecimentos específicos dos quadros da empresa) e tecnológicos - os últimos não são os únicos a considerar. As tecnologias desempenham um papel central ao permitirem que a base de conhecimento da empresa esteja facilmente disponível para ser aplicada em qualquer nível. O desenvolvimento do sistema implica cinco áreas principais de actuação:

1. Infra-estrutura de apoio ao conhecimento. Algumas empresas estão a desenvolver equipas profissionais que providenciam os serviços de apoio à recolha e tratamento de informação e conhecimento, e que promovem e executam iniciativas de gestão do conhecimento.

 

2. Desenvolvimento do conhecimento. As empresas necessitam de desenvolver os repositórios do conhecimento, onde todo o pessoal tenha acesso à experiência colectiva da empresa. Este desenvolvimento implica um tratamento e eventual melhoramento do conteúdo da informação utilizada.

 

3. Apoio tecnológico. Muitas empresas já têm investimentos significativos em redes informáticas, das quais a gestão do conhecimento pode ajudar a obter mais-valias. As tecnologias mais úteis neste contexto incluem intranets, gestão documental, armazenamento em bases de dados e inteligência artificial (redes neurais).

 

4. Aplicação do conhecimento. O sistema de gestão do conhecimento está disponível para auxiliar qualquer nível da empresa a executar o seu trabalho. As lições aprendidas em diversas situações (sobretudo na aplicação dos produtos e processos da empresa nos mercados) têm de ser capturadas e incorporadas na base de conhecimento, para outros as poderem utilizar.

 

5. Exploração do conhecimento. Uma economia com base no conhecimento (em vez de base industrial ou agrária) oferece novas oportunidades para comerciar bens intangíveis. 

 

Ao desenhar um sistema de gestão de conhecimento que seja apropriado à empresa, esta deve considerar os seguinte aspectos:

Conteúdo. Quais são as necessidades em áreas temáticas? Quais são as fontes a considerar? Como deve ser organizado o sistema? Como deve ser gerido? A empresa deve decidir qual é a informação de que necessita para apoiar os seus processos fundamentais e implementar as suas estratégias comerciais. As necessidades de informação variam consoante a empresa.

 

Motivação. Quais são os comportamentos e competências que o sistema de gestão do conhecimento exige das pessoas e quais são as vantagens que lhes traz? A reacção das pessoas a um sistema de gestão de conhecimento é fundamental para o seu sucesso. Os sistemas de motivação, prémio de desempenho, etc. da gestão de recursos humanos devem ser revistos tendo em atenção o encorajamento de formas eficazes de explorar informação colectivamente.

 

Processos da gestão do conhecimento. Como é que o conhecimento vai ser compilado, armazenado, indexado, pesquisado e mantido? Os processos ligam tecnologias, pessoas e aplicações. É importante que os processos de gestão do conhecimento se integrem nos processos tecnológicos e empresariais de modo a fazerem parte da rotina diária.

 

Tecnologias. As tecnologias existentes são capazes de disponibilizar de forma directamente utilizável o que a empresa requer do seu sistema de gestão do conhecimento? São necessárias novas tecnologias, ou algumas adaptações às existentes? Muitas empresas descobrem que têm as tecnologias necessárias mas não as utilizam optimamente. 

 

As tecnologias utilizadas por sistemas de gestão do conhecimento não necessitam de ser sofisticadas, embora o possam ser: sistemas-perito, redes neurais, raciocínio artificial com base em casos documentados e analisadores automáticos de documentos são tecnologias aplicáveis. No entanto, há muito que pode ser feito com sistemas mais convencionais como bases de dados e gestão documental.

O sucesso de um sistema de gestão do conhecimento não depende das tecnologias utilizadas, mas do uso que os diversos níveis da empresa fazem dele.

© Sociedade Portuguesa de Inovação, 1999
Edição e Produção Editorial: Principia.    Execução Técnica: Cast, Lda.